Exocet tropical – PARTE 2
A história do desenvolvimento do míssil Mansup (até aqui)
por Guilherme Poggio
Míssil nacional
Sem dúvida o programa de remotorização do MM40, que abordamos na primeira parte deste texto (clique aqui para acessar) representou um enorme passo para a indústria de defesa nacional e para a Marinha. Mas os almirantes queriam dar um passo além: projetar e construir um míssil antinavio inteiramente nacional.
Porém, uma arma inteligente como esta não é algo simples de ser construído e dificilmente uma única empresa nacional poderia concentrar todos os campos do conhecimento (propulsão, navegação, guiagem, etc.).
A Marinha decidiu então fatiar o programa entre diferentes empresas e instituições. Antes mesmo do lançamento do primeiro MM40 remotorizado a Marinha, através da Diretoria de Sistemas de Armas da Marinha (DSAM), já havia assinado diversos contratos com um grupo de empresas nacionais para o desenvolvimento do Míssil Antinavio Nacional, desde aquele momento batizado como “Mansup”.
Desta maneira, a divisão de trabalhos ficou da seguinte forma:
- Gerenciamento complementar do programa (Atech, atual Fundação Ezute)
- Desenvolvimento do autodiretor ou “seeker” (Omnisys, do grupo Thales)
- Desenvolvimento do protótipo (Avibras e Mectron, atual SIATT)
- Plataforma inercial (Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo)
- Telemetria, sistema de guiagem, navegação e controle (Mectron, atual SIATT)
Para um programa nacional de desenvolvimento de míssil o Mansup surpreendia pelos avanços que dava num espaço de tempo relativamente curto. Na verdade ele caminhava para ser o programa de mísseis mais curto de toda a história nacional (ver cronograma abaixo). Mas no ano de 2014 uma grave crise afetou um dos parceiros do programa e muitas dúvidas surgiram sobre o futuro do mesmo.
Da Mectron à SIATT
No mesmo ano em que a Marinha realizou o primeiro lançamento de um míssil MM 40 remotorizado a Mectron teve o seu controle acionário transferido para a Odebrecht Defesa e Tecnologia (ODT), braço do setor de defesa do Grupo Odebrecht. A ODT havia sido criada no ano de 2011 e possuía participações em três empresas: a Itaguaí Construções Navais (ICN), o Consórcio Baía de Sepetiba (CBS) e a Mectron.
A Metron incorporou-se ao grupo ODT após este adquirir as ações da empresa que eram detidas pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e parte das ações dos fundadores da própria empresa.
Alguns anos depois o Grupo Odebrecht enfrentou dificuldades financeiras após a justiça comprovar o envolvimento do conglomerado em escândalos políticos. Com isso as empresas do grupo, incluindo a Mectron, passaram por um período muito difícil. Já no segundo semestre de 2014 a Mectron promoveu o corte de 100 postos de trabalho.
Depois de quatro anos no controle da Mectron o Grupo Odebrecht resolveu concentrar seus esforços em outros mercados e colocou à venda parte dos ativos da ODT, incluindo a Mectron.
Em 2015 surgiram rumores de que a israelense Elbit Systems negociava com a Odebrecht a compra da Mectron. O que de fato aconteceu foi a incorporação da parte de comunicações militares da Mectron (responsável pelo desenvolvimento de sistemas de comunicação segura como o LINK BR2) pela AEL Sistemas, subsidiária brasileira da Elbit Systems.
A Marinha tinha muito interesse na continuação do desenvolvimento do Mansup e a Mectron era um elo importante dessa cadeia de desenvolvedores do míssil. Além disso o Exército e a Marinha (através dos Fuzileiros Navais) tinham interesses também na continuação da produção do míssil anticarro MSS 1.2 AC.
Boa parte dos antigos fundadores da Mectron foi chamada para realizar o “resgate” da empresa. Primeiramente tentou-se adquirir o controle acionário da Mectron, mas este movimento mostrou-se inviável. Sendo assim, uma verdadeira engenharia financeira, contratual, burocrática e logística foi montada para que esta parte da Mectron fosse rapidamente resgatada.
A continuação dos contratos do Mansup e do MSS 1.2 AC por outra entidade jurídica permitiu o nascimento da SIATT – Sistemas Integrados de Alto Teor Tecnológico. A transição do pessoal (principalmente o corpo técnico), embora cheia de tensão, ocorreu suavemente. Funcionários da Mectron deixaram a empresa na sexta-feira e na semana seguinte foram recontratados pela SIATT. Praticamente 90% dos funcionários da SIATT eram funcionários da Mectron.
Aqui cabe uma observação. Muito se fala em transferência de tecnologia. Mas o verdadeiro conhecimento tecnológico está nas pessoas e não nas empresas. Estas últimas são apenas entidades abstratas dotadas de um CNPJ. Portanto, tanto faz se a empresa é nacional ou subsidiária de multinacional estrangeira. O importante é a mão-de-obra brasileira que ali está pesquisando, desenvolvendo e produzindo tecnologia. O caso Mectron – SIATT ilustra muito bem esta situação. O conhecimento não se perdeu, apenas migrou de um CNPJ para outro.
Quase lá
A empresa Omnisys já havia concluído no início do ano de 2014 os testes funcionais de todos os módulos Seeker / autoditetor (transmissor, receptor, servomecanismo/antena e processamento), comprovando que os mesmos funcionam perfeitamente de forma individual. Do lado da Marinha, o Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP) segue trabalhando nos estágios finais dos sensores inerciais.
No último dia 21 de junho, durante a inauguração dos laboratórios da SIATT, os trabalhos de desenvolvimento e ensaios não pararam. No momento das festividades da inauguração, o protótipo do radaraltímetro estava sendo ensaiado em voo e os funcionários envolvidos na tarefa acabaram não participando do evento.
No início deste mês a Avibrás iniciou a fase de qualificação do Mansup. Nesta etapa estão sendo montados e testados o Modelo de Testes de Voo e os protótipos de lançamento em navio.
O desenvolvimento do Mansup segue a passos largos (se comparado com outros programas de mísseis brasileiros do passado) e tudo indica que o primeiro lançamento de um míssil totalmente nacional deverá ocorrer em breve. Fontes do Poder Naval informaram que o mesmo poderia ocorrer ainda este ano.
Assim que os sistemas em desenvolvimento pelas diversas empresas que participam do programa do Mansup concluírem os testes funcionais, os mesmos serão encaminhados para as instalações da Avibrás (em São José dos Campos), que juntamente com a SIATT é responsável pela montagem final do protótipo. Quando a Marinha anunciar essa etapa, saberemos que o lançamento poderá ocorrer em pouco tempo.