F40 aos Quarenta – última parte
Entrevista com o capitão de fragata Daniel Américo Rosa Menezes, comandante da ‘Niterói’ durante nosso embarque em dezembro de 2012
Forças de Defesa – Fazendo um resumo do início da carreira do senhor, como foi entrar para a Marinha?
Capitão de fragata Daniel Américo Rosa Menezes – Eu entrei para a Marinha pelo Colégio Naval em 1985, mas antes disso eu frequentei o Colégio Militar do Rio de Janeiro, pois meu pai já era da Marinha. Minha formatura na Escola Naval foi em 1991 e, no ano seguinte, fiz a viagem de instrução. No final de 1992 eu embarquei no NAeL Minas Gerais e por lá fiquei dois anos atuando no Grupo de Comunicações do Departamento de Operações. Na parte operativa eu guarnecia o CIC (Centro de Informações de Combate) do navio e peguei o início da implantação do SICONTA Mk.1 (Sistema de Controle de Dados Táticos Navais). Quando eu saí o sistema de combate já estava todo instalado e, naquela época, eu cheguei a fazer algumas viagens com os sensores novos. Foi um período bastante operativo, em que fomos três vezes para o exterior, sendo duas para a Argentina (exercícios ARAEX I e II) e uma para o Caribe (CARIBEX).
Ao final de 1994, desembarquei do NAeL para cursar aperfeiçoamento em eletrônica e, posteriormente, fui transferido para o Grupamento de Patrulha Naval do Nordeste, em Natal. Embarquei no navio-patrulha Guaíba (P41) que, naquela época, era um navio novo. Cheguei como oficial encarregado do convés e, dois anos depois, passei para imediato do navio. No final do meu período como imediato no Guaíba fui designado para ser comandante do navio-patrulha Graúna (P42), meu primeiro comando.
FD – O senhor acredita que ficar um ano no comando de um navio pela primeira vez seja pouco?
Comandante Daniel – É claro que o comandante sempre acha pouco, pois o exercício do comando é uma realização. A gente aprende tanto a cada dia que, ao final de um ano, quando se sente nas melhores condições de dar seguimento ao trabalho, é quando se tem que passar o comando para outro. Mas também temos consciência de que o comando faz parte da formação, e que outros oficiais também devem ter esta oportunidade. Se cada comandante permanecesse dois anos no comando o número de oficiais com aquele treinamento cairia pela metade. Portanto, embora fosse um desejo pessoal comandar um navio-patrulha por dois anos, não me parece algo positivo, pois outros militares precisam ter esta experiência.
Depois que deixei o Graúna, retornei ao Rio de Janeiro, pois tinha o desejo de embarcar em uma fragata. Fui para o 1º Esquadrão de Escoltas, ao qual as fragatas classe “Niterói” e as corvetas classe “Inhaúma” estavam subordinadas. Era o período do ModFrag e o pessoal do esquadrão embarcava bastante. Deixei o esquadrão e fui para o Comando de Operações Navais (CON), na subchefia de operações. Posteriormente, segui para São Pedro da Aldeia para trabalhar para a Força Aeronaval, onde passei quase dois anos. De lá fui designado delegado da Capitania dos Portos em Uruguaiana e em seguida, em 2008, fiz a Escola de Guerra Naval (EGN). Permaneci lá como instrutor por um ano.
Depois fui cursar Escola de Guerra na França. Eram 72 países representados por diferentes oficiais de diferentes forças. Foi uma experiência muito rica, tanto pela visão das diferentes forças como pelo convívio conjunto. No meu grupo eram cinco estrangeiros, incluindo eu, e outros doze franceses. Foi uma oportunidade de fazer um curso de Estado-Maior dentro de um país membro da OTAN. Ao final, pude realizar uma monografia.
FD – Como foi este privilégio de ser escolhido para comandar a Niterói?
Comandante Daniel – Quando voltei para o Brasil, em agosto de 2011, eu já estava designado para o comando da Niterói. Passei inicialmente algum tempo na EGN como instrutor até concluir o curso de atualização de comandante, fornecido pelo CAAML (Centro de Adestramento Almirante Marques de Leão), onde os comandantes que estão voltando são atualizados sobre o que está acontecendo na Esquadra.
Embarquei na Niterói em janeiro de 2012. Tive a oportunidade de fazer a ASPIRANTEX daquele ano junto com o então comandante e, por ser uma comissão longa, tive a chance de conviver com ele por praticamente um mês, o que não é comum na Esquadra.
Ser comandante da Niterói tem sido um privilégio. Um dos pontos ou talvez o ponto mais alto da carreira é comandar um navio desta complexidade. Temos muito orgulho da Niterói. Em breve ela será mais velha do que os seus futuros comandantes, mas o nível de operacionalidade, bem como a forma como as pessoas tratam o navio, são de dar orgulho. Quem vem aqui pode constatar isso.
FD – Falando em operacionalidade, como está o navio hoje para enfrentar uma missão no exterior?
Comandante Daniel – O navio está operando bastante atualmente. Para se ter idéia, nós fecharemos o ano de 2012 (nota do editor: nosso embarque no navio foi realizado em 19 de dezembro de 2012) com cerca de 130 dias de mar, o que representa muita coisa mesmo se compararmos com a época em que essas fragatas eram recém-compradas. É uma marca significativa. Mas, considerando o planejamento de ciclo operativo, ela está no final desse período, devendo ser o próximo navio da classe a passar por PMG (Período de Manutenção Geral). E, por esse motivo, ela seria o navio menos indicado para fazer uma longa temporada fora. Por outro lado, os navios que participaram recentemente de comissões de longa duração, como a União e a Liberal que foram para o Mar Mediterrâneo apoiar a UNIFIL-FTM, tinham acabado de passar por PMG. Ou seja, a Niterói só fará comissões de longa duração após passar por PMG, o que deve ocorrer no final de 2013, dependendo do andamento dos trabalhos da Independência e da Defensora.
FD – O senhor estará a bordo no período de PMG da Niterói?
Comandante Daniel – Como disse anteriormente, isto ainda depende de alguns fatores. É provável que a Niterói entre em PMG ao final do meu comando, mas já estou preparando o mesmo para que ele possa ocorrer da melhor forma possível. Se o PMG realmente ocorrer como programado, devo pegar somente o início.
FD – Com relação a testes de tiro real, foram feitos alguns em tempos recentes?
Comandante Daniel – Este ano nós fizemos apoio de fogo naval em Alcatrazes com a Esquadra e também fizemos exercício de tiro no mar com alvos flutuantes utilizando o canhão de 4,5 polegadas e os dois de 40mm. Hoje, em Alcatrazes, há uma série de acompanhamentos que são feitos pelos órgãos ambientais, definindo períodos de treino e parâmetros de controle, garantindo que não ocorra dano ambiental.
FD – O navio era uma unidade especializada em guerra antissubmarina (ASW) antes da modernização e agora é um navio de emprego geral. O sonar de casco foi trocado e o navio perdeu o VDS. Com seu atual equipamento ASW ele é capaz de fazer frente às ameaças mais modernas?
Comandante Daniel – O navio foi construído com a ênfase na guerra antissubmarino quando a estratégia da Marinha ainda era totalmente voltada para este tipo de ameaça. Na época, nós vivíamos a Guerra Fria e o papel da Marinha do Brasil no Atlântico Sul era proteger o tráfego marítimo dos submarinos soviéticos. Durante a modernização dos navios da classe “Niterói”, a concepção estratégica já havia mudado. E mudado de uma maneira que nós já não conseguíamos definir tão bem as ameaças. Então a Marinha do Brasil seguiu basicamente o que as demais marinhas do Ocidente fizeram: ter navios que possam cobrir uma gama de missões o mais ampla possível. Logicamente, isso envolve compromisso. O tamanho é limitado assim como o orçamento, de modo que temos que abrir mão de algo aqui para ter outra coisa ali. Ou seja, fazer escolhas nas capacidades operacionais. De fato, o navio perdeu o seu VDS, mas implantamos um sonar de casco moderno dentro do que a Marinha poderia obter.
FD – Como está a operacionalidade do sonar de casco hoje, mesmo após aquele encalhe ocorrido em 2010 ao largo de Cabo Frio?
Comandante Daniel – O navio sofreu aquele acidente, porém, na época, foram trocados os transdutores e não há nenhuma consequência daquele evento. Alguns equipamentos da Defensora foram passados para a Niterói, e a Defensora está recebendo agora os equipamentos durante o seu atual PMG.
FD – Em relação à defesa antiaérea, o radar RAN 20 possui desempenho satisfatório?
Comandante Daniel – Quando o RAN 20 foi instalado aqui, era um equipamento muito novo, que sofreu dificuldades de ajustes para ser integrado ao sistema. Hoje podemos dizer que o RAN 20, embora não seja o mais avançado radar do mundo, está dentro dos requisitos que a Marinha pode se dotar atualmente. É um equipamento confiável cujos índices de avarias são baixíssimos. As dúvidas que se tinham na época foram solucionadas.
FD – O sistema Aspide/Albatros é um sistema confiável?
Comandante Daniel – O Aspide é um sistema que tem a sua qualidade reconhecida. Qual seria a nossa dificuldade, que na verdade é a dificuldade de todo mundo? Trata-se de um sistema caro para se usar no dia-a-dia. A manutenção não é cara, mas o lançamento de um míssil custa muito dinheiro e não temos como fazê-lo a toda hora. Se fosse uma Marinha rica ou que produzisse seus próprios mísseis, talvez tivéssemos condições de realizar mais lançamentos para adestrar nossas tripulações, bem como aferir a confiabilidade do equipamento.
FD – Quanto tempo o navio pode permanecer no mar sem qualquer tipo de apoio?
Comandante Daniel – Como já foi amplamente divulgado e é de conhecimento geral, o navio tem capacidade para permanecer no mar por 30 dias. Esse tempo pode ser alongado com logística, ou seja, reabastecimento no mar e também em função do regime de velocidade. Em altas velocidades é natural que o consumo aumente.
FD – Qual o estado das turbinas da Niterói hoje?
Comandante Daniel – A Niterói é hoje o único navio que não está com todas as turbinas. Nós estamos com uma turbina nova e com pouquíssimas horas, mas que se encontra em manutenção não por causa dela, e sim por um problema no mancal. Trata-se de um reparo menor. Na outra turbina, demos o azar de ter uma avaria no motor de arranque. Mas isso tudo já estará regularizado até fevereiro de 2013.
FD – Para substituir a classe “Niterói”, quais características o senhor considera importantes nas futuras escoltas da Marinha do Brasil?
Comandante Daniel – Claro que, como comandante, a gente sempre quer ter o máximo. Mas na minha humilde opinião o caminho do Brasil deve ser o de seguir as potências médias, principalmente as europeias. Pelo que já foi amplamente divulgado pela Marinha, ela usou como referência alguns projetos já largamente conhecidos no mercado, sendo navios multimissão, maiores do que as escoltas atualmente existentes no Brasil, e que permitem um acompanhamento da evolução, que se dá de forma muito rápida.
Quase 25 anos depois, a volta a bordo da fragata ‘Niterói’
As fotos acima mostram o editor-chefe da revista Forças de Defesa e do site Poder Naval, Alexandre Galante, em dois momentos distintos a bordo da fragata Niterói: a primeira, em dezembro de 2012, antes da decolagem para as fotos da reportagem, e, a segunda, em junho de 1988, quando fazia parte da equipe de manobra e “crash” do navio, que era responsável pela hangaragem, lançamento e recolhimento do helicóptero orgânico Westland Lynx.
Galante serviu à Marinha por quatro anos, dos quais quase dois anos a bordo da Niterói.
No período em que ficou embarcado, participou de diversas operações navais, inclusive com marinhas estrangeiras, com destaque para a TOPEX em 1987, com o navio-aeródromo nuclear USS Nimitz e o cruzador nuclear USS California.
A volta a bordo da fragata Niterói, quase 25 anos depois, foi cercada de grande emoção. O editor de Forças de Defesa foi homenageado pelos oficiais do navio na praça d’armas e convidado a puxar o brado (grito de guerra) da “Pioneira”.
Agradecimentos
Agradecemos ao comandante da Niterói, capitão de fragata Daniel Américo Rosa Menezes, ao imediato, capitão de fragata Antonio Braz, e tripulação do navio pela recepção e todo apoio que recebemos para a produção dessa reportagem.
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