Submarino Riachuelo no Complexo Naval de Itaguaí, no Rio de Janeiro

Submarino Riachuelo, em construção no Complexo Naval de Itaguaí, no Rio de Janeiro

Submarino Riachuelo no Complexo Naval de Itaguaí, no Rio de Janeiro
Submarino Riachuelo, em construção no Complexo Naval de Itaguaí, no Rio de Janeiro

Para economizar, Marinha vai cortar 12 mil vagas até 2030, diz o almirante de esquadra Eduardo Bacellar Leal Ferreira

Por João Luiz Rosa

Iniciado há 20 anos, o Programa de Desenvolvimento de Submarinos da Marinha brasileira está prestes a dar um passo decisivo. O país vai lançar ao mar, em 12 de dezembro, o “Riachuelo”, primeiro dos quatro submarinos convencionais previsto no acordo de cooperação firmado com a França, em 2008. A expectativa é que os demais fiquem prontos em 2020, 2021 e 2022.

Mas o cronograma pode ser comprometido se houver cortes de orçamento, diz ao Valor o almirante de esquadra Eduardo Bacellar Leal Ferreira, comandante da Marinha do Brasil. Com gastos originalmente previstos em R$ 2,6 bilhões por ano, o Prosub já passou por reduções orçamentárias, um dos fatores no atraso do projeto.

Os submarinos convencionais acumulam atraso de pouco mais de dois anos e o quinto e mais aguardado navio – o Álvaro Alberto, primeiro do país com propulsão nuclear – não tem data de entrega. “Não conseguimos prever”, diz o almirante.

Nesta entrevista ao Valor, Bacellar explica a razão das incertezas e revela o que está fazendo para lidar com a redução do orçamento geral da Marinha. Desde 2013, os recursos caíram 55%, para R$ 2,9 bilhões. “Estamos fazendo um grande esforço de racionalização, incluindo redução de pessoal”, diz o comandante. Até 2030, a Marinha vai perder 12 mil pessoas, quase 15% de seu efetivo atual, de 80,3 mil militares. Leia, a seguir, os principais trechos da conversa.

Valor: O Prosub sofreu cortes?

Eduardo Bacellar Leal Ferreira: Quando o contrato foi assinado, em 2008, a previsão era gastar R$ 2,6 bilhões por ano. Em 2015, houve um corte muito grande [da dotação inicial de R$ 1,77 bilhão foram liberados R$ 1,05 bilhão]. Foi terrível. Depois, o governo aceitou passarmos para R$ 2 bilhões. Mas desde então, nunca chegamos a esse valor. Nos últimos dois anos, ficou em torno de R$ 1,8 bilhão por ano. Está em R$ 1,5 bilhão neste ano. O passivo está se acumulando. Se houver outro corte, vamos ter dificuldades.

Valor: Existe essa possibilidade? O que fazer para evitar mais cortes?

Bacellar: É um risco real. Estamos conversando com o Ministério do Planejamento. Temos dois argumentos. Um é bem objetivo: há um acordo de governo com a França, há contratos assinados com empresas e há financiamentos com bancos. É um compromisso que o Brasil assumiu. Outro aspecto, subjetivo, diz respeito a benefícios como a transferência de tecnologia e a criação de emprego para milhares de técnicos altamente qualificados. Tem muita gente da USP [Universidade de São Paulo] contratada pela Marinha.

Valor: São quantos técnicos?

Eduardo Bacellar: Dois mil e poucos no programa nuclear e um número parecido no de submarinos. Isso em empregos diretos. Fora as empresas que estão contratadas no Brasil.

Itaguaí – Estaleiro e Base Naval
Itaguaí – Estaleiro e Base Naval

Valor: São dois programas?

Bacellar: São quatro. O de construção de submarinos [Prosub] está dividido em dois subprogramas: os convencionais e o nuclear, ambos com os franceses. Além disso, temos o programa nuclear propriamente dito [PNM] para desenvolver o reator e o ciclo de combustível nuclear. Como ninguém vai vender urânio enriquecido para operarmos o submarino nuclear, tivemos que desenvolver o ciclo de combustível. Isso já está resolvido, em fase quase industrial. O reator está no meio do desenvolvimento. E há o programa de construção de estaleiros e da base naval em Itaguaí (RJ), onde entra a Odebrecht.

Valor: O escândalo da Odebrecht afetou o projeto?

Bacellar: Não fomos afetados. Somos muito rigorosos. Temos quatro auditorias. Um setor da Marinha constrói e outro, que não tem nada a ver com esse, faz auditoria de custos e serviços, principalmente na área ligada à Odebrecht, de construção civil. É a diretoria de obras civis da Marinha. Também contratamos a Fundação Getulio Vargas e o Instituto Brasileiro de Engenharia de Custos. Além do próprio TCU [Tribunal de Contas da União], que tomamos a iniciativa de chamar.

Valor: Vocês não esperaram a obra terminar para chamar o TCU?

Bacellar: Chamamos antes de começar. De vez em quando, há questionamentos. Há uns dois anos, falou-se em um sobrepreço de R$ 400 milhões. No fim, foi identificado um valor de R$ 70 milhões. Estamos em fase de interpretação da regra. O TCU interpreta de um jeito, a Odebrecht, de outro. Mas já estamos cobrando o dinheiro da Odebrecht. A cada mês, descontamos um pouco do valor das faturas. Mas a Odebrecht ainda não está convencida. Ou seja, não houve má-fé. Tanto que eles estão recorrendo.

Valor: Qual o papel da Odebrecht no projeto?

Bacellar: É a construção dos estaleiros, da base naval, do complexo radiológico para abrigar o submarino nuclear. A Odebrecht também tem parte acionária na ICN Itaguaí Construções Navais, que é a construtora do submarino. A Itaguaí é constituída pela Odebrecht; pelo Naval Group [da França]; e pela [fabricante de equipamentos] Emgepron, que detém a “golden share” [classe de ação que pertence ao Estado].

Valor: O projeto está atrasado?

Bacellar: No caso dos submarinos convencionais, em pouco mais de dois anos. Parte se deve aos cortes de orçamento e parte, aos problemas técnicos.

O elevador de submarinos, no Complexo Naval de Itaguaí no RJ, pelo qual o submarino Riachuelo será lançado ao mar em dezembro
O elevador de submarinos, no Complexo Naval de Itaguaí no RJ, pelo qual o submarino Riachuelo será lançado ao mar em dezembro

Valor: E qual o cronograma?

Bacellar: Em 12 de dezembro, vamos lançar o primeiro convencional, que vai ficar mais um ano e meio em testes. Será entregue à esquadra em junho de 2020. Com o submarino nuclear, a coisa é mais complicada. Não conseguimos prever.

Valor: Por quê?

Bacellar: Ninguém ajuda. Você tenta comprar [um equipamento], os americanos não vendem. O [produto] americano é mais barato que o espanhol ou o chinês, mas os americanos se recusam a vender.

Valor: E os chineses, vendem?

Bacellar: É mais caro, mas vendem. Os espanhóis também. Às vezes, tentamos comprar algo e os americanos ou outro país fazem pressão para a empresa não vender. Aí temos de desenvolver aqui, que é mais caro. Cada equipamento é uma guerra.

Valor: E qual o prazo para os demais submarinos convencionais?

Bacellar: Serão [lançados] praticamente um a cada ano, em 2018, 2020, 2021 e 2022. E a entrega [para a esquadra] será em 2020, 2021, 2022 e 2023.

Valor: Qual o investimento consumido pelo Prosub até agora?

Bacellar: Foram R$ 17 bilhões desde 2008, uma média anual de R$ 1,7 bilhão. Até o fim deste ano pode chegar a R$ 18 bilhões.

Valor: E quanto mais vai custar?

Bacellar: Uns R$ 17 bilhões ou R$ 18 bilhões.

‘A Marinha opera no limite há anos. O Brasil precisa ter, no mínimo, 12 navios de guerra. Temos 11, todos velhos’

Valor: O reator nuclear está sendo construído em Iperó, na região de Sorocaba (SP), não é?

Bacellar: Sim [no Complexo de Aramar]. Estamos fazendo um reator-laboratório em terra, que vamos testar e certificar. Depois da homologação, vamos construir um idêntico para o submarino.

Valor: Há risco nuclear?

Bacellar: A Cnen [Comissão Nacional de Energia Nuclear] faz a certificação [dos trabalhos]. E [em fevereiro] criamos uma agência de segurança nuclear própria. A Marinha nunca seria perdoada se houvesse um acidente nuclear.

Valor: Em um país sem guerras, qual o papel da Marinha?

Bacellar: Nossa Marinha é multipropósito. É diferente da americana, que eu chamo de “warfighting navy”. A Marinha americana faz guerra. Nós temos várias outras tarefas.

Valor: Quais?

Bacellar: Segurança da navegação, hidrografia, cartografia náutica, todo o apoio logístico para a pesquisa na Antártida. Temos navios-hospital na Amazônia, no Pantanal.. Cuidamos da preparação dos marinheiros mercantes… A Marinha também coloca em vigor as normas da autoridade marítima internacional.

Valor: Com que efetivo?

Bacellar: Temos pouco mais de 80 mil homens na ativa. E 4,4 mil funcionários civis. Já tivemos 25 mil.

Corveta Tamandaré
Corveta Tamandaré

Valor: O corte de gastos tem prejudicado outros programas?

Bacellar: Sim, tem o próprio dia a dia. Navio é muito caro. Qualquer navio de guerra, hoje, custa US$ 500 milhões, US$ 600 milhões. Estamos sem substituir nossos navios de superfície há 40 anos. Temos um com 10 anos, o “Barroso”, mas a maioria tem de 38 a 42 anos, quando são feitos para funcionar de 25 a 30. Agora, estamos com um programa para construir quatro corvetas, com empresa estrangeira e estaleiro brasileiro.

Valor: Em que fase está?

Bacellar: Já garantimos as fontes de recursos. O Brasil precisa ter no mínimo 12 navios-escolta – corvetas ou fragatas. Temos 11, todos muito velhos. Vamos fazer quatro.

Valor: No Brasil mesmo?

Bacellar: A ideia é sempre construir no Brasil. Navio de guerra é muito sofisticado. Não dá para pegar alguém que faz navio mercante para construir… Um navio de guerra tem 2 mil toneladas, mas consome 100 vezes mais homem/hora para ser construído que um mercante, que tem 200 mil toneladas.

Valor: A iminência de um novo governo acentua a preocupação com cortes de orçamento?

Bacellar: É uma preocupação permanente. A Marinha trabalha há anos no limite. Com o envelhecimento da frota, os navios passam a funcionar com menos equipamentos em operação. Estamos fazendo um esforço muito grande de racionalização, inclusive com redução de pessoal.

Valor: De que ordem?

Bacellar: A cada ano diminuímos de 1 mil a 1,2 mil homens. Até 2030, a Marinha vai perder 12 mil homens. Sendo uma redução gradual, podemos perder [pessoal] sem afetar [as operações]. Também estamos aumentando o número de funcionários temporários. Em vez de ficar 30, 35 anos, as pessoas vão ficar 8, receber indenização e ser substituídas. Com isso, não levamos encargos para o futuro.

Valor: Qual deveria ser o volume de investimento?

Bacellar: Com US$ 1,2 bilhão por ano, durante 15 anos, daria para reconstruir a Marinha. Hoje não recebemos US$ 600 milhões.

Valor: O senhor tem procurado os candidatos à presidência?

Bacellar: Temos conversado para mostrar as preocupações referentes às necessidades da Força… Mostrar o problema do orçamento, as dificuldades que estamos tendo, nossos programas e a importância do mar.

Valor: Como está distribuída a esquadra brasileira?

Bacellar: Os navios-escolta, para a defesa do país, ficam no Rio, onde também está o “grosso” dos fuzileiros navais. Temos nove distritos navais espalhados pelo Brasil. Existem forças distritais [subordinadas aos distritos] compostas por navios-patrulha, navios de apoio, navios-hospital, navios balizadores… Estamos começando uma força distrital em São Paulo. Vem um navio-patrulha para Santos. São Paulo está crescendo muito nós.

Valor: Qual o motivo?

Bacellar: O porto de Santos é um dos maiores do mundo. Cerca de 8% do tráfego marítimo internacional é de carga brasileira. Em termos de volume e segurança de navegação, é um desafio muito grande. Geopoliticamente, poucos países estão tão longe dos grandes centros como o Brasil. Então, o país tem de ser muito competitivo. Qualquer crise, pirataria, nos afeta mais que a outros países. O frete fica mais caro. O ferro brasileiro, por exemplo, está sendo exportado para a China e concorre com o australiano. Temos de ter um sistema muito eficiente e isso inclui segurança na navegação.

Valor: A transferência de tecnologia para empresas está em fase avançada?

Bacellar: Temos 52 empresas no Prosub. A WEG, por exemplo, está fazendo motores com um sistema diferente de motor elétrico. Passou muito tempo para que os franceses nos cedessem essa tecnologia, que estamos transferindo para eles. Na ICN, são cada vez mais [técnicos] brasileiros. Há pouquíssimos franceses. Conseguimos absorver praticamente toda a tecnologia.

FONTE: Valor Econômico

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