ARA Heroína

Destructor ARA Heroína

ARA Heroína
Destructor ARA Heroína

Por Roberto Lopes
Especial para o Poder Naval

Atracado, desde 2012, a um cais secundário da Base Naval de Puerto Belgrano – quase 670 km (por terra) ao sul de Buenos Aires –, o destructor lança-mísseis argentino Heroína (D-12), navio de 3.360 toneladas tipo MEKO 360H2, já consegue pressentir dias melhores.

Lançado ao mar na Alemanha em fevereiro de 1982 – apenas uns dias antes de a Armada Argentina atacar o arquipélago das Ilhas Malvinas (Falkland para os ingleses) –, o barco começou a experimentar dificuldades para operar ainda em 2008, quando a manutenção das suas turbinas a gás da marca britânica Rolls Royce ingressou em estágio crítico.

Nos anos seguintes ao conflito de 74 dias no distante Atlântico Sul – que ceifou a vida de 255 militares ingleses e deixou sequelas em centenas de outros –, as autoridades de Londres nada precisaram fazer além de cruzar os braços, e esperar que os estoques de sobressalentes das embarcações argentinas com motorização britânica fossem ficando cada vez mais baixos.

Até chegarem ao fundo do poço.

O ponto de inflexão dessa história aconteceu no final de semana de 9-10 deste mês, durante uma reunião no 12º andar do Edifício Libertador (prédio do Ministério da Defesa argentino), a poucos metros da Casa Rosada (sede do Executivo local) – evento com o objetivo de por um fim no isolamento militar dos argentinos patrocinado pelo governo de Londres.

Sentados à mesma mesa, o secretário de Relações Internacionais do Ministério da Defesa britânico, Roger Hutton, e a secretária de Estratégia Militar da Pasta da Defesa Argentina, Paola Di Chiaro (estrela em ascenção no establishment militar do governo Mauricio Macri) acordaram – sob o olhar atento do Embaixador inglês em Buenos Aires, Mark Kent – que a Rolls Royce voltará a dar manutenção nos navios militares argentinos que usam os seus propulsores – Heroina inclusive.

No Edifício Libertador a expectativa é de que a Inglaterra despache 16 turbinas marítimas Rolls Royce para a Marinha Argentina, e ainda libere a exportação de componentes para os modestos jatos subsônicos de treinamento Pampa III.

Claro, isso tudo tem um preço.

Os ingleses pediram, e Di Chiaro concordou com a possibilidade de o navio de patrulha polar HMS Protector, da Royal Navy, ser recebido em Puerto Belgrano, para eventuais manutenções extraordinárias e descanso da tripulação – o que, aliás, acontecia rotineiramente com navios militares do Reino Unido antes da Guerra das Malvinas.

Além disso, os dois lados definiram um mecanismo de intercâmbio de informações sobre o tratamento mental de veteranos da Guerra das Malvinas, e sacramentaram um acordo de cooperação entre as suas Marinhas para prover operações conjuntas de busca e salvamento na tormentosa área marítima situada entre as Malvinas e o litoral continental argentino da Terra do Fogo – algo que já vem acontecendo de forma informal (e, dias atrás, atendeu a um veleiro francês que transportava um tripulante ferido).

O destructor ARA Heroína durante a Unitas XXXVI, em 1995

INVAP – Obviamente, o simples levantamento da proibição de a Rolls Royce voltar a cooperar com os militares argentinos não resolve todos os problemas de (in) disponibilidade da chamada Flota de Mar (Esquadra).

Mesmo que possam voltar a navegar dentro de parâmetros confiáveis de manutenção, os quatro navios MEKO 360H2 da Armada platina continuam com os seus sensores e controles eletrônicos no padrão de modernidade proporcionado pela indústria naval europeia de 40 anos atrás.

Em 2014, o engenheiro Agustín Rossi, então ministro da Defesa do 2º governo Cristina Kirchner, chegou a acertar com a empresa argentina INVAP, da área de serviços de tecnologia, um acordo para a modernização dos sensores das fragatas Classe MEKO 360H2.

O anúncio dessa cooperação foi feito de forma festiva, com grande cobertura da imprensa, mas nunca saiu do papel.

Perda – A retomada da cooperação militar de Londres com Buenos Aires é resultado direto de um entendimento entre o presidente argentino Mauricio Macri e a Primeira-Ministra britânica Theresa May, que aconteceu durante a reunião do G-20, em Buenos Aires, há pouco mais de três meses.

Os ingleses ainda não levantaram, completamente, o boicote às vendas de itens militares à República Argentina – decisão que foi referendada pelo Parlamento britânico – mas a verdade é que esse bloqueio vem ficando, progressivamente, mais fraco.

Boa parte da boa vontade demonstrada pelas autoridades inglesas deriva, contudo, do convencimento de que as Forças Armadas argentinas perderam quase toda a sua força combativa – com carros de combate que não podem operar à noite, pouquíssimos (e velhos) jatos de combate aptos a decolar, e uma Força Naval sem submarinos operacionais, sem navios varredores e sem navios-doca capazes de carregar uma tropa anfíbia digna desse nome.

É fato que Londres preferia que os quatro patrulheiros oceânicos da Classe L’Adroit que os argentinos compraram recentemente à França para reprimir a pesca predatória em suas águas fossem destinados à Prefectura (Guarda Costeira) e não à Marinha.

Mas também é sabido que o projeto dessas plataformas não prevê Defesa Antiáerea moderna, e nem capacidade para fazer guerra antissubmarino. O único canhão (leve) e as metralhadoras do navio pouco podem fazer além de alvejar pesqueiros atuando de forma irregular.

É assim que a história da Armada Argentina está sendo reescrita.

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