A evolução da estratégia naval brasileira (1991-2018) – parte 3
Em meio aos estudos do Plano de Levantamento da Plataforma Continental (LEPLAC) para o reconhecimento da extensão da plataforma continental junto à ONU, o Brasil, em 2008, anunciou a descoberta dos campos de petróleo do pré-sal. A defesa do patrimônio marinho, naquele momento, se tornava, então, uma das mais importantes questões estratégicas para o País.
Com a exploração do Pré-Sal, o Brasil entraria em pouco tempo para o clube dos grandes produtores de petróleo no mundo e por consequência, passando a fazer parte da problemática geopolítica do petróleo.
É interessante observar que os países que mais produzem e também que possuem maiores reservas de petróleo estão envolvidos, de uma forma ou de outra, em questões diplomáticas ou militares. Citam-se os casos da Venezuela, que segue em profunda crise e tensões com os EUA, assim como a Líbia, invadida em 2011 pela OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) no contexto da Primavera Árabe.
O Oriente Médio tem permanecido politicamente instável justamente por ser a região responsável por 60% da produção mundial de petróleo.
A Arábia Saudita é líder mundial na produção de petróleo no mundo, o que influencia bastante sua importância geopolítica. Os Estados Unidos, por sua vez, mesmo estando em terceiro lugar em produção, não são autossuficientes, pois é o maior consumidor. Isso explica as diversas ações que esse país realizou a fim de ampliar o seu mercado e baratear os custos de importação do petróleo. Para se ter uma ideia, os norte-americanos consomem cerca de 18 milhões de barris por dia, quase cinco vezes mais do que o Japão, terceiro colocado em consumo do produto.
Além do Pré-Sal
A expectativa da Petrobras é de que, até 2020, a produção do pré-sal chegue a 2 milhões de barris/dia, representando 53% da produção nacional de petróleo.
Com base nesses resultados, o Brasil vai figurar entre os maiores exploradores de petróleo do mundo. A produção de gás natural também se destaca — mais de 12 milhões de metros cúbicos são obtidos diariamente na região do pré-sal.
A maior parte dos campos do pré-sal se encontra no limite da Zona Econômica Exclusiva, mas foram também identificadas formações geológicas semelhantes além da faixa das 200 milhas náuticas, na área que o governo estabeleceu como Plataforma Continental brasileira.
O potencial econômico do subsolo marítimo brasileiro, no entanto, vai muito além do petróleo e do gás natural encontrados na região do pré-sal.
Há, na chamada “Amazônia Azul”, vastas reservas de ouro, diamante, ferro, níquel, estanho, cobalto, cobre e fosfatos entre outros minerais. Pelo menos 17 variedades são estudadas pelo REMPLAC, o Programa de Avaliação da Potencialidade Mineral da Plataforma Continental Jurídica Brasileira, lançado pelo Governo Federal em 1997 e desenvolvido a partir de 2005.
A Marinha do Brasil disponibilizou navios para pesquisa de minerais no solo e subsolo. O programa constatou, por exemplo, a existência de ouro na região da foz do rio Gurupi, na divisa entre o Maranhão e o Pará; e, ainda, de diamantes, no sul da Bahia, próximo à foz do rio Jequitinhonha.
As crostas cobaltíferas — ricas em minerais metálicos, como cobalto, manganês, níquel, cobre e terras-raras — estão sendo pesquisadas em todo o litoral do Espírito Santo até as ilhas de Trindade e Martin Vaz (território brasileiro, a 1.200 quilômetros da costa), no entorno do arquipélago de Fernando de Noronha e no litoral nordestino.
O ‘Pré-Sal da Mineração’ no Atlântico Sul
O Brasil recebeu em julho de 2014, pela primeira vez, uma autorização da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (Isba, em inglês) para realizar pesquisa e exploração de minérios numa área no Atlântico Sul conhecida como Elevação do Rio Grande, localizada além das águas jurisdicionais do país.
A região é vista por geólogos como um potencial “pré-sal da mineração”, tendo em vista sua capacidade exploratória, principalmente de cobalto, níquel, platina, manganês e tálio e telúrio, estes dois últimos da categoria terras-raras, mais valiosos. Contudo, a exploração econômica de jazidas no fundo do mar ainda é cara e seu retorno, incerto, como era o próprio pré-sal há alguns anos.
Enquanto a atividade mineral não vira realidade, pedidos de registro servem literalmente para o país demarcar território. Além do Brasil, ganharam da Isba direito de explorar áreas internacionais Índia, Alemanha, Rússia, Reino Unido, Ilhas Cook e Cingapura.
Com o aval do Isba, o Brasil poderá explorar uma área de três mil quilômetros quadrados — o maior tamanho possível de concessão — na Elevação do Rio Grande, a cerca de 1,5 mil quilômetro da costa brasileira. Segundo o Ministério de Relações Exteriores, o plano é pioneiro no Atlântico Sul e há a possibilidade de cooperação internacional. Na proposta enviada ao Isba, o Brasil se dispôs a investir US$ 11 milhões nos primeiros cinco anos da concessão, que tem duração de quinze anos.
Como defender o patrimônio brasileiro no Atlântico Sul?
Depois da elaboração da Estratégia Nacional de Defesa em 2008, o Governo Brasileiro entendeu que era necessário manter Forças Armadas bem equipadas e treinadas, com quantidade de meios suficiente para fazer valer seus interesses no seu entorno estratégico.
Nesse contexto, o Ministério da Defesa solicitou às Forças Armadas, a elaboração de seus respectivos Planos de Equipamento e Articulação (PEA). Cada plano deveria conter as necessidades de meios para os próximos anos e as ações de articulação com a indústria de defesa.
Em 2009, o PEA da Marinha do Brasil, conhecido como PEAMB, apresentava a necessidade de meios para os próximos 30 anos. Orçado em cerca de R$ 250 bilhões, era bastante ambicioso, no qual a MB apresentou suas necessidades para fazer frente a esse novo contexto.
O PEAMB previa inicialmente a construção de 2 navios-aeródromo com cerca de 50.000 toneladas; 4 LHD com cerca de 20.000 toneladas; 30 navios de escolta; 15 submarinos S-BR e 5 SN-BR; além de 62 navios de patrulha.
Eram números ambiciosos que objetivavam acabar com o perigoso vácuo estratégico existente no Atlântico Sul. A MB entende que se não preencher ostensivamente nosso Teatro de Operações, certamente alguém o fará no futuro.
O PEAMB vira PAEMB
O Plano de Equipamento e Articulação da Marinha do Brasil (PEAMB) foi renomeado posteriormente como Plano de Articulação e Equipamento da Marinha do Brasil (PAEMB).
Os números contidos no PAEMB eram os desejáveis, contudo, números muito difíceis de serem alcançados nas próximas décadas. Por esta razão, no final de 2010, a Marinha do Brasil estabeleceu um planejamento para obtenção de meios navais e aeronavais para o período de 2011/2031.
No planejamento previsto no PAEMB, a Marinha do Brasil implantaria na Região Norte/Nordeste uma Segunda Esquadra, porém, não no período compreendido entre 2011 e 2031.
Dos dois navios-aeródromo previstos no PAEMB, a MB deveria iniciar a construção da primeira unidade em 2015, e sua incorporação ocorreria em 2025, substituindo o NAe São Paulo. Este navio teria deslocamento entre 50.000 e 60.000 toneladas, contando com aparelhos de parada para pouso e duas catapultas para decolagem de aeronaves. Uma segunda unidade poderia ser construída a partir de 2031.
A MB contratou 8 unidades de aviões C-1 Trader para missões de COD/AAR. Essas unidades deveriam ser entregues a partir de 2012. A MB analisou a aquisição de 4 S-2G Tracker para transformação em aeronaves AEW. Um segundo lote de 4 S-2G deveria ser contratado ainda nesta década.
Dois anos após a Força Aérea Brasileira (FAB) decidir qual será seu avião de caça/ataque, a MB iria contratar 24 unidades do mesmo modelo para operar no futuro NAe.
Um segundo e um terceiro lote de 4 helicópteros Sea Hawk deveriam ser contratados até 2031. Dos 16 Super Cougar a serem entregues, 8 seriam exclusivos para transporte e 8 seriam usados em missões de ataque, armados com mísseis AM-39 Block 2.
Dos 4 navios de propósitos múltiplos (NPM) previstos no PAEMB, Os dois primeiros começariam a ser obtidos a partir de 2012. A primeira unidade seria incorporada em 2020 e a segunda em 2024. Esses meios teriam deslocamento entre 20.000 e 25.000 toneladas. Seriam dotados de doca e substituiriam todos os Navios Desembarque Doca (NDD) e Navios de Desembarque de Carros de Combate (NDCC) em operação na MB.
Dos 30 navios-escolta previstos no PAEMB, os 5 primeiros, com 6.000 toneladas de deslocamento, deveriam ser contratados até 2013. A primeira unidade começaria a ser construída um ano após a assinatura do contrato e demoraria 6 anos para ser concluída.
Esse lote inicial teria capacidade antissubmarino, anti-superfície e antiaérea de ponto, seriam designadas como escoltas de emprego geral (EG). No segundo lote de 5 unidades, estava previsto que 4 possuiriam capacidade de defesa de área, com mísseis de médio e longo alcance. Os 10 primeiros escoltas devem ser incorporadas até 2031.
Dos 12 Navios-Patrulha Oceânicos (NPaOc) de 1.800 toneladas previstos no PAEMB, os 4 primeiros deveriam ser anunciados ainda em 2011 e sua construção deveria ser iniciada em 2012. A primeira unidade deveria ser incorporada em 2015. As demais a cada dois anos. Um segundo lote, também de 4 navios deveria ser contratado e incorporado antes de 2031.
Dos 46 navios de patrulha da Classe “Macaé” (500t) previstos no PAEMB, 2 foram construídos, 4 permanecem em construção. Um segundo lote de 6 unidades deveriam ser contratado até 2015. Um terceiro lote, também de 6 unidades deveria ser contratado na década de 20. Totalizando, assim, 18 unidades até 2031.
Dos 15 submarinos de propulsão diesel-elétrica (S-BR) previstos no PAEMB, 4 foram contratados. O primeiro já está em construção na França. Estes submarinos deveriam ser incorporados em 2017, 2018, 2020 e 2021.
A previsão é que o primeiro submarino classe “Tupi” seria desincorporado em 2021. Um segundo lote de 4 S-BR deveria ser contratado para substituir os submarinos da Classe “Tupi” e o “Tikuna”. Desse modo, a MB pretendia a partir de 2020, manter sempre 8 submarinos de proculsão diesel-elétrica em operação.
Dos 6 submarinos de propulsão nuclear (SN-BR) previstos no PAEMB, o primeiro SN-BR foi contratado e deveria ser incorporado em 2025. Dependendo da avaliação deste primeiro submarino, a partir de 2030 novas unidades poderão ser contratadas.
Dos 5 Navios de Apoio Logisticos (NApLog) previstos no PAEMB, o primeiro deveria ser contratado até 2012, sendo incorporado em 2015. Mais duas unidades deveriam ser contratadas até 2031. Estes meios teriam um deslocamento de 22.000 toneladas e teriam capacidade de fornecer no mar combustíveis, inclusive de aviação, lubrificantes, munições, água e gêneros alimentícios.
Esses eram os principais programas pretendidos pela MB no período de 2011/2031, mas a grave crise econômica na qual o país mergulhou a partir de 2014, resultou em nova mudança no planejamento estratégico.
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