A tragédia do ARA San Juan: o que esperar do almirante FN que assumiu a Armada Argentina?
Por Roberto Lopes
Especial para o Poder Naval
O que esperar do vice-almirante (FN) José Luis Villán, que no último dia 19, aos 57 anos de idade, assumiu interinamente o comando da Armada Argentina?
Ex-Adido Naval em Brasília e combatente anfíbio com formação no U.S. Marine Corps, Villán era, até o início da terceira semana deste mês, o subchefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas Argentinas – órgão que o atual ministro da Defesa, Oscar Aguad, pretende prestigiar da melhor forma possível, como forma de evitar uma rotina de desgaste tratando, pessoalmente, dos problemas de cada uma das Forças Armadas.
Aguad julga ter outras preocupações mais importantes, que esse varejo do dia-a-dia.
Seu objetivo maior é… economizar!
Ele tem como meta unificar serviços militares e, assim, otimizar gastos. Mas algumas teses que esgrime são polêmicas, e verbalizadas sempre de forma a causar conflitos internos…
Por exemplo, irritado com a reação negativa da Força Aérea Argentina (FAA) à aquisição, pela Marinha, de cinco caças navais franceses de 2ª mão, ele já disse que nas Forças Armadas Argentinas não há espaço para “duas aviações” – o que deixou os responsáveis pela Aviação do Exército de cabelos em pé…
O ministro também revelou, em um programa de rádio, que o submarino ARA San Juan tinha uma programação para navegar, este ano, por 30 horas, e que seu estado material era tão bom que, antes de naufragar, já havia operado por 50 horas… Claro, um lapso que o fez trocar a palavra dias por horas…
Desafios – Aos 67 anos de idade, Aguad é um político de estilo duro, arrogante, mas a verdade é que ele será apenas um dos problemas do almirante Villán.
O novo chefe da Marinha tem, como primeira missão, manter um mínimo de união entre o grupo de chefes navais que, no rastro da substituição de seu antecessor, Marcelo Hipólito Srur, está deixando a ativa, e a turma de almirantes e oficiais superiores que alcançou o oficialato após a derrota argentina nas Malvinas.
Os que estão saindo com Srur são acusados de terem sido coniventes com o recente rosário de humilhações e tragédias na Flota de Mar (Esquadra).
Casos que incluem o enguiço da corveta Espora na África do Sul, em 2012; o tombamento do destróier Tipo 42 Santísima Trinidad nas águas da Base de Puerto Belgrano – enquanto se encontrava amarrada a um cais –, em janeiro de 2013; e, por último, o chocante desaparecimento do ARA San Juan, embarcação que, segundo as informações que alcançaram a imprensa, operava com uma série de defeitos e limitações diagnosticadas pela própria Marinha em dezembro do ano passado.
José Luis Villán precisará lidar ainda com um rol infindável de outros assuntos, onde pontificam não apenas a investigação das causas da perda do San Juan, mas também o estado de obsolescência da própria Esquadra, aguilhoada pela falta de assistência técnica para os seus navios (por motivos financeiros e políticos).
Além disso, a chamada Flota de Mar exibe uma série de lacunas relevantes, como (a) a ausência de uma plataforma de grandes dimensões para a operação das suas aeronaves, (b) a falta de navios-doca para o uso dos Infantes de Marinha, (c) a inexistência de uma força de embarcações de contramedidas de minagem, e (d) o uso de viaturas anfíbias completamente obsoletas (que figuram com destaque nas fotos da ocupação de Port Stanley pela Marinha Argentina, em abril de 1982. Lá se vão mais de 35 anos…).
Outro exemplo: os argentinos tem poucos helicópteros navais, e nenhum deles ostenta tecnologia atualizada.
Apesar dos apelos feitos por autoridades de Buenos Aires diretamente ao vice-presidente dos Estados Unidos – e presidente do Senado americano –, Mike Pence, a Marinha americana, neste segundo semestre, recusou-se a transferir aos argentinos o velho navio-doca USS Ponce. Preferiu mandá-lo ao desmanche.
Tudo em função da desconfiança que as Forças Armadas Argentinas ainda despertam no governo de Londres e, especialmente, nos súditos britânicos das Falkland Islands – que os argentinos e o resto da América Latina preferem tratar por Ilhas Malvinas.
Emoção – A 18 de novembro passado, quando a notícia da perda de contato do Comando da Força de Submarinos Argentina com o ARA San Juan completava seu terceiro dia, o ex-ministro da Marinha – e Decano dos Submarinistas Brasileiros, almirante Alfredo Karam, de 91 anos – chamou ao telefone o atual comandante da Força de Submarinos da Esquadra Brasileira (ForSub), contra-almirante Alan Guimarães Azevedo.
“Eu propus a ele que a Força realizasse uma missa em memória da tripulação argentina”, contou Karam à reportagem do Poder Naval. “Combinamos que ele levaria a ideia aos superiores da área Rio e eu consultaria o Comandante da Marinha. E assim foi feito”.
A missa aconteceu quase um mês depois dessa conversa, na terça 19 de dezembro.
Ao lado de dois ex-ministros e dois ex-Comandantes da Marinha do Brasil, estiveram o Comandante de Operações Navais, Almirante de Esquadra Sergio Roberto Fernandes dos Santos, e o ex-Comandante da Marinha Argentina, almirante de esquadra Ramón Antonio Arosa, acompanhado do cônsul-geral argentino no Rio e de dois oficiais da ativa de sua Armada.
A cerimônia religiosa foi celebrada pelo capitão de fragata (CN) Odécio Lima de Souza, na praça Almirante Julio Hess, diante do prédio do Comando da Força de Submarinos, sob a benção da Nossa Senhora Stella Maris, cuja imagem foi oferecida pela Armada Argentina à Escola Naval brasileira, em 1951.
Primeiro comandante da Força Naval Argentina após a derrota nas Malvinas – ou primeiro comandante da Força após a Redemocratização do país, em 1983 –, Arosa, de 86 anos (que costuma repartir seu tempo entre a Argentina e o Brasil), pareceu aos participantes da missa, verdadeiramente emocionado. E todos entenderam porquê.
Era ele o comandante da Armada Argentina, a 19 de novembro de 1985, quando sua Força recebeu o moderníssimo submarino oceânico de ataque ARA San Juan, de construção alemã – àquela altura considerado o maior e mais sofisticado submersível convencional sul-americano.
Delegação – Na América do Sul, a solidariedade dos submarinistas à tragédia do ARA San Juan materializou-se de muitas formas, que incluíram diferentes tipos de mensagens, e atos religiosos. Manifestações que aconteceram no Brasil, mas também na Colômbia, no Equador, no Peru e no Chile.
Curiosamente, uma das que mais comoveu os militares argentinos foi a da pequena e inexpressiva Marinha Paraguaia.
A 27 de novembro último, três dias depois de mandar rezar uma missa, em Assunção, pela alma dos tripulantes do ARA San Juan, a Marinha do Paraguai, mesmo sem possuir uma Arma Submarina, despachou para a capital argentina uma delegação de quatro militares, chefiada pelo Comandante da Flota de Guerra, contra-almirante Juan Ramón Velazquez Fretes, e integrada pela Tenente Magali Caballero, pelo Suboficial Intendente Cesar Krause Mieres e pela Suboficial Adriana Barrientos.
Aos militares argentinos que se mostraram naturalmente intrigados com uma delegação formada por um alto chefe naval e três subalternos, foi explicado que aqueles visitantes representavam todas os círculos hierárquicos do pessoal da Marinha Paraguaia.
Os paraguaios foram recebidos sem formalidades ou cobertura de imprensa, mas em um ambiente de fraternidade evidente, pelo Secretário-Geral da Armada Argentina, contra-almirante Jorge Lorenzo Cisneros.