por Guilherme Poggio e Fernando “Nunão” De Martini

As baterias de um submarino convencional são elementos fundamentais para o seu funcionamento. Sem elas um submarino convencional perde a capacidade de navegar abaixo da cota periscópica e, por consequência, sua grande vantagem tática. As baterias também são componentes que, rotineiramente, devem ser substituídos, pois o tempo e o uso degradam sua capacidade (qualquer pessoa que tenha um telefone celular sabe muito bem disso). Em geral, isso se dá a cada sete ou oito anos de operação de um submarino.

Os submarinos do tipo Scorpene (modelo base do programa S-BR) possuem dois compartimentos de baterias que se localizam na proa e na popa, no convés inferior (ver detalhes em verde imagem abaixo) e pouco diferem do arranjo dos IKL.

A Marinha colocou a nacionalização das novas baterias utilizadas no Scorpene como uma de suas prioridades. E não é de hoje que a Marinha se preocupa com a independência no suprimento de baterias. Nos últimos trinta anos ela procurou manter pelo menos um fornecedor nacional deste importante insumo, desde que passou a construir seus submarinos. E mesmo antes disso precisou recorrer ao parque industrial brasileiro, mesmo quando este ainda era pouco desenvolvido, para substituir baterias devido à impossibilidade de importá-las, como foi o caso durante a Segunda Guerra Mundial.

Até a década passada a empresa paulista Saturnia atuava como única fornecedora nacional de baterias para submarinos da Marinha do Brasil, como consequência do programa de construção no Brasil de submarinos IKL 209. Em média, a demanda anual da empresa era de um conjunto de baterias de submarino por ano, levando em conta tanto as necessidades dos que eram construídos quanto dos que chegavam à época de substituir seus conjuntos. Ela havia sido selecionada como empresa parceira do Programa Prosub para receber transferência de tecnologia na área de baterias dos novos submarinos.

Mas a empresa possui uma história tumultuada e no começo deste século ela estava sob o controle da multinacional norte-americana Eaton. No final do ano de 2006 ela foi vendida para o grupo carioca ALTM (embora permanecesse com a sua unidade fabril na cidade paulista de Sorocaba). Porém, a empresa acabou fechando as portas em 2011.

Sem a sua tradicional fornecedora de baterias os gerentes do Prosub passaram a buscar nova alternativa nacional. Inicialmente foi selecionada a Exide do Brasil, que se associou à companhia paranaense Rondopar (da cidade de Londrina), fabricante de baterias automotivas.

A Exide é uma empresa com longa tradição na fabricação de baterias para submarinos, possuindo quase um século de experiência nessa área. Além de produzir baterias para submarinos classe Scorpene ela também produz ou produziu baterias para muitos outros tipos de submarinos convencionais e nucleares. Entre eles estão submarinos de origem russa/soviética (como as classes Foxtrot (Project 641), Romeo (Project 633), Kilo (Project 877), Improved Kilo (Projetc 636) e Amur), de origem alemã (Tipo 205, 206, 209, 212, TR 1700 e Dolphin) de origem francesa (Agosta, Daphne, Redoutable, Rubis e Triomphant), de origem holandesa (Walrus), de origem sueca (Näcken, Västergötland, Gotland) e de origem norueguesa (classe Ula). A filial indiana da Exide, por exemlo, supre a Marinha Indiana com todas as baterias para os seus submarinos (incluindo os Scorpene) e ainda exporta para outros países.

A ideia era transferir conhecimento e tecnologia da Exide da Alemanha para a brasileira Rondopar. Esta transferência se daria em etapas e a nacionalização aumentaria conforme os submarinos fossem sendo construídos. Inicialmente o S-BR 1 receberia um conjunto de baterias totalmente importado da Exide alemã. Para o S-BR 2 a nacionalização dos componentes seria de 30% e no S-BR 3 de 60%. No último navio (S-BR 4) a nacionalização da bateria seria de 100%.

No entanto, a grave crise econômica que afetou o país a partir do ano de 2015 fez com que a matriz da Exide nos Estados Unidos decidisse por cancelar sua participação no Prosub. E assim, por decisão unilateral da companhia, a Marinha perdeu um fornecedor nacional qualificado.

Felizmente o parque industrial brasileiro, embora tenha sofrido muito neste século, é bastante diversificado e apresenta múltiplas opções em alguns segmentos. Sendo assim a Marinha acabou escolhendo a empresa paulista Newpower para desenvolver e fornecer baterias para o programa Prosub.

A Newpower é uma empresa totalmente nacional que se estabeleceu na cidade de Guarulhos há mais de 50 anos. Inicialmente a empresa focou no mercado de baterias automotivas, mas posteriormente migrou para o mercado de baterias industriais. Atualmente ela projeta e fabrica baterias estacionárias e tracionárias. Estas últimas são as empregadas em submarinos.

A Newpower acabou por comprar alguns equipamentos da massa falida da Saturnia, além de incorporar em seu quadro de pessoal determinados técnicos que lá trabalhavam. Hoje ela fornece baterias para os submarinos tipo IKL (classe Tupi) e já possui contrato com outra marinha da América do Sul para fornecer baterias semelhantes.

Em função do seu know-how na área ela entrou em acordo com a Marinha do Brasil para desenvolver baterias totalmente novas para os submarinos tipo S-BR. Atualmente ela já produziu um lote com cerca de uma dúzia de elementos de bateria que estão sendo submetidos a rigorosos testes (alguns deles já concluídos com sucesso). Diante dos primeiros resultados a Marinha está muito confiante no produto final.

No entanto, para que o cronograma de construção dos submarinos não sofresse mais atrasos a Marinha decidiu equipar além do primeiro S-BR 1, também o segundo S-BR 2 com baterias importadas diretamente da unidade da Exide da Alemanha (a proposta inicial era equipar apenas o S-BR 1 com baterias importadas). A conclusão dos testes e a certificação da bateria nacional deverão  ocorrer a tempo de instalar as mesmas nas unidades S-BR 3 e S-BR 4.

Deve-se lembrar de que o esforço para projetar e construir uma bateria nacional não se resumirá a esta encomenda apenas. Espera-se que a Newpower continue a ser fornecedora de baterias para os submarinos tipo IKL e, no médio prazo, fornecedora de baterias para os S-BR quando chegar a hora de substituir as que serão instaladas nos submarinos em construção. Assim como fez no caso da bateria para os IKL a empresa espera buscar mercados externos para esse seu novo produto.

É interessante observar que a Exide, ao decidir não participar do projeto de nacionalização, acabou por germinar um concorrente de peso para ela no restrito mercado mundial de baterias de submarinos.

Subscribe
Notify of
guest

115 Comentários
oldest
newest most voted
Inline Feedbacks
View all comments