Você já foi ao Bahia? – parte 1
Visite o NDM Bahia nesta série de matérias do Poder Naval. Nesta primeira parte, conheça externamente os convoos, armamentos e, internamente, os hangares / garagens, a doca, além do passadiço e torre de controle de aeronaves
Por Fernando “Nunão” De Martini
Parodiando versos de uma canção do compositor baiano Dorival Caymmi: Você já foi ao Bahia? Então vá! Ou melhor, venha com a gente, visitando o NDM Bahia em fotos, informações e conhecendo mais detalhes sobre o navio doca multipropósito incorporado à Marinha do Brasil (MB) em 10 de março de 2016. Nestes últimos dias, a atenção dos leitores tem se voltado à chegada do PHM Atlântico, que foi coberta pelo Poder Naval justamente a bordo do NDM Bahia. Porém, como os dois navios se completam em suas capacidades, e muitas vezes deverão operar em conjunto em exercícios e operações da MB, vale a pena conhecer mais detalhes sobre o segundo maior navio da Marinha em operação.
Nossas visitas que geraram as fotos e informações para essa série foram realizadas em duas ocasiões: a primeira em 28 de junho de 2018, durante a exposição de defesa RIDEX (quando o navio estava atracado no chamado pier Mauá, ao lado dos armazéns da área revitalizada do Rio de Janeiro, onde ocorreu a feira), ocasião em que o navio foi visitado pelo colaborador Fernando “Nunão” De Martini, e a segunda entre os dias 24 e 25 de agosto, no embarque do editor Guilherme Poggio para acompanhar a chegada do PHM Atlântico ao Brasil.
A visita realizada em 28 de junho foi organizada pela Marinha especialmente para a imprensa especializada em defesa, incluindo no roteiro diversos compartimentos do Bahia (G40). Junto ao NDM também estava atracado outro meio da esquadra, a corveta Barroso (V34), além de dois meios distritais, o navio-patrulha Gurupá (P46) e o aviso de patrulha Marlim (GptPNSE-01), ambos do Grupamento de Patrulha Naval do Sudeste, subordinado ao 1º Distrito Naval (RJ), como pode ser visto na foto abaixo à esquerda, tirada no dia anterior à visita ao Bahia. Clique nas imagens para ver em tamanho maior. Todas as fotos da matéria, exceto quando indicado, são do autor.
A visita externa, assim como ao passadiço (área de navegação do navio), torre de comando das operações aéreas, hangar e convoo foi conduzida pelo próprio comandante, capitão de mar e guerra Alexandre Itiro Villela Assano, e será mostrada nesta primeira parte da matéria. Também mostraremos aqui a doca, para onde fomos conduzidos pelo imediato do navio, capitão de fragata Daniel Daher Rodrigues, que também nos mostrou outros compartimentos como o hospital (áreas que serão tema da próxima parte).
Multimissão – O CMG Assano, logo após receber a imprensa especializada, nos encaminhou ao passadiço, onde aproveitou para abordar diversas características do NDM Bahia. O navio foi adquirido usado da França em 2016, tendo servido à Marinha Francesa, desde sua incorporação em 21 de dezembro de 1998, com o nome Siroco (L 9012). Na França, era classificado como TCD: Transport de chalands de débarquement – transporte de barcaças de desembarque. Trata-se do segundo exemplar da classe “Foudre”, de dois navios, e seu emprego principal na Marinha Francesa era justamente o designado na sigla TCD, transportar barcaças de desembarque (com carros de combate, viaturas, materiais, pessoal) em operações anfíbias e de transporte operacional, sem a ênfase no Multipropósito que existe na designação brasileira. E esse foi um dos temas abordados pelo CMG Assano no passadiço do navio.
Quando em serviço na França, o navio tinha uma tripulação fixa de 224 militares (19 oficiais e 205 praças), menor que hoje, em serviço no Brasil, que é de 288 (32 oficiais e 256 praças). O motivo é que atividades mais especializadas, como as do hospital ou de operações embarcadas entre outras, contavam apenas com núcleos na época em que era o Siroco. Estes núcleos eram largamente complementados, durante as missões, por pessoal de outras forças, numa filosofia “interarmées”, em especial do Exército Francês (Armée de Terre). Isso tornava o navio uma plataforma multipropósito apenas em missões específicas.
Já para atender às necessidades militares do Brasil, levando em conta como nossas Forças Armadas operam em conjunto e suas atribuições específicas, a Marinha decidiu explorar o potencial multipropósito do navio com seu próprio pessoal e de forma plena. Isso resultou numa tripulação maior que a original da Marinha Francesa, mas é preciso levar em conta um outro dado na comparação: segundo o comandante Assano, quando em serviço na França, ao se somar à tripulação fixa de 224 pessoas todo o pessoal “interarmée” a bordo, o número resultava consideravelmente maior do que a tripulação de 288 militares que a Marinha aloca especificamente ao navio. Nessa perspectiva, a capacidade multimissão do Bahia é desempenhada com menos gente a bordo do que em seus tempos de Siroco, o que para Assano significa uma maior eficiência de sua tripulação fixa.
Prontidão – A capacidade multimissão de sua tripulação como um todo é um dos fatores que mantém elevada a prontidão do navio, o que foi comprovado na recente crise gerada por paralisação de caminhoneiros: menos de cinco horas após ser acionado para cumprir missão de Garantia da Lei e da Ordem no Porto de Santos (SP), o Bahia já navegava com centenas de fuzileiros navais a bordo, além de aeronaves e veículos.
Essa prontidão vem sendo atingida, também, pelo pouco índice de problemas dos sistemas do navio, sendo destacada especificamente a propulsão, considerada confiável: o comandante informou que, na travessia realizada pelo Bahia da França ao Brasil, foi mantida continuamente a velocidade de cruzeiro de 15 nós sem problemas. Pouco tempo após sua chegada ao Brasil (abril de 2016) o navio começou a ser utilizado em exercícios e operações anfíbias, mantendo boa disponibilidade e recuperando a capacidade da Marinha operar embarcações de desembarque a partir de navios dotados de doca alagável, interrompida pela baixa dos navios de desembarque doca Rio de Janeiro (junho de 2012) e Ceará (em abril de 2016, após grave avaria sofrida em abril de 2015). Essa capacidade será tema da próxima matéria, que mostrará a doca do NDM Bahia.
Armas de defesa – Após as considerações feitas no passadiço, o comandante Assano nos acompanhou na área externa ao mesmo (asas, lais), onde pudemos ver parte do armamento de autodefesa do Bahia, num padrão que praticamente já equipava o navio em seus últimos anos de serviço na França, como Siroco. Um nível abaixo, voltado pra a proa, está uma das três metralhadoras de 20mm emprego de superfície (foto imediatamente abaixo), que em conjunto com quatro metralhadoras .50 (12,7mm – uma das quais é vista na última imagem à direita) provê a defesa próxima contra ameaças como pequenas lanchas. Não são armas de emprego específico antiaéreo, defesa que no Bahia está a cargo de dois lançadores duplos Simbad, um a boreste e outro a bombordo, ambos na parte posterior da superestrutura, sobre a área do hangar.
Os lançadores são de operação manual, e seus operadores recebem dados sobre posição do alvo aéreo fornecidos verbalmente pelo Centro de Informações de Combate do Navio. Cada um está equipado com dois mísseis de curto alcance Mistral, de orientação por infravermelho e recarga também manual – vale ressaltar que mesmo navios anfíbios maiores e mais modernos em serviço hoje na França, os BPC (Bâtiment de Projection et de Commandment – navio de projeção de força e comando) da classe “Mistral”, também são dotados de dois lançadores do tipo.
Falando em CIC, foi solicitado que não o fotografássemos durante a visita, pois estava passando por mudanças – vale ressaltar que há uma área anexa ao mesmo capaz de abrigar as operações de um estado-maior, com espaço para instalar sistema de dados táticos (CIC da Força Anfíbia). O radar que equipa o navio é do tipo 2D, ou seja, não fornece altitude exata de um alvo aéreo, apenas aproximada (outros dados de posição são informados com precisão), para os operadores dos lançadores Simbad. Havia, porém, uma alça eletro-óptica (EO) no Siroco quando em serviço na França, que auxiliava na identificação dos alvos aéreos e posicionamento das defesas, mas esta foi retirada pelos franceses antes da incorporação do navio pela MB. Seria importante, quando da eventual reformulação do CIC do Bahia, a instalação de uma nova alça EO para suprir essa lacuna.
Operação de aeronaves – Mencionamos aeronaves como ameaças, mas é hora de falar da capacidade do navio operá-las. Antes da chegada do PHM Atlântico (que começou a passar pelas devidas certificações e inspeções para poder operar aeronaves de forma plena), o Bahia foi o meio que retomou a capacidade de operar todas as aeronaves de asas rotativas, de todos os portes dentre as existentes na MB, tanto em operações diurnas quanto noturnas.
Todos os helicópteros da Marinha, incluindo os que voam noturno, estão homologados para o Bahia, e as operações aéreas são controladas por uma torre situada no extremo oposto da superestrutura. Ainda guiados pelo comandante do navio, saímos do passadiço e visitamos a torre de controle de aeronaves, cujo tamanho difere pouco da torre do hoje desativado navio-aeródromo São Paulo, navio que também é de origem francesa. A principal diferença é que, no São Paulo, a torre de controle de aeronaves é contígua ao passadiço, enquanto no Bahia ela é separada, embora rapidamente acessível a partir dele. O Poder Naval já visitou mais de uma vez a torre do São Paulo e, de fato, a do Bahia é bastante similar (vale acrescentar que o CMG Assano fez parte do grupo de recebimento do navio aeródromo na França, em 2000, e o conhece bastante bem). As janelas da torre proporcionam uma ótima visão do convoo principal.
A capacidade informada de operação de aeronaves do Bahia, à época em que servia à França como Siroco, é de quatro aeronaves, mas há fotos francesas que o mostram com mais helicópteros. Segundo o comandante Assano, pode-se considerar que o navio tem capacidade de operar e manter de forma contínua até cinco aeronaves de asas rotativas (dois hangarados e três nos convoos) do porte do UH-15 “Super Cougar”, que é o maior helicóptero em serviço na Marinha do Brasil.
Sobre convoos, o navio possui dois: o principal (denominado convoo “Alfa”), de maior área e localizado logo à ré do hangar da superestrutura, com espaço para operar simultaneamente (decolagens e pousos) dois helicópteros do porte do UH-15 “Super Cougar”, sendo servido pelo grande hangar que pode abrigar outros dois, e um convoo extra (denominado convoo “Zulu”), situado dois níveis abaixo, à popa, sobre a entrada da doca alagável, e que pode operar um helicóptero desse porte. Desta forma, é possível realizar pousos e decolagens simultâneos de até três aeronaves UH-15.
Na ocasião da RIDEX, a primeira aeronave da versão UH-15B, dotada de radar, sistema de combate e lançadores compatíveis com o emprego do míssil antinavio AM-39 Exocet, estava posicionada no amplo convoo Alfa do Bahia (fotos acima). Mostraremos mais imagens externas, internas e outros detalhes sobre essa aeronave em matéria posterior.
No extremo do convoo Alfa, tivemos uma boa visão da plataforma elevatória, assim chamada porque não é apenas um elevador de aeronaves: num navio multimissão ela pode frequentemente ser utilizada para elevar veículos, equipamentos de apoio, carga, armamento, pessoal etc. Na ocasião, ela estava no nível do convoo “Zulu” e da garagem de veículos situada abaixo do convoo “Alfa”. Essa garagem, cujo propósito principal é levar veículos em local seco, acima da doca, também pode ser ocupada por helicópteros de pequeno porte (sua altura não é suficiente para aeronaves do porte do UH-15), caso a missão a cumprir assim exija – mas vale sempre lembrar que o Bahia não é um porta-helicópteros em sua essência, sua principal característica é a ampla doca alagável, assim essa capacidade de manter e operar várias aeronaves de asas rotativas, embora bastante significativa, será sempre inferior à do recém-incorporado PHM Atlântico.
Sobre a garagem seca para veículos, voltada principalmente ao transporte de viaturas sem capacidade anfíbia (mas que também pode ser utilizada para abrigar outros equipamentos ou helicópteros leves) foi ressaltado que esse tipo de veículo também pode ser levado na doca alagável, pois ela pode ser alagada apenas parcialmente, ou mesmo não ser alagada e funcionar como um grande porão de carga, conforme a missão a ser cumprida. A doca, porém, é assunto para daqui a pouco. Descemos para o nível do convoo Zulu, onde foi instalado para a RIDEX um contêiner do novo radar “Gaivota-X”, cujas imagens e informações mostraremos em outra matéria. A partir desse convoo situado junto à popa do navio, as posições de outras armas de autodefesa de superfície – metralhadoras de 20mm e .50 são claramente visíveis.
Doca – Já acompanhados pelo capitão de fragata Daniel Daher Rodrigues, imediato do Bahia, visitamos a ampla doca do navio, que tem aproximadamente 122m de comprimento, 14m de largura e 7,7m de altura, resultando numa área (conforme informado pela Marinha Francesa à época em que o navio servia à Franca) de cerca de 1.732 metros quadrados. É ligeiramente maior que a dos desativados navios de desembarque doca Rio de Janeiro e Ceará, que tinham docas com cerca de 119m de comprimento e largura similar.
O tamanho dessa doca é o principal diferencial desse navio-doca multipropósito, quando comparada aos sucessores dos dois navios da classe “Foudre” (à qual pertenceu o Siroco, atual Bahia) na Marinha Francesa, os três BPC da classe “Mistral”. Ainda que o BPC, com seu convoo sem obstruções (apenas a “ilha” a boreste), além do grande hangar e ampla garagem de veículos tenha uma capacidade multimissão superior, essas características cobram um preço no tamanho da doca, cuja área caiu de 1.732m² para 885m², ou seja, cerca de metade do tamanho da doca dos antecessores da classe “Foudre”.
Mencionamos mais acima que a doca do Bahia pode ser parcialmente alagada para transporte de carga seca e veículos, ou mesmo não alagada para funcionar como um grande porão de carga, mas a sua principal função é justamente abrigar embarcações variadas para missões de desembarque anfíbio (EDCG, embarcação de desembarque de carga geral; EDVM, de viaturas e materiais; EDVP, de viaturas e pessoal), nas quais diversos tipos de viaturas podem ser embarcadas, incluindo carros de combate. O nível da água na doca, quando completamente alagada, pode chegar a três metros de seu fundo.
O Comando do 1º Esquadrão de Apoio da MB tem subordinadas várias embarcações de desembarque construídas entre as décadas de 1970 e 1990 (e que anteriormente formavam o Grupo de Embarcações de Desembarque) e ainda em uso, como as EDCG de 41 metros de comprimento x 8,4m de boca, para 172t de carga, e as EDVM de 25m x 6,4m, para 70t de carga. Recentemente foi reforçado por cinco EDVM construídas no AMRJ (Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro), entregues entre 2012 e 2013 (com 21m de comprimento, 6,39 de boca e 72t de carga), e por uma grande EDCG adquirida junto com o Bahia: a ex-CDIC (Chaland de débarquement d’Infanterie et de Chars) Hallebarde francesa, renomeada embarcação de desembarque de carga geral Marambaia (L 20), com 59,4m de comprimento, 11,9m de boca, e que pode deslocar até 751t, com aproximadamente metade disso em carga útil.
Diversas combinações dessas embarcações podem ser abrigadas na doca do Bahia para compor o Grupamento Naval do Destacamento de Praia (GptNavDP). A área da doca, quando o navio servia à Marinha Francesa, permitia levar duas CDIC ou até 8 CTM (Chalands de Transport de Matériel), equivalentes às nossas EDVM. Combinações possíveis das embarcações de desembarque hoje em serviço na MB seriam a EDCG Marambaia (de 59,4m ) acompanhada de uma EDCG de 41 metros, ou uma dessas EDCG acompanhadas de quatro EDVM, entre outras possibilidades.
Essas embarcações de desembarque recebem os veículos e cargas que transportarão à praia diretamente no cais (atividade sob a responsabilidade do Comando do 1º Esquadrão de Apoio), navegando então para o Bahia que, com sua doca alagada, as recebe já com suas cargas devidamente acondicionadas, partindo então para cumprir sua missão de desembarque anfíbio. Vale observar que os atuais BPC classe “Mistral” da França têm uma rampa interna que comunica a garagem de veículos com a doca, compensando em parte o tamanho menor desta, ainda que isso acarrete mais viagens de suas embarcações de desembarque para descarregar todo o material armazenado no navio.
Aqui termina a primeira parte dessa série de matérias sobre o NDM Bahia. Na próxima, mostraremos o seu hospital de 500m² e outros compartimentos interiores.
Principais características do NDM Bahia
- Comprimento: 168m
- Boca: 23,5m
- Calado: 5,2m
- Deslocamento a plena carga: 12.000 toneladas
- Dois spots para helicópteros no convoo “alfa” e um spot no convoo “zulu”, para aeronaves do porte do UH-15 Super Cougar
- Doca alagável com aproximadamente 122m de comprimento, 14m de largura e 7,7m de altura, provendo área total de cerca de 1.732m², com rampa à popa, podendo transportar embarcações de desembarque do tipo EDVM, EDVP e EDCG, com veículos diversos (blindados, carros de combate), pessoal e equipamentos militares.
- Propulsão: 2 motores diesel SEMT Pielstick de 15.290 kW
- Velocidade máxima: 20 nós
- Autonomia: 11.000 milhas náuticas a 15 nós
- Capacidade de tropa: 415 para deslocamentos de longa distância e duração, ou até 2.000 pessoas para deslocamentos curtos, com duração entre 48 e 72 horas.
- Armamento defensivo de dois lançadores duplos Simbad de mísseis antiaéreos de curto alcance Mistral, 3 metralhadoras de 20mm para alvos de superfície e 4 metralhadoras de 12,7mm (.50).
- Hospital com 500 m², com 2 salas de cirurgia, laboratórios, raio-x, consutório odontológico e cerca de 50 leitos (desde os de terapia intensiva até os de extensão), com capacidade para triar 100 feridos por dia e realizar até 30 cirurgias em 5 dias.
- Tripulação: 288 (32 oficiais e 256 praças)