Marinhas dos EUA, Colômbia e Peru fazem exercício ASW perto de águas venezuelanas
Por Roberto Lopes
Especial para o Poder Naval
Foi uma advertência a Caracas?
Se não foi essa a intenção, as recentes manobras navais que reuniram meios marítimos e aéreos das Marinhas dos Estados Unidos, Colômbia e Peru, na faixa setentrional das águas jurisdionais colombianas – bem próximo, portanto, ao Mar Territorial venezuelano –, representaram, no mínimo, uma demonstração de capacidade e força.
Encerrado na primeira terça-feira deste mês (06.11), após cinco dias de intensa movimentação, o exercício recorreu, exclusivamente, às táticas e aos equipamentos de guerra antissubmarina, com o objetivo de aprimorar técnicas e estratégias conjuntas de busca, localização e eliminação de ameaças submarinas.
“No geral, o exercício foi uma tremenda oportunidade, e foi executado com sucesso”, declarou ao serviço de imprensa da US Navy o tenente-comandante Sergio Ibarra, diretor de táticas do Patrol Squadron Sixteen (VP-16). “Aprendemos muito sobre como operar com nossas contrapartes colombianas e peruanas”.
Tendo atuado por 48 anos com diversos modelos dos quadrimotores de reconhecimento marítimo P-3 Orion, o VP-16, sediado na Estação Naval de Jacksonville, na Flórida, emprega, desde março de 2012, os jatos P-8A Poseidon.
Uma dessas aeronaves foi destacada para a operação com os colombianos e os peruanos.
Meios – O convite à Marinha de Guerra do Peru resultou de uma precaução de caráter político: a de não dar ao exercício trilateral, o aspecto de mais uma ação militar conjunta de Bogotá e Washington, destinada a confrontar a capacidade operacional dos militares venezuelanos.
As manobras envolveram:
Pela Colômbia – o submarino costeiro Tipo U-206A ARC Indomable (ex-U-24 alemão), de 48,5 m de comprimento e 500 toneladas de deslocamento (em imersão), e a fragata ligeira ARC Independiente (FM-54), de 91 m de comprimento e 2.100 toneladas;
Pelo Peru – o submarino Classe IKL-209/1100 BAP Arica (SS-36), de 55,9 m de comprimento e 1.285 toneladas de deslocamento (debaixo d’água); e
Pelos Estados Unidos – uma aeronave de patrulha marítima Poseidon P-8A.
A operação explorou o conhecimento técnico de todas as forças participantes na localização de alvos submersos, comprovando, em seus diferentes aspectos, as capacidades de guerra antissubmarino da Armada americana e das nações parceiras.
Destaque para o jato Poseidon que, em dois voos que somaram 15 horas, gastou 93 sonoboias e (no segundo voo) localizou com sucesso um alvo submerso.
De seu lado, os tripulantes dos submarinos, quando “atacados”, executaram e testaram procedimentos de evasão: El ejercicio hizo hincapié (…) la capacidad para eludir el avión antisubmarino más moderno del mundo por parte de los submergibles de Colombia y Perú (…), assinalou um comunicado oficial das manobras.
Tropicalização – O antigo U-24 teve sua quilha batida, na Alemanha, em março de 1972.
Lançado ao mar em junho de 1973, ele foi comissionado pela Marinha da Alemanha Ocidental (hoje República Federal da Alemanha) a 16 de outubro de 1974. A 31 de março de 2011 o governo de Berlim anunciou sua transferência para a Colômbia.
Comprado em 2012, o barco passou vários meses sendo submetido a um processo de revitalização: mudanças nos sistemas de navegação e de rastreamento, além de substituição do armamento.
Por ter sido fabricado para operar nos mares do Norte da Europa, houve, igualmente, a necessidade de submeter suas tubulações e sistemas de refrigeração (entre outros) a um procedimento geral de “tropicalização” (também adotados pelo estaleiro germânico HDW quando da prontificação do IKL brasileiro Tupi). Objetivo: permitir que essa aparelhagem admitisse e processasse água salgada a uma temperatura consideravelmente mais alta que a água do Mar do Norte, por exemplo – além de uma biodiversidade marinha bastante diferente daquela que é possível observar nas latitudes da Europa Setentrional.
Apesar de ser um navio pequeno, fabricado há quase 45 anos, e de ter custado apenas 25% do valor de um moderno submarino alemão convencional – o Indomable recebeu muitas melhorias, entre as quais:
- equipamentos sofisticados de guerra eletrônica (indisponíveis para submarinos nos anos de 1970);
- sistema de combate (controle de tiro) alemão da marca Atlas;
- aperfeiçoamentos nos seus oito tubos lança-torpedos;
- sonares sofisticados;
- a última tecnologia de posicionamento por GPS.
- melhoria nas condições de habitabilidade para 24 tripulantes; e
- sistema automático de supressão de fogo (incêndio).
O início – As Marinhas do Peru e da Colômbia possuem uma ligação histórica quando o assunto são os submarinos.
Entre abril e setembro de 1972, época em que a Armada Colombiana se preparava para receber dois pequenos submersíveis italianos modelo Cosmos SX-506 – de 24 m de comprimento e 2 m de bôca –, os peruanos ministraram um curso de capacitação a 48 oficiais e subalternos colombianos que haviam optado pela nóvel Arma Submarina do país.
Os navios foram batizados de ARC Intrépido e ARC Idomable (mesmos nomes das unidades U-206A, de origem alemã, que operam em nossos dias).
Cada um requeria uma tripulação de 17 homens, entre pessoal de Manobra (Navegação), maquinistas e operadores de armamento.
Mais tarde o grupo treinado pelos peruanos foi se aperfeiçoar na Alemanha e na Holanda.
O Intrépido alcançou a costa colombiana na terça-feira, 7 de agosto de 1972; na quinta, 17 de abril de 1973, foi incorporado à frota da Colômbia durante uma cerimônia presidida pelo então chefe do Governo, Misael Pastrana Borrero.
Sua primeira imersão aconteceu menos de sete meses mais tarde, na segunda-feira 6 de novembro. O barco desceu por 30 m nas águas defronte à Baía de Cartagena.
A 3 de julho de 1974 os colombianos receberam a segunda unidade Classe SX-506.
Crise – A aquisição desses navios – e a consequente solicitação de ajuda aos submarinistas peruanos – resultou de uma iniciativa do Consejo de Seguridad y Defensa Nacional da Colômbia que, na virada dos anos de 1960 para a década seguinte, (1) reconheceu que os submarinos haviam emergido da 2ª Guerra Mundial como uma arma disuasiva indispensable, e (2) decidiu que o país não deveria ficar para trás nas estratégias de política naval e proteção de fronteiras.
Tais convencimentos foram traduzidos em ação pela obediência ao chamado Plan Tritón, de 5 de outubro de 1968, um secreto de Estado, que viria a consolidar a Fuerza Submarina de la Armada.
A 23 de outubro de 1970, Bogotá avançou um passo na preparação de seu poderio ofensivo no mar, e aprovou a compra de dois submarinos leves de ataque construídos em aço especial HY-80, dotados de propulsão diesel-elétrica, da Classe IKL-209: o Pijao S-28 (terminado em maio de 1974) e o Tayrona S-27 (de junho de 1975).
O primeiro teste real para a prontidão da Fuerza Submarina aconteceu na metade final da década seguinte, depois que, no domingo 9 de agosto de 1987, a (então) moderna corveta colombiana Caldas ingressou em águas de soberania mal delimitada do Golfo de Coquivacoa (também chamado de Golfo da Venezuela), defronte ao litoral de La Guajira.
Indignado, o governo da Venezuela cogitou declarar guerra a Bogotá.
O Comando Naval colombiano reagiu despachando seus submarinos IKL para a região. Eles permaneceram um mês submersos, observando, da melhor forma possível, silêncio nas comunicações. Nessa situação estiveram abaixo das rotas de patrulha das corvetas venezuelanas. O Pijao e o Tayrona transportavam, cada um, 14 torpedos filoguiados tipo SST-4.
“Altamente operativos” – Em 1999, com a chegada do Coronel Hugo Chávez ao Poder, em Caracas, os almirantes colombianos recorreram aos recursos do Plan de Defensa Nacional Orión, e, no período de 2010 a 2013, modernizaram os seus dois maiores submarinos de tecnologia alemã.
No estaleiro colombiano Cotecmar os navios foram, em parte, desmontados, para receber: sistema de combate Atlas Electronik, torpedos DM2A3 Seehecht, periscópio de busca de alvos da Cassidian Optronics, baterías americanas da marca Exide Technologies, e modificações importantes no grupo propulsor.
Atualmente, a expectativa é de que os dois barcos possam se manter na ativa, no mínimo, até o ano de 2030.
Caso os colombianos sejam capazes de aplicar-lhes os ciclos de manutenção recomendados por especialistas alemães, eles permanecerão, nesse período, considerados como altamente operativos. Ou seja: capazes de detectar ameaças (mesmo as das menores embarcações, como lanchas) a distâncias entre 40 e 50 milhas náuticas (74 e 92,6 km).
“Punta de Aguja” – Claro, a história da Força Submarina colombiana não vem transcorrendo sem sustos.
Em 1993, nas cercanias da Ilhota de Malpelo – uns 300 km para dentro do Oceano Pacífico colombiano –, o Pijao fez água.
Registros da época afirmam que um compartimento da popa foi tomado por 10 toneladas de água.
Com esse peso adicional, a parte à ré da embarcação começou a embicar para o fundo – ou para uma situação crítica que os submarinistas colombianos definem como punta de aguja.
A bordo, todos sabiam: caso a nave chegasse a uma posição vertical, dificilmente ela evitaria sua queda para as profundezas, e o colapso do casco por volta dos 350 m de profundidade.
O que salvou o navio foi a perícia e o esforço da tripulação, que logrou obter um parcial esvaziamento da inundação à ré – e, dessa forma, aguardar o socorro vindo do litoral sul da Colômbia.
Mais recentemente, no domingo 7 de setembro de 2014, o ARC Tayrona também declarou emergência.
O episódio aconteceu quando o submarino dava início a uma travessia para a costa peruana, local escolhido pelo Comando Sul dos Estados Unidos para a realização da 55ª edição do exercício naval multinacional Unitas 55.
Ao cruzar o Canal de Panamá, o barco registrou uma falha no seu sistema de propulsão que forçou o desligamento total dos motores. O Tayrona precisou retornar à sua base, na cidade de Cartagena. Na segunda-feira, 15, ele foi colocado em um galpão da Cotecmar, para que técnicos colombianos, acompanhados de especialistas alemães, pudessem detectar a origem do problema.