Última foto da tripulação do ARA San Juan formada

O ARA San Juan e sua tripulação reunida

Por Roberto Lopes
Especial para o Poder Naval

Passados 32 dias do naufrágio do submarino ARA San Juan, toda a Armada Argentina se debate no oceano de incertezas acerca do tipo de manutenção recebida pelo navio, das denúncias de corrupção contra autoridades civis e militares vinculadas ao caso, e das suspeitas de que o agora ex-comandante da Força, almirante Marcelo Hipólito Srur – um oficial de estilo suave, querido por seus comandados –, escondeu do presidente, Mauricio Macri, e do ministro da Defesa, Oscar Aguad, ao menos uma mensagem recebida do navio, antes que ele silenciasse para sempre.

O aviso a princípio ocultado dava conta (1) da inundação, pelo sistema de ventilação (snorkel), do tanque de baterias Nº 3 do navio, (2) de um princípio de incêndio no barramento das baterias, e (3) – mais grave que tudo – a inutilização (perda de força) das baterias de proa do submarino.

Apesar de conhecer essa comunicação, ao receber o chefe do governo e o titular da Pasta da Defesa, Srur, indagado sobre a situação, teria apenas repetido: “Não sabemos onde está”, “Não sabemos o que aconteceu”.

Nesta sexta-feira (15.12) pela manhã, a deputada Elisa Carrió apresentou denúncia à Justiça Federal de Buenos Aires, acusando três ex-ministros da Defesa dos governos da presidenta Cristina Fernández de Kirchner, de serem responsáveis por atos e omissões graves durante os reparos a que o San Juan foi submetido.

No fim do mesmo dia, Macri pediu ao almirante Srur que solicitasse passagem para a reserva e comunicou-lhe a exoneração do cargo de chefe do Estado-Maior Geral Naval.

De acordo com o serviço noticioso Infobae – um dos mais críticos à Marinha na imprensa argentina –, a notícia teria levado outros quatro altos dirigentes navais – das áreas de Manutenção, Aviação Naval, Comando da Esquadra e Infantaria de Marinha – a também optar pela Reserva¹.

A decisão teria sido tomada em um gesto claro de solidariedade a Srur, mas a Marinha ainda não confirma que os quatro almirantes estejam em processo de deixar o serviço ativo da corporação.

A Reserva já tinha sido o caminho adotado por outro importante oficial-general da Armada, o almirante Gabriel Gonzalez, chefe da Área Naval Atlântica – estrutura que abriga o Comando da Força de Submarinos, da cidade de Mar del Plata.

Segundo Infobae, foi Gonzalez quem, na terceira semana de novembro, à medida que foram sendo conhecidas as informações indicativas de que o barco explodira, ouviu as reclamações indignadas – e insultos ferozes – dos familiares dos 44 tripulantes do San Juan.

O vendaval nos altos escalões da Armada platina também deve varrer das suas funções o atual comandante dos submarinos argentinos, capitão de navio (equivalente a capitão de mar e guerra) Claudio Villamide.

Inspeção técnica – Neste sábado (16.12), o conceituado jornal El Clarín revelou detalhes de um informe secreto preparado pela própria Armada, a 26 de dezembro de 2016, que sumariza o resultado de uma inspeção técnica no ARA San Juan.

A deputada Carrió incluiu esse texto em sua denúncia à Justiça. E algumas de suas assertivas são, mesmo, de indignar.

“Las deficiencias encontradas en el equipamiento del ARA San Juan dificulta su alistamiento para cumplir con los planes de rigor”, diz um trecho do informe.

Em outro parágrafo a clareza é total: o submarino apresenta “limitación en la vida útil de las baterías”.

A deputada Carrió quer que a Justiça averigue a qualidade dos reparos que foram feitos no San Juan a partir do ano de 2008. Mas, segundo o El Clarín, o próprio informe de 26 de dezembro já adianta a triste resposta:

“Durante las reparaciones de media vida se utilizaron materiales no adecuados o de baja calidad en sistemas sometidos a la acción del agua de mar y presión hidroestática”.

De acordo com o jornal, esses “arreglos” geraram para o navio “averías y situaciones de emergencia para la unidad” durante o último ano (2016).

O informe técnico deverá ser documento-chave na investigação das causas do desastre com o San Juan. E a verdade é que ele adverte com objetividade sobre as diferentes deficiências encontradas na embarcação no fim de dezembro de 2016.

Por exemplo: “una entrada de agua por el interior de los cables Loop en el cuarto de la radio”.

Outra: havia falta de “señales pirotécnicas” utilizáveis por submarinos em situação de emergência. Em dezembro de 2016, as duas balizas de comunicação do navio, capazes de subir à superfície, caso ele estivesse submerso, para emitir sinais de localização, eram consideradas “obsoletas”, pois operavam em “frecuencia de emisión [que] no es compatible con el actual sistema de comunicaciones [da Armada Argentina]”.

O mesmo documento afirma: o navio não contava com as “ferramentas básicas” para socorrer um possível ferido durante a faina da travessia marítima. Caberá à Justiça verificar se tais suprimentos foram incorporados ao submarino no curso de 2017.

Entretanto, o texto busca salvar a face do Comando da Força de Submarinos: “Se pudo constatar que el Comando de Fuerza de Submarinos está realizando lo humanamente posible con los recursos asignados”.

Relação – Em sua petição à Justiça, Elisa Carrió pede que sejam investigadas as empresas estrangeiras que intervieram nos consertos do San Juan, e as autoridades argentinas com algum tipo de responsabilidade no estado material do navio. Nomeadamente:

  • A ex-ministra da Defesa Nilda Garré (que despertou ironias nas marinhas sul-americanas ao anunciar que sua Marinha iria obter um submarino nuclear, “recheando” a carcaça incompleta do navio classe TR-1700 Santa Fé, mesmo tipo do San Juan, com um reator compacto a ser produzido pela companhia argentina de alta tecnologia Invap);
  • O chefe de Gabinete e irmão da ministra, Raúl Garré;
  • O sucessor de Nilda Garré, Arturo Puricelli; e
  • O sucessor de Puricelli e atual líder do bloco parlamentar Kirchnerista na Câmara dos Deputados, Agustín Rossi.

Carrió os acusa de (a) administração fraudulenta em prejuízo da Administração Pública, (b) recebimento de propinas, (c) tráfico de influências, (d) malversação de fundos públicos, (e) peculato, (f) abuso de autoridade e (g) descumprimento dos deveres de funcionário público.

Andrea Magano funcionará como Promotora do caso, que caiu, por sorteio, no gabinete do juiz federal Sergio Torres.

¹Lista dos almirantes argentinos que, segundo o portal de notícias Infobae, teria solicitado transferência para a Reserva:

  • Contra-almirante Eduardo Luis Malchiodi, chefe de Manutenção e de Arsenais;
  • Contra-almirante Gustavo Vignale, comandante da Aviação Naval;
  • Contra-almirante Rafael Gerardo Prieto, comandante da Frota de Mar (Esquadra); e
  • Contra-almirante Bernardo Noziglia, Comandante da Infantaria de Marinha (Fuzileiros Navais).
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