Com o final da Guerra Fria em 1991, a Marinha do Brasil teve que adequar seu planejamento à nova realidade estratégica mundial.

A ameaça submarina soviética desapareceu e os Estados Unidos da América como única super potência passaram a ter um grau maior de liberdade em sua política externa. As Marinhas da OTAN começaram uma redução gradual do número de navios para alcançar o “dividendo de paz” de seus governos.

Na América do Sul, a Armada Argentina teve seu poder naval cada vez mais reduzido pelas contínuas crises econômicas do país.

A situação estratégica após o fim da Guerra Fria foi muito bem sintetizada pelo almirante Mario César Flores, na exposição “A Marinha no Cenário Brasileiro Atual”, de 15 de maio de 1992:

“A Marinha se manteve nos últimos cinco decênios fiel à experiência da 2ª Guerra Mundial, centrada na proteção antissubmarino do tráfego costeiro, experiência continuada pela ameaça potencial soviética, muito viva no pensamento dos anos 50, 60 e início dos anos 70.

Com o passar do tempo, ganhou corpo o sentimento de que as concepções decorrentes da experiência da 2ª Guerra e da Guerra Fria já não bastavam.

O colapso da União Soviética e a implausabilidade da hipótese de guerra clássica na América do Sul sugerem ser diminuta a probabilidade de campanhas como as do passado.

Sugerem, portanto, menor necessidade de navios antissubmarino, espinha dorsal da Marinha do Brasil há 50 anos.

Hoje parece mais razoável enfatizar genericamente a defesa da fronteira marítima, cuja operacionalização exige bons submarinos (daí a importância que atribuímos à propulsão nuclear).

Ela comporta também alguma utilidade aos navios que dominaram a ótica anterior, os navios escolta, que são, aliás, os que melhor atendem eventual cooperação brasileira em patrulha e bloqueio para o controle da ordem marítima em áreas conflitadas – hipótese que o Brasil não pode ignorar.”

Diante do exposto, a Marinha do Brasil continuou dando andamento ao seu programa de construção naval, conforme os recursos disponíveis, que foram reduzidos drasticamente ao longo dos anos.

O quadro abaixo mostra a diminuição da participação do orçamento da Marinha no orçamento da União, de 1970 a 1996:

Exercício Orçamento Exercício Orçamento
1970 4,65% 1984 2,49%
1971 5,72% 1985 2,4%
1972 5,1% 1986 2,09%
1973 4,4% 1987 2,76%
1974 3,5% 1988 1,79%
1975 2,85% 1989 2,32%
1976 2,97% 1990 0,61%
1977 2,94% 1991 1,03%
1978 2,98% 1992 0,8%
1979 2,85% 1993 0,49%
1980 2,2% 1994 0,52%
1981 2,03% 1995 0,71%
1982 2,4% 1996 0,4%
1983 2,47% Fonte: Ministério da Marinha

 

Construção das corvetas e compras de oportunidade

As quatro corvetas classe Inhaúma operando juntas
As quatro corvetas classe Inhaúma operando juntas, em meados dos anos 90

A construção das novas corvetas classe “Inhaúma”, destinadas a substituir os contratorpedeiros de procedência americana da época da Segunda Guerra Mundial, de um planejamento inicial de 16 navios, reduzido depois para 12, acabou com apenas quatro unidades construídas. As Inhaúma entraram em serviço entre 1989 e 1994.

A construção de uma quinta unidade aperfeiçoada, a corveta Barroso, foi iniciada em 21 de dezembro de 1994, seu lançamento ao mar ocorreu em dezembro de 2002, mas sua construção acabou se arrastando até 2008, por causa da escassez de verbas.

Lançamento da corveta Barroso - Foto: DPHDM
Lançamento da corveta Barroso – Foto: DPHDM

Para cobrir a lacuna deixada pela desativação dos antigos contratorpedeiros das classes “Fletcher”, “Allen M. Sumner” e “Gearing” e a reduzida quantidade de novas corvetas, a Marinha do Brasil teve que partir para as compras de oportunidade no exterior.

Foram adquiridas, ainda em 1989, no final da gestão do almirante Henrique Saboia, quatro fragatas classe “Garcia” da Marinha dos EUA, que na MB foram classificadas como contratorpedeiros classe “Pará”, repetindo os nomes dos primeiros contratorpedeiros classe “Fletcher” recebidos pelo Brasil a partir do final dos anos 50.

Os navios da classe “Garcia” eram dotados de um poderoso sonar de casco AN/SQS-26 e lançador de foguetes antissubmarino ASROC. Não foram equipados com mísseis antinavio, mas operavam com o helicóptero Lynx.

O contratorpedeiro Pará (D27), último navio classe “Garcia” a servir a MB, deu baixa em 12 de novembro de 2008.

CT Paraná - D29, da classe Garcia
CT Paraná – D29, da classe Garcia

Mais tarde, na gestão do almirante Ivan da Silveira Serpa (08/10/92 – 01/01/95), foram adquiridas as fragatas Type 22 Batch I de procedência britânica, no lugar de fragatas americanas da classe “Knox”, anteriormente avaliadas.

As fragatas Type 22, conhecidas como classe “Greenhalgh” na MB, eram equipadas com mísseis Exocet MM38 na proa e dois lançadores conteiráveis do míssil antimíssil Seawolf, além da capacidade de operar dois helicópteros Lynx.

A propulsão da classe “Greenhalgh” usa somente turbinas a gás, de alta de de baixa velocidade (COGAG), ao contrário da combinação mais econômica de motores diesel e turbinas (CODOG) da classe “Niterói”.

Dois navios da classe ainda continuam em operação na MB, aguardando substituição.

Fragata Greenhalgh F46
Fragata Greenhalgh F46

Modernização das fragatas classe Niterói – Programa ModFrag

A necessidade de atualização dos sistemas de bordo das fragatas classe Niterói (Vosper Mk 10) surgiu já na segunda metade da década de 80, antes mesmo que a primeira embarcação da classe completasse dez anos de serviço. Isso ocorreu muito em função da rápida evolução do ambiente de guerra naval ocorrido após a concepção do projeto.

O plano inicial, traçado pela MB no último semestre de 1989, previa a modificação/substituição/modernização dos seguintes itens:

  • Substituição do sistema de defesa aérea de ponto Sea Cat, por outro sistema de mísseis capaz de engajar alvos tipo “sea-skimmer” (roça-ondas);
  • Substituição dos radares de controle de tiro RTN-10X por um novo modelo compatível com o sistema de mísseis a ser adotado;
  • Melhoramento do sistema de defesa antiaéreo secundário (canhões Bofors 40mm/L70) modernizando-o ou substituindo-o por outro sistema com capacidade anti-míssil;
  • Substituição dos radares de busca combinada (AWS-2) e de navegação (ZW-06);
  • Instalação de sonar tipo towed array nas duas fragatas de Emprego Geral;
  • Modernização do equipamento de medidas de apoio à guerra eletrônica e contra medidas eletrônicas, incluindo a instalação de lançadores tipo chaff e sistema de vigilância infra-vermelho;
  • Modernização do Sistema de Comando & Controle e Informações Táticas.
Fragata Niterói no final dos anos 90, já sem alguns sistemas, em preparação para o Programa ModFrag
Fragata Niterói no final dos anos 90, já sem alguns sistemas, em preparação para o ModFrag

A partir do final da década de 80, várias propostas de modernização de diferentes empresas estrangeiras (Estados Unidos, França, Grã Bretanha, Israel, Itália) foram submetidas à MB.

O calendário inicial previa a conclusão da primeira fase do processo, a seleção da proposta mais atraente, para o ano de 1990. Os serviços poderiam então iniciar em meados de 1991 e terminar por volta de 1995.

Durante a primeira metade da década de 90 o projeto sofreu modificações e atrasos principalmente por ausência de fundos, que foram negados em 1993.

O formato final do projeto ModFrag foi definido ao longo do ano de 1995. Em relação ao projeto original, foram introduzidas novas modificações, resultando numa modernização ampliada. Como efeito, os custos finais sofreram uma elevação, passando de US$ 385 milhões para US$ 420 milhões.

Em março de 1995, a AESN Selenia foi selecionada para o fornecimento dos conjuntos de radares RAN-20S, RTN-30X e os sistemas de mísseis Albatros/Aspide.

Através de um processo seletivo realizado pela MB em 1996, foi definido um consórcio responsável pela atualização e integração dos sistemas de armas e eletrônicos das belonaves. O contrato foi vencido pelo consórcio liderado pela Elebra Sistemas de Defesa e Controle Ltda. em 20 de setembro do mesmo ano. As outras empresas que participam do consórcio foram: Consub Equipamentos e Serviços Ltda.; Dolphin; Holosys Engenharia de Sistemas Ltda (brasileiras) e DCNI (francesa). Coube à Emgepron – Empresa Gerencial de Projetos Navais, a gerência executiva do projeto.

O início efetivo do projeto ModFrag ocorreu em 1º de outubro de 1997 quando a fragata Liberal (F43) foi docada, aproveitando-se do seu PMG – Período de Manutenção Geral. Previa-se um período de trabalho de 21 meses para esse primeiro navio. No entanto, por problemas de integração de sistemas, houve um atraso significativo e os primeiros testes de mar só ocorreram em 2001.

O Programa ModFrag só foi concluído em 2006, com a prontificação da fragata Constituição (F42).

Fragata União
Fragata União na configuração pós-ModFrag

>>> Continua em próximo post…

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