A evolução da estratégia naval brasileira (1991-2018) – parte 2
“Esquadras não se improvisam, e as nações que confiam mais em seus diplomatas do que nos seus marinheiros e soldados estão fadadas ao insucesso. Temos excelentes diplomatas, mas uma esquadra moderna leva mais de dez anos para ser projetada e construída, quando se tem os recursos materiais, financeiros e a tecnologia necessária.” – Ruy Barbosa, em “Cartas de Inglaterra”, correspondência remetida ao Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro, no fim do século XIX
No início da década de 1990, a Marinha do Brasil tinha como capitânia o Navio-Aeródromo Ligeiro Minas Gerais (A11). Adquirido da Inglaterra no final dos anos 50 e modernizado na Holanda antes de ser incorporado à MB em 1960, o Minas operava desde então com helicópteros da Aviação Naval e aviões de patrulha antissubmarino P-16 Tracker da Força Aérea Brasileira.
Enquanto os helicópteros da MB eram constantemente modernizados, como os SH-3 Sea King, que receberam inclusive mísseis Exocet AM39 para missões antinavio, os aviões P-16 da FAB continuavam com equipamentos dos anos 70.
Em 1988, a FAB tinha dado início ao processo de conversão dos P-16 Tracker em S-2T turboélice. A empresa canadense IMP foi selecionada e um exemplar (P-16E 7036) foi enviado ao Canadá para conversão.
De volta ao Brasil já como P-16H turboélice, o 7036 fez testes de pousos e decolagens a bordo do NAeL Minas Gerais em 21 e 22 de março de 1991.
Infelizmente, vários problemas técnicos surgiram e a crônica falta de recursos da FAB levaram ao cancelamento do programa.
Os P-16 da FAB realizaram a última operação a bordo do NAeL Minas Gerais em 13 de agosto de 1996.
A Marinha recupera o direito de operar aeronaves de asa-fixa
Com a desativação dos P-16 Tracker pela FAB, a Marinha trabalhou para recuperar o direito de operar aeronaves de asa-fixa, devido ao decreto de 1965 do Presidente Castelo Branco que determinou a operação cooperativa da FAB e da MB a bordo do NAeL Minas Gerais, para resolver de uma vez por todas a disputa das duas Forças sobre a operação do grupo aéreo embarcado no navio.
Em 1997, o então presidente Fernando Henrique Cardoso autorizou a volta das operações da asa-fixa pela MB.
No mesmo ano, a Marinha decidiu adquirir aeronaves de asa fixa para a bordo do Minas. Acabou fechando negócio com o Kuwait para a transferência de caças A-4 Skyhawk. Esses aviões, adquiridos da Força Aérea do Kuwait, compreendiam 23 células, sendo que deste total, 3 biplaces (TA-4KU) e 20 monoplaces (A-4KU), que vieram com motores adicionais e mais de 200 mísseis ar-ar AIM-9H Sidewinder.
Os A-4KU, designados como AF-1 na Aviação Naval brasileira, chegaram a realizar pousos e decolagens a bordo do NAeL Minas Gerais, mas ficou patente que o navio era lento para a realização de pousos dos jatos com segurança. A Marinha precisava de um novo navio-aeródromo.
A França oferece o PA Foch
A MB vinha estudando há anos o problema da substituição do Navio-Aeródromo Ligeiro Minas Gerais que, mesmo tendo passado por várias modernizações, dificilmente poderia ter sua vida estendida além do ano 2005.
Existiam duas linhas de ação a serem seguidas: a construção de um navio-aeródromo no país (algo que exigiria um investimento de cerca de US$500 milhões na época e levaria cerca de 8 anos para prontificação) ou uma compra de oportunidade, que poderia custar apenas uma fração de um navio novo.
A desativação precoce do porta-aviões francês PA Foch com a entrada em serviço do NAe nuclear Charles De Gaulle na Marinha Francesa, e por outro lado, a intenção da França em alargar ainda mais sua fatia no mercado militar brasileiro, acabaram por convergir os interesses dos dois países na realização de um acordo para a transferência do navio.
Em 6 de abril do ano 2000, um grupo-farefa francês capitaneado pelo NAe Foch fez escala no Rio de Janeiro, já com oficiais da Marinha do Brasil a bordo, os quais embarcaram no navio a convite da França para uma avaliação técnica. Depois de alguns meses de negociações, o Foch foi adquirido pelo Brasil por 88,5 milhões de francos (US$ 12,2 milhões) e finalmente transferido para a Marinha do Brasil em 15 de novembro de 2000, no porto de Brest.
Depois de 16 dias de viagem atravessando o Atlântico vindo de Brest, na França, o navio-aeródromo São Paulo (A12) chegou ao Rio de Janeiro no dia 17 de fevereiro de 2001.
O NAe São Paulo passou então a operar com a Esquadra Brasileira normalmente até o ano 2005 e também realizou manobras conjuntas com a Aviação Naval argentina, embarcando jatos Super Étendard e turboélices S-2T Turbo Tracker.
Em 17 de maio de 2005, navegando ao largo do Rio de Janeiro, houve o rompimento de uma tubulação de vapor da catapulta, que liberou vapor superaquecido junto a um quadro elétrico, operado por militares em serviço.
O vapor que vazou da tubulação provocou a morte de um tripulante e queimaduras em outros onze. Os feridos foram evacuados do navio por helicóptero do Grupo Aéreo e transportado para o Hospital Naval Marcílio Dias.
Depois do acidente, o NAe São Paulo entrou em Período de Manutenção Geral (PMG) e ficou imobilizado para a realização de manutenção corretiva com a preventiva.
Em 30 de outubro de 2007 o navio realizou testes de mar, mas apresentou problemas em um dos eixos. Foi sua primeira saída para prova de maquinas depois de um período de reparos e modernização em importantes sistemas do navio, dentre elas, as turbinas de propulsão e engrenagem redutora do eixo de bombordo, caldeiras, condensadores principais, sistema de geração de energia, equipamentos eletrônicos de detecção e comunicação, pintura do convés de voo, obras estruturais em conveses internos e externos, catapultas, bem como a substituição de cerca de 2.000 m de redes de água, vapor e combustível do navio. Foi a primeira saída do navio, para o mar após o acidente de de 2005.
Em 2008, o NAe São Paulo foi docado pela segunda vez para reparos nas obras vivas, desde sua incorporação.
Em 2009, dando continuidade ao Periodo de Manutenção Geral (PMG), o navio recebeu o Sistema de Processamento de Dados Táticos Navais – SICONTA Mk4.
Em 2010, realizou testes de máquinas dentro da Baia da Guanabara.
Em 2011, voltou a operar somente com os helicópteros da Força Aeronaval.
Em 2012, ocorreu um incêndio na ante-sala de acesso a um dos alojamentos de bordo, onde estavam quatro tripulantes, deixando dois feridos e uma vítima fatal. No final do mesmo ano o navio realizou outra saída de teste de máquinas.
Em 2013, o sistema SICONTA Mk.4 tornou-se operacional, ampliando a capacidade de comando e controle do navio. Foram instalados também novos equipamentos, como um novo radar de navegação e compressores de baixa pressão, recebidas novas viaturas operativas de manobra de aeronaves. Além disso, três novos diesel geradores iniciaram a fase de testes com carga, sob a supervisão da DEN e com o apoio do AMRJ.
Em 2014, foi divulgado o planejamento que visava modernizar o navio com novos sistemas de propulsão e de energia, e repotencializar os sistemas de lançamento e recuperação de aeronaves.
O planejamento previa que o navio-aeródromo São Paulo iniciaria em junho de 2015 o Período de Modernização de Meio (PMM), logo após a conclusão do projeto detalhado de modernização. O PMM duraria cerca de 1.430 dias.
O navio deveria retornar ao Setor Operativo em 2019, permanecendo em operação por mais 20 anos, até 2039. As principais pontos do PMM do NAe São Paulo eram:
- a reforma de seu interior, melhorando significativamente as condições de habitação para sua tripulação;
- substituição de tubulações e fiações;
- implementação de um novo sistema de propulsão, geração e distribuição de energia;
- revitalização das fontes de geração de vapor;
- revitalização geral (com substituição de diversas peças) das duas catapultas, permitindo que ambas lancem aeronaves com até 20,5 toneladas;
- revitalização (com substituição de diversas peças, incluindo os cabos) do aparelho de parada, permitindo o pouso de aeronaves mais pesadas e de alto desempenho;
- revitalização (com substituição de diversas peças) de ambos os elevadores de aeronaves, fazendo com que cada um deles tenha a capacidade superior a 20 toneladas;
- modernização do sistema ótico de pouso;
- modernização dos sistemas de controle de avarias do convoo e do hangar;
- modificações e modernização dos sistemas de tratamento de águas servidas;
- modificações e modernização do sistema de ar condicionado;
- modificações e modernização das câmaras frigoríficas;
- modificações e modernização nos sistemas de ar comprimido;
- instalação de novos sistemas de defesa de ponto;
- substituição dos radares de busca combinada e de aproximação, integrando-os ao SICONTA Mk. IV; e
- instalação de novo sistema integrado de comunicações.
A modernização do NAe “São Paulo” permitiria que o projeto e viabilização da construção de seu substituto – com deslocamento de 50.000 e 60.000 toneladas – fossem estendidos, aguardando condições orçamentárias mais favoráveis.
O grupo sueco Saab chegou a oferecer o desenvolvimento de uma versão navalizada do caça Gripen NG, que foi selecionado pela Força Aérea Brasileira para o Programa F-X2. As maquetes do NAe São Paulo e dos caças Gripen navais foram expostas nas feiras LAAD 2013 e 2015.
Desativação do NAe São Paulo
No início de 2017, após diversas tentativas de recuperar a capacidade operativa do NAe “São Paulo”, o Almirantado concluiu que o Programa de Modernização exigiria alto investimento financeiro, conteria incertezas técnicas e necessitaria de um longo período de conclusão e decidiu pela desmobilização do meio, a ser conduzida ao longo dos três anos seguintes.
Um programa de obtenção de um novo navio-aeródromo e aeronaves de asa-fixa passou a ser a terceira prioridade de aquisições da Marinha, logo após o PROSUB/Programa Nuclear e o Programa de Construção das Corvetas Classe Tamandaré.
>>> Continua em próximo post…