Fragatas União e Liberal operando no Líbano

Fragatas União e Liberal operando no Líbano (clique na imagem para ampliar)

País, que vai incorporar mais área marítima, deve sair de missão da ONU para deslocar navio

Por Igor Gielow/Folha de São Paulo

O Brasil vai retomar sua prioridade estratégica para o Atlântico Sul, inclusive com a desativação de sua presença na única missão naval das Nações Unidas. Falta hoje, contudo, capacidade à Marinha para dar dimensão militar à pretensão.

Em agosto, a ONU (Organização das Nações Unidas) ratificará ao Brasil o controle do primeiro dos três lotes de expansão de sua plataforma continental. Um segundo começa a ser analisado no mesmo mês e, no ano que vem, deverá ocorrer a terceira etapa.

Com a descoberta do pré-sal em 2006, o Brasil acelerou o processo iniciado em 2004 para pedir o aumento da sua Zona Econômica Exclusiva, o local em que detém direitos para explorar ou conceder licença de exploração. Em 2007, a ONU concedeu 81% do que o país havia pedido, e então o governo refez a proposta.

De 960 mil km², chegou em 2018 a um pedido para aumentar as águas sob sua responsabilidade de 5,7 milhões de km² (chamada Amazônia Azul por ser similar em área ao bioma homônimo em terra) em 2,15 milhões de km² (o tamanho da Arábia Saudita).

O lote aprovado agora é o menor, na região Sul, com 170 mil km². A seguir vem uma faixa junto à linha do Equador e, depois, a joia da coroa: a área oriental, que inclui a Elevação do Rio Grande, um platô submarino que é visto como uma tentadora província mineral.

Só ele tem 920 mil km² ricos em cobalto (jazidas hoje concentradas na conflagrada República Democrática do Congo) e talvez terras-raras (quase uma exclusividade da China). Traduzindo: matéria-prima para baterias e para a indústria de telecomunicação.

“É uma aposta para as próximas décadas, mas que enfrenta desafios levantados por pesquisas recentes”, afirma Luis Américo Conti, professor de Geologia Marinha na Universidade de São Paulo.

Ele se refere à descoberta feita ao norte do Japão, divulgada em 2018, de depósitos ricos em terras-raras misturados à lama do fundo do oceano.

Apesar de estarem em um lugar três vezes mais profundo do que as áreas de Rio Grande, cujas jazidas potenciais estão incrustadas na rocha, eles podem ser de extração mais vantajosa.

Há outras riquezas a serem exploradas. “Toda a plataforma continental brasileira, com exceção de campos de gás e petróleo atuais, é território desconhecido. Pode haver regiões ricas em recursos minerais como ouro e diamantes”, diz o professor Conti.

O governo prevê, para 2020, licitar campos do pré-sal fora das regiões conhecidas.

E há a questão da sobrepesca: segundo a ONG Ação Amigos do Oceano, ligada ao Fórum Econômico Mundial, 90% das reservas de peixes já estão exauridas, o que deve abrir novas frentes pesqueiras. Hoje, 45% do pescado consumido no Brasil vem do Atlântico Sul.

Se o discurso nacionalista de que “nossas riquezas” estão ameaçadas é datado, a área militar olha com cuidado para a região.

Há pirataria e tráfico de drogas em rotas do outro lado do mar, no golfo da Guiné. Ali operam franceses e chineses tentando conter os ilícitos.

A França atua para segurar a radicalização islâmica na região de suas ex-colônias, mas é a China que dá a coloração século 21 à discussão.

O país asiático já tem forte presença econômica na África, mas de 2015 para cá tem feito pontes militares.

Já vende armas para 25 dos 54 Estados do continente, segundo o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (Londres). Montou uma grande base militar no Djibouti, mas é sua penetração em países da porção ocidental africana, como Namíbia e Gana, é que impressiona militares e diplomatas brasileiros.

Hoje, 95% do comércio mundial é feito pelo mar, e muito disso contorna a África do Sul. Os chineses estão construindo infraestrutura para combater piratas, mas nada se sabe sobre o poder dessa projeção no futuro.

Há também uma presença palpável da Otan, a aliança militar liderada pelos EUA.

O Reino Unido tem oito territórios que servem de cordão ao sul do Equador, acabando nas ilhas Falkland (Malvinas) —que sediam quatro caças Typhoon, peça de tecnologia militar mais avançada de toda a região. Já os americanos causaram rebuliço ao reativar a Quarta Frota, para a região, em 2008, mas é mais uma denominação burocrática, não tendo nem navios próprios.

Em um seminário realizado na semana retrasada em Brasília, o Itamaraty e a Defesa discutiram com parceiros europeus essa questão. O Brasil defendeu a reativação prática da Zopacas, a área desmilitarizada do Atlântico Sul.

Uma formulação do diplomata José Viegas, que viria a ser brevemente ministro da Defesa nos anos Lula, ela foi uma resposta ao conflito de 1982 pela posse das Falkland —a Guerra das Malvinas, entre Argentina e Reino Unido.

Foi instituída em 1986, mas até pela relativa desimportância da região, acabou emaciada. Sua última reunião data de 2013, por exemplo.

Aqui começa o problema prático para os militares. Sua frota principal de 11 escoltas, como são chamadas as fragatas e corvetas para operações em alto-mar, enfrenta dificuldades imediatas e futuras.

Primeiro, o tamanho em si, considerado insuficiente por especialistas. Segundo, disponibilidade de meios. Das 8 fragatas, 1 está sendo desativada, 2 estão em manutenção agora e outras 3 entrarão em 2020 —1 delas, a União, que hoje é a nau-capitânia da Unifil, a única operação naval da ONU, que patrulha a costa libanesa.

O Brasil assumiu a missão em 2011, e já teve problemas antes: teve de enviar no ano passado a corveta Barroso, um barco algo menor, dada a indisponibilidade de fragatas.

Segundo envolvidos nas negociações comentaram sob reserva, a ideia é deixar a Unifil e trazer a União de volta —provavelmente no ano que vem.

A Marinha afirma que está com capacidade plena na missão. “No entanto, estão ocorrendo desafios em áreas marítimas mais próximas ao nosso território, que poderão acarretar um reposicionamento da participação na Unifil”, afirma o almirante João Alberto de Araújo Lampert, chefe da Comunicação da Força.

Ele diz que a incorporação das quatro novas corvetas da classe Tamandaré, que devem ser redesignadas como fragatas, deve mitigar o impacto da desativação da atual frota —que tem, em vários casos, navios com mais do que os 40 anos considerados limite para uso no mar.

As Tamandarés, com entrada em operação prevista com otimismo de 2024 a 2027, enfrentam problemas próprios, contudo. O contrato vencido em abril pelos alemães da TKMS com participação da Embraer prevê um gasto de até R$ 6,2 bilhões ao todo.

No momento, há cerca de R$ 2 bilhões disponíveis, mas parte disso entrou no contingenciamento de recursos devido à crise fiscal do país.

Os militares se queixam da inconstância de dotações orçamentárias para projetos de longo prazo. “E o fazem com razão”, diz o ex-ministro da Defesa Raul Jungmann.

Ele lembra que o principal projeto associado à presença mais ativa de operação irrestrita no Atlântico Sul, o do submarino nuclear, se arrasta desde 1979 e já teve sua data de lançamento mudada de 2024 para depois de 2030.

Dos quatro novos submarinos diesel-elétricos também de projeto francês, um está em testes. Eles substituirão cinco barcos de projeto alemão, mas sua função é de defesa costeira. Pequenas embarcações, a serem abordadas por patrulhas oceânicas, são a maior ameaça a plataformas do pré-sal, por exemplo.

A Marinha é criticada também por escolhas erradas ao longo dos anos —a manutenção de um porta-aviões até 2017 é sempre lembrada como um exemplo de dinheiro jogado fora em nome de status.

As chamadas compras de oportunidade, outra marca da Força, também são alvo dos críticos. O almirante Lambert afirma, contudo, que tal política não está no horizonte neste momento.

FONTE: Folha de São Paulo

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