África do Sul: patrulhamento do Atlântico na confluência com o Índico fica aquém da meta
Por Roberto Lopes
Especial para o Poder Naval
Ao Atlântico Sul resta o zelo da Marinha do Brasil, de frota envelhecida – mas que insiste em não morrer nos atracadouros –, e a vigilância de marinhas de Primeiro Mundo, como Estados Unidos, Inglaterra e França.
A Armada Argentina está, praticamente, recolhida às missões costeiras, a Força Naval Uruguaia quase deixou de existir – seu último investimento foi de 400.000 Euros (1,75 milhão de Reais) na aquisição de duas lanchas SAR obtidas de 2ª mão na Alemanha –, e a frota sul-africana…
Bem, o quadro da vigilância nas águas jurisdicionais da África do Sul e em perímetros adjacentes está, nesse momento, em debate no Parlamento local.
O Comitê do Parlamento para a Defesa e os Veteranos Militares da África do Sul decidiu convocar a Ministra da Defesa, Nosiviwe Mapisa-Nqakula, do partido situacionista Congresso Nacional Africano, e outros executivos do 1º escalão do governo Cyril Ramaphosa, responsáveis por Segurança e Planejamento Estratégico, para que essas autoridades comentem as repetidas denúncias sobre deficiências no Patrulhamento Marítimo da área de confluência dos Oceanos Atlântico e Índico, e uma suposta degradação das capacidades da Marinha militar.
O Esquadrão 35, sediado na Base Aérea de Ysterplaat, nos arredores de Cape Town, no Atlântico, é a única unidade da Força Aérea Sul-Africana dedicada ao Patrulhamento e Reconhecimento Marítimo, atribuições de que se desincumbe operando os venerandos bimotores C-47TP – que, no período de 1991 a 1994, tiveram seus motores a pistão trocados por turboélices.
Subsidiariamente esses aviões também cumprem missões de transporte leve.
Mas as aeronaves já estão todas muito velhas – algumas com mais de 80 anos de uso (!) –, e o índice de disponibilidade do Esquadrão é cada vez menor.
Mês passado, o Comitê de Defesa foi informado de que em Ysterplaat existem, atualmente, apenas quatro bimotores de Esclarecimento Marítimo e dois de Transporte aptos à decolagem – mas que nem todos os patrulheiros podem ser considerados disponíveis ao mesmo tempo.
Segundo informações vazadas por parlamentares para a imprensa local, os C-47TP enfrentam “questões críticas de obsolescência”, e os serviços de manutenção que eles exigem estão se tornando cada vez “mais evidentes, imprevisíveis e caros”.
“Importantes eventos críticos de manutenção, que tiveram um impacto significativo na disponibilidade da frota C-47TP” foram mencionados, mas não especificados.
Depoimentos não abertos ao público e documentos enviados ao Comitê indicam: durante todo o ano financeiro 2017/2018, apenas um par de bimotores C-47TP foram mantidos, diariamente, em prontidão de voo.
Nesse período eles estavam programados para operar por 720 horas, mas não passaram mais do que 541,4 horas em missão. Permanece um segredo, porém, o quanto desse tempo foi gasto na vigilância das águas jurisdicionais sul-africanas e adjacentes, e quanto foi dispendido em simples missões de transferência de cargas.
“Com apenas duas aeronaves em uso”, observou um dos relatórios manuseados pelos políticos, “é difícil garantir uma disponibilidade operacional sustentada”.
Há outros setores da Aviação Militar igualmente fragilizados.
Ainda no ano fiscal de 2017/18, toda a frota de monomotores do tipo Cessna 208 pertencentes ao Esquadrão 41 (Base Aérea de Waterkloof, nos arredores de Pretória) permaneceu groundeada.
Um relatório preparado para o Comitê de Defesa afirma que esse modelo se encontrava “operacionalmente indisponível, devido à inexistência [de] um contrato de suporte de manutenção em vigor”.
O Esquadrão só deve voltar à atividade em janeiro próximo, e isso desde que “o contrato de suporte à manutenção, hoje em processo de finalização pela Armscor (agência de aquisição de materiais de Defesa), se encontre regularizado e plenamente vigente”.
“Deterioração constante”- O Comitê do Parlamento para a Defesa e os Veteranos Militares também foi cientificado de que há “uma deterioração constante” das capacidades do serviço marítimo da Força de Defesa Nacional da África do Sul (SANDF).
Uma recente sessão de questionamentos a autoridades (que não tiveram suas identidades reveladas publicamente) apontou: a frota padece de várias deficiências operacionais. Problemas que afetam a disponibilidade das diferentes plataformas indistintamente – isto é, tanto as de superfície quanto as submarinas.
O político oposicionista Kobus Marais, do partido Aliança Democrática, declarou aos jornais ter sido informado de que “a Marinha da África do Sul acumulou um atraso significativo na condução dos reabastecimentos das suas embarcações”, bem como na manutenção e nos reparos necessários à garantia de que haja um número suficiente de plataformas em condições seguras de prontificação e emprego.
“Apenas a fragata SAS Amatola (F145) e o submarino SAS Manthatisi (S101) foram submetidos a reforma”, observou Marais.
A Amatola foi lançada ao mar em junho de 2002, e comissionada em setembro de 2005; enquanto o Manthatisi (primeiro dos três submarinos alemães Tipo 209 adquiridos na década de 2000) foi lançado em junho de 2004, e comissionado mais de um ano depois, em novembro de 2005.
Esses navios fizeram parte de um Pacote Estratégico de Aquisição de Defesa (SDPP), e agora exigem “upgrades completos por meio de reparos e manutenções de meia-vida, de acordo com cronogramas previamente estabelecidos”.
“Para o exercício financeiro de 2017/18, o custo total de manutenção e reparos de embarcações da Marinha Sul-Africana foi orçado em 3.295 bilhões de Rands (o equivalente a 239 milhões de dólares), mas a real alocação de recursos para essas tarefas não passou dos 399 milhões de Rands (ou 28,96 milhões de dólares)”, informou um documento manejado pelo Comitê do Parlamento.
Isso permitia que apenas uma manutenção básica – ou mínima – fosse realizada, para manter os navios flutuando e, eventualmente, se movendo para algum lugar, com o objetivo de registrar “horas de mar”…
Na verdade, o serviço marítimo sul-africano ficou “amplamente dependente” de três obsoletos navios de patrulha oceânicos de 450 toneladas: SAS Isaac Dyobha (P1565), comissionado há 39 anos; SAS Galeshewe (P1567), em operação há 33 anos; e SAS Makhanda (P1569), na ativa desde 1986.
Cabe a esses barcos, armados com um canhão de 76 mm, conduzir a preparação da Força e seu emprego em áreas de acesso ao litoral, incluindo as missões anti-pirataria da chamada Operação Copper e as patrulhas de salvaguarda das fronteiras marítimas previstas na Operação Corona.
Nenhum dos dois navios de patrulha costeiros da frota (usados também como caça-minas) se encontram aptos a operar com grande autonomia, e os submarinos sul-africanos dependem, para serem mais efetivos, da aquisição de peças de reposição (válvulas de casco), que ainda não chegaram.