Nacionalização no Prosub – fabricação do casco resistente
Por Guilherme Poggio
A década de 1980 foi importante para a Força de Submarinos, pois ela marcou o início da fase em que o Brasil deu partida na busca de sua autossuficiência para projetar e construir a sofisticada arma de guerra naval que é o submarino.
Naquela década, o contrato assinado com o estaleiro alemão HDW iniciou a capacitação técnica brasileira para a construção do primeiro submarino no Brasil. Fruto desse contrato, que estabelecia a construção de um submarino IKL 209 na Alemanha e os demais no Brasil, engenheiros e técnicos de diversos setores realizaram estágios no estaleiro alemão. A Nuclep, empresa brasileira que fabrica estruturas pesadas, qualificou-se para produzir a maior parte das seções do casco resistente dos submarinos (ou casco de pressão, pois é o que resiste à diferença entre a pressão do mar externa e a pressão atmosférica interna).
Porém, algumas importantes partes foram importadas diretamente da Alemanha. Dentre estas estavam as chamadas “calotas”. Calotas são peças metálicas com superfícies curvas que compõem as extremidades do casco resistente.
Ao contrário das seções que foram produzidas pela Nuclep para os submarinos IKL 209 da Marinha, as calotas necessitam de maquinário específico e qualificação de mão de obra diferenciada. Obviamente que tudo isso implica em aumento de custos.
Como o contrato de construção dos submarinos com a Alemanha foi assinado numa época de grave crise econômica, o programa sofreu limitações orçamentárias e muitas etapas da construção do casco resistente não puderam ser nacionalizadas. As calotas eram algumas dessas estruturas que não foram nacionalizadas.
Com o Prosub (Programa de Construção de Submarinos) a Marinha quis dar um passo à frente. Além de produzir novamente as seções circulares no Brasil (refazendo a antiga parceria com a Nuclep), ela buscou a nacionalização da produção das calotas e outras estruturas do navio. Ou seja, desta vez o domínio completo do processo fabril do casco tornou-se a meta da instituição.
Prensa hidráulica
Para a produção das calotas a Marinha teve que adquirir um equipamento especialmente desenvolvido para este fim. Trata-se de uma prensa hidráulica de grandes dimensões. O projeto da prensa e a sua fabricação ficou por conta da empresa Prensas Schuler, subsidiária da Schuler alemã e localizada na cidade de Diadema (SP). É importante destacar que o projeto da prensa contou com o know-how brasileiro desta empresa que possui mais de 50 anos de Brasil.
A prensa hidráulica com capacidade para 80.000 Kn de força de prensagem foi desenvolvida especialmente para o dobramento de chapas de aço especiais com 100 mm de espessura ou mais. Ela possui dois cilindros de 40.000 Kn acionados por um sistema hidráulico e elétrico especial e circuitos servo-comandados. O reservatório de fluido hidráulico armazena 14.000 litros e está localizado no cabeçote dela.
Não bastava apenas adquirir os equipamentos corretos. Era preciso dominar a técnica para dobrar as chapas. Para esta etapa técnicos e engenheiros brasileiros da empresa Itaguaí Construções Navais (ICN), uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) criada pela CNO e pela DCNS (atualmente Naval Group) para construir os quatro submarinos convencionais e o nuclear do PROSUB, foram enviados à França. Nas instalações de Cherbourg, onde o Naval Group constrói seus submarinosos profissionais brasileiros foram treinados no processo “on-the-job-training” (OJT), acompanhando a fabricação das calotas do SBR 1.
Por questões físicas, logísticas e organizacionais a prensa hidráulica foi instalada no terreno da Nuclep, embora seja propriedade da Marinha. A Nuclep não detém a tecnologia de fabricação de calotas. Apenas o pessoal da ICN possui esta qualificação. Desta maneira, toda a fabricação do casco resistente ficou concentrada na Nuclep, cabendo à UFEM (Unidade de Fabricação de Estruturas Metálicas) apenas a fabricação das chamadas “estruturas leves”, além de de outras atividades fundamentais (em breve publicaremos matéria exclusiva sobre a UFEM e mais detalhes sobre os trabalhos ali desenvolvidos).
As duas principais peças produzidas pela prensa hidráulica de 80.000 Kn são as calotas de vante e de ré. Em linguagem simples elas representam a tampa de proa e de popa do cilindro que é o casco de pressão do submarino. Mas estas não são as únicas calotas que existem num submarino.
Todo casco de pressão possui apêndices, que são estruturas colocadas nas aberturas deste casco. Os apêndices incluem mastro penetrante (periscópio de ataque), tubos lança-torpedos (TLP), escotilha de resgate e outros. Em alguns destes apêndices existe a necessidade da fabricação de calotas. Este é o caso da escotilha de escape de emergência, que pudemos fotografar na UFEM (ver foto abaixo). A peça possui calotas nas duas extremidades onde futuramente serão instaladas escotilhas para operações de resgate ou embarque e desembarque de mergulhadores de combate (MEC) com o submarino submerso.
TLP
Outro item que mereceu atenção da Marinha foi a nacionalização dos TLP (tubos lança-torpedos). Cada SBR possuirá seis TLP que, como mencionado acima, comporão parte dos apêndices do casco de pressão.
Para receber a tecnologia de construção dos TLP a Marinha selecionou a Bardella S.A. Indústrias Mecânicas. A Bardella é uma empresa nacional que atua no setor de bens de capital (máquinas e equipamentos) e mais de cem anos de existência, tendo contribuído com o crescimento e desenvolvimento do país durante todo esse tempo.
Mas a grave crise econômica que atingiu o Brasil a partir de 2015 afetou a empresa diretamente. A queda na produção e os problemas financeiros começaram naquele ano e se agravaram em 2016. Em 2017 a receita líquida da empresa foi 48% inferior à receita do ano anterior. Diante da situação financeira precária da empresa ela não poderá atender a Marinha.
Para que o processo de construção dos SBR não sofresse novos atrasos a gerência do programa tomou a decisão de importar os TLP diretamente da França para todos os quatro submarinos convencionais (e não só para o SBR como era inicialmente previsto). Em relação ao SNBR esta questão está em aberto (construir aqui ou importar).
Mas a Bardella não estava envolvida apenas no processo de construção dos TLP. Ela também estava encarregada de receber tecnologia para nacionalizar o sistema de movimentação de armas, cuja intenção era de produzir o sistema para os SBR 3 e 4.
O caso da Bardella exemplifica apenas uma das várias dificuldades do processo de nacionalização. Como muitas das encomendas das Forças Armadas são de pequeno volume, a maioria dessas empresas privadas necessita de um mercado civil interno ou de exportação para sobreviverem.
O problema é a falta de um ambiente de negócios favorável no país, onde os ciclos econômicos não sejam tão agudos e não afetem profundamente as empresas. A FAB conheceu bem esse problema na época de nacionalização de componentes para o programa AMX. Alguns dos fornecedores nacionais que receberam transferência de tecnologia simplesmente não conseguiram sobreviver diante das sucessivas crises econômicas e afetaram o suprimento de componentes para a frota.