Relembre a experiência do recebimento do NDCC Garcia D’Avila
No 29 de outubro de 2019 a Marinha do Brasil vai desativar o Navio de Desembarque de Carros de Combate (NDCC) Garcia D’Ávila (ex-RFA Sir Galahad), irmão mais novo do NDCC Almirante Saboia (ex-RFA Bedivere), e ambos guardam muitas semelhanças.
A experiência adquirida durante o processo de incorporação do Garcia D’Ávila foi e continua sendo uma referência valiosa, fonte de muito aprendizado. Apenas para ilustrar o caso, aquela foi a primeira vez que a MB incorporou um navio pertencente à RFA (Royal Fleet Auxiliary).
Portanto, o Poder Naval julga bastante oportuna a reprodução do texto de autoria do Capitão-de-Corveta Ricardo Silveira Mello, originalmente publicado na Revista Passadiço da MB.
O projeto de entrega do navio para a Marinha do O DIAsA no Recebimento do NDCC Garcia D´Avila
Dando continuidade ao Programa de Reaparelhamento da Marinha, o Governo Brasileiro firmou junto ao Reino Unido, em 2007, o contrato de compra do ex-RFA Sir Galahad. Esse navio seria classificado como Navio de Desembarque de Carros de Combate (NDCC) e passaria a receber o nome de Garcia D’Avila. Para completar o Grupo de Recebimento (GR), foram designados dois oficiais e duas praças do Departamento de Inspeção e Assessoria de Adestramento (DIAsA) do Centro de Adestramento Almirante Marques de Leão (CAAML) para compor o Grupo de Apoio de Adestramento (GrAde), que teria a missão de aprimorar os conhecimentos sobre a condução de Inspeções Operativas na Marinha do Reino Unido, elaborar listas de verificação específicas para o meio e prestar assessoria de adestramento nos setores de Controle de Avarias, Fainas Marinheiras e Operações Aéreas.
No dia 4 de novembro de 2007, os componentes do GrAde viajaram para Portsmouth, juntamente com mais quarenta militares pertencentes ao Grupo de Recebimento CHARLIE, sendo recebidos na Base Naval HMS Nelson pelos grupos ALFA e BRAVO, que já se encontravam no Reino Unido desde setembro. O pessoal foi instalado em uma barca-alojamento, pois o navio ainda passava por diversas obras, incluindo a parte de habitabilidade. Além da barca, foram disponibilizados três contêineres com telefone e acesso à internet, que serviram como escritórios durante três meses.
No dia seguinte à chegada, os novos componentes do recebimento foram conhecer o Garcia D’Avila. O navio, que ainda ostentava em seu costado o nome Sir Galahad havia operado na Royal Fleet Auxiliary (RFA) durante 20 anos, tendo participado de importantes missões, tais como as duas Guerras do Golfo, em 1991 e 2003. Diversas obras estavam em andamento, sendo executadas pelas firmas inglesas subcontratadas. Os militares brasileiros tinham autorização para ir a bordo realizar inspeções e para, principalmente, iniciar o processo de familiarização com o navio. Seus recursos e suas peculiaridades iam sendo “descobertos” graças ao interesse e à dedicação da tripulação, pois não havia ninguém da RFA designado para transferir esse conhecimento. Além disso, alguns compartimentos permaneciam lacrados e com acesso vetado.
O projeto de entrega do navio para a Marinha do Brasil coube à Disposal Sales Agency (DSA), órgão do Ministério da Defesa (Ministry of Defence – MOD), responsável pela execução do contrato de venda (Sales Agreement) firmado entre os dois países. Naquela ocasião, muitas eram as obras sendo realizadas no navio e várias pendências foram surgindo à medida que os equipamentos eram inspecionados e postos para funcionar. Devido à complexidade desses equipamentos, foi designado um Grupo de Apoio Técnico (GrApT), composto por engenheiros do AMRJ, DCTIM e DEN, com a missão de auxiliar o GR no reparo e recebimento do navio. O conhecimento técnico e a experiência desses oficiais muito contribuíram para que várias discrepâncias, a maioria surgida com o passar do tempo e não contemplada no Sales Agreement, fossem apontadas e suas resoluções requeridas pelo GR.
Devido a essas “novas” pendências, principalmente na parte de máquinas, o handover (data em que o navio passaria para a responsabilidade da MB) somente ocorreu no dia 5 de dezembro. Pela programação inicial, a cerimônia seria realizada no dia 13 de novembro, porém os atrasos fizeram com que essa data não fosse exeqüível. Alguns eventos programados foram prejudicados, tais como o intercâmbio do GrAde com o Flag Officer Sea Training (FOST), departamento responsável pelos adestramento e pelas inspeções nos navios da Marinha do Reino Unido. Esse tipo de intercâmbio permitiria aos militares do CAAML conhecerem novas técnicas de adestramento que pudessem ser aplicadas nas futuras inspeções nos navios da Esquadra, além de lhes proporcionarem a oportunidade de contato com os simuladores utilizados por aquela Marinha e sua respectiva doutrina baseada em situações de combate.
Após o handover, a tripulação deixou a barca e os contêineres, passando a habitar o navio. Junto com a mudança vinha a responsabilidade de assumir um navio, até aquele instante, “desconhecido” e ainda com diversas obras em andamento. A tripulação passaria a controlar o trânsito a bordo e teria a responsabilidade de combater qualquer sinistro que viesse a acontecer a partir daquela data. Além do desconhecimento e da diferença no grau de adestramento entre os militares do GR, alguns recursos de Controle de Avarias (CAv) foram retirados antes de o navio ser transferido e os adquiridos para substituí-los não haviam sido entregues.
O desafio era grande. Em função de o navio ter sido transferido à Marinha do Brasil na condição de “desativado”, o GR não teve contato com sua ex-tripulação, tendo de conhecer e aprender sozinho sobre tudo. Nesse momento, a participação do GrAde foi muito importante, tendo iniciado um trabalho de pesquisa sobre os recursos de CAv do navio e a doutrina aplicada pela RFA, visando adestrar a tripulação do Garcia D’Avila para o serviço, não só durante sua permanência em Portsmouth, mas, também, na travessia para o Brasil. No primeiro mês, foram realizados adestramentos e exercícios de CAv com os quartos-deserviço aplicando a doutrina da MB.
A tarefa do CAAML foi árdua, pois, somado ao fato de o navio estar parado há bastante tempo, era a primeira vez que a Marinha adquiria um navio da RFA, com recursos de CAv e procedimentos operativos diferentes dos nossos e da própria Marinha do Reino Unido. Essas diferenças foram visíveis quando o navio passou a receber assessorias de adestramento da FLAG SHIP, firma particular formada por militares da reserva que, juntamente com o FOST, é encarregada da manutenção e condução de adestramentos de Combate a Incêndio (CBINC) e Avarias Estruturais.
Após sua chegada, a FLAG SHIP passou a realizar e a conduzir os exercícios de CAv. Nessa ocasião, a dificuldade de entendimento da língua e a diferença de doutrinas causaram uma estagnação na evolução que o navio estava apresentando com os exercícios que vinham sendo realizados pelo GrAde. Entretanto, a presença da FLAG SHIP era necessária a bordo. Uma reunião entre o GrAde, a FLAG SHIP e o navio foi realizada para que a eficiência fosse alcançada. Após esses entendimentos, houve uma evolução muito grande no grau de adestramento de todo o navio. Foram mais quatro meses de exercícios diários realizados após o expediente, com o foco nos quartos-deserviçode porto.
Devido ao número reduzido de militares componentes do GR, foram formados apenas dois reparos de CAv, com 20 militares cada, não sendo possível cumprir a composição constante no Manual CAAML-1201 (Organização do Controle de Avarias) prevista para um NDCC, que é de três Reparos, com 25 militares. Houve a necessidade de se priorizar as áreas mais sensíveis do navio e com grande potencial de ocorrência de sinistro para a realização dos adestramentos.
Sob esse aspecto, foram realizados os seguintes exercícios e adestramentos:
– uso de máscaras autônomas de ar (BA) e teste de selagem da peça facial;
– uso da roupa especial de CBINC (Fearnought Suit);
– equipamentos portáteis de CBINC;
– material de CBINC (mangueiras, esguichos, reduções etc.);
– técnicas de CBINC (ataque e reentrada);
– controle e recarga de BA;
– plotagem do quadros de avarias;
– controle de alagamentos e seus equipamentos;
– organização do grupo de CAv de serviço;
– noções básicas de escoramentos (técnicas e materiais);
– CBINC no compartimento do DGE, compartimento das hidráulicas e na carpintaria;
– alagamento/CBINC no compartimento do Bow Thruster, máquina do leme, compartimento do Bow Visor,
compartimento de bombas de JP-5 e nas cobertas de tropas;
– lançamento do sistema fixo de CO2;
– sistema de lançamento de espuma;
– alagamento no compartimento de bombas da aguada;
– CBINC na cozinha, na Praça d’Armas e sala de estar de 2º e 3º SG, camarotes e alojamentos; e
– procedimentos de isolamento de ventilação e extração.
Em março, foram iniciadas as experiências de máquinas. Era a primeira vez que o navio, já ostentando o Pavilhão Nacional, se fazia ao mar. Nesse período, foram realizados os primeiros adestramentos em viagem. Era o momento de adestrar a tripulação nos exercícios de Controle de Avarias na condição I (Postos de Combate) e nos exercícios de homem ao mar e abandono, considerados fundamentais para a segurança do navio e de sua tripulação no regresso ao Brasil.
Mesmo com a presença de firmas a bordo executando algumas obras pendentes, principalmente no setor de propulsão e máquinas, o período foi muito proveitoso e importante para criar o sentimento do trabalho em equipe e de forjar a “alma do navio”. Vários exercícios de homem ao mar foram realizados. A embarcação orgânica (Lancha Pacific) foi condicionada como o método de recolhimento, pois o navio não possuía no convés um turco capaz de realizar o recolhimento de um náufrago. Além disso, na tabela de lotação do GR, não havia praça especializada em mergulho (MG).
Nos exercícios de abandono, algumas modificações foram aplicadas com relação aos procedimentos anteriormente empregados. A RFA utilizava as embarcações de salvamento (Life Boats) no abandono do navio. No total de quatro, essas embarcações possuíam propulsão, além de serem cabinadas, característica bastante útil em regiões frias como o Hemisfério Norte. Além disso, eram utilizados pontos de encontro (musters) para o reunir da tripulação. Eram quatro musters distribuídos pelo navio, onde cada um possuía uma embarcação correspondente. Em virtude dessas diferenças e da inexperiência na utilização de Life Boats, tornou-se necessário adaptar nossa doutrina aos recursos disponíveis. Foram trocadas as Life Boats pelas balsas, como meio para o abandono, e padronizado o reunir de toda a tripulação no rancho de CB/MN, local protegido das intempéries.
Havia preocupação quanto ao desempenho na fase de mar em virtude de somente ter havido treinamento dos quartos-de-serviço no porto e devido ao pouco tempo disponível até o regresso ao Brasil. Porém, o navio soube superar as adversidades e teve uma reação acima do esperado, fruto da dedicação e da qualidade profissional dos militares do G 29.
No dia 8 de abril de 2008, o navio suspendeu de Portsmouth para uma viagem de quase trinta dias, com escalas em Lisboa, Tenerife e Maceió, cumprindo o tão esperado regresso. Para a viagem, o GrAde elaborou em conjunto com o navio uma programação com exercícios e adestramentos diários. Foram reservadas as manhãs para os exercícios práticos e uma parte da tarde para os adestramentos teóricos.
Na travessia, foram realizados os seguintes exercícios:
– guarnecimento de Detalhe Especial para o Mar (DEM) e em baixa visibilidade;
– navegação em baixa visibilidade;
– Detalhe de Homem ao Mar (método de recolhimento por lancha);
– guarnecimento de Postos de Abandono;
– vazamento de O.C. na caldeira e incêndio;
– fundeio de precisão;
– alagamento na máquina do leme;
– alagamento no compartimento do Bow Visor;
– vazamento de O.C. no MCA 3;
– incêndio no Hold;
– incêndio na coberta de SO/SG da tropa;
– vazamento pela bucha de boreste;
– incêndio na cozinha, na Praça d’Armas e sala de estar de 2º e 3º SG, camarotes e alojamentos; e
– navegação em águas restritas.
Na véspera da chegada ao Rio de Janeiro, o navio fundeou em Arraial do Cabo, suspendendo no dia seguinte, levando a bordo uma comitiva composta por Oficiais-Generais do Corpo de Fuzileiros Navais (CFN),além do Diretor-Geral do Material da Marinha, a fim de participar de uma parada naval como parte das comemorações dos 200 anos do CFN e em homenagem à chegada do navio ao Brasil.
A chegada ao porto de destino, em 9 de maio de 2008, foi um momento muito especial, mesmo para aqueles já acostumados com viagens longas e com muitos dias de mar em suas carreiras. O cais da Base Naval do Rio de Janeiro estava repleto de familiares da tripulação. A emoção era percebida nos acenos, nas diversas faixas com dizeres de boas-vindas e nas lágrimas de saudades que corriam nos rostos. Depois de encapelada a espia no cabeço da Base Naval e ouvir o apito do NDCC Garcia D’Avila ecoar pela primeira vez em sua nova sede, o GrAde pôde, finalmente, dizer:
“MISSÃO CUMPRIDA”
EM TERRA E NO MAR, NOSSO LEMA É ADESTRAR.
Precisamos de quantas embarcações como essa no Brasil? Estou falando dessas que literalmente chega no litoral e pode por veículos sem ser anfíbio?
Ishi, eu sinceridade acho que umas 5 estaria bom.
Mas, é sonho.
Douglas, esses navios que chamamos de NDCC (Navio de Desembarque de Carros de Combate) ou LST em inglês (Landing Ship Tank) estão em franco desuso e praticamente nenhuma marinha moderna ainda os opera. O entendimento é que num desembarque em áreas contestadas é por demais perigoso se aproximar dessa forma da costa. As doutrinas atuais dizem que os navios devem ficar afastados e realizar os desembarques ou por via aérea (como o Atlântico o faz) ou por meio de balsas (ou hovercrafts) que são lançadas a partir de docas alagáveis (como o Bahia o faz) ou uma combinação dos dois.… Read more »
Sim isso é verdade, mas, apenas para desembarques em regiões em áreas contestadas.
Eu ainda vejo alguma utilidade se fosse olhar no tocante a Transporte e Apoio e em treinamentos de menos monta ainda mais se puder ser empregado no desembarque de CLANfs, mas de fato, é algo datado dentro de uma força anfíbia de assalto moderna. . A questão que pega, eu acho que é que os meios de ligação de uma força anfíbia de ponta, voltada para assalto, não são coisa lá muito barata de se adquirir. E se não for um meio mais performante, como LCAC ou um L-CAT dos franceses, e a única opção for por meios convencionais (nosso… Read more »
É bem por ai, basta ver que nas principais marinhas do mundo esse tipo de embarcação não é mais utilizada, mas creio que ainda tem espaço para ela em marinhas com pouco orçamento e que utilizam esse tipo de embarcação para atender desastres naturais em locais aonde a infraestrutura foi totalmente destruída e até mesmo para missões de paz em áreas seguras. Embarcações como o Bahia e o Atlântico são infinitamente mais caras e nem todo mundo pode comprar
Os russos estão fazendo de tudo para manter os seus até que eles completem cerca de 60 anos de vida e o primeiro de uma nova classe
foi finalmente incorporado ano passado com mais um quase pronto e
uma versão de tamanho maior sendo projetada, então, dependendo de onde e como será utilizado ,há espaço para tal navio.
O novo LST turco por dentro e por fora, fiquei bem impressionado
https://www.youtube.com/watch?v=xf9c6Ki8m_A
Muito bom o video, obrigado por ter compartilhado.
Mas esse não seria um tipo de navio que ele só iria ao local depois que os fuzileiros já tivessem na linha da frente? Ou seja, iria levar os caminhões, carros e etc depois que a infantaria ou fuzileiros já tivessem na costa e “limpado” o local?
No caso, faz todo sentido adquirir o “Pisco do Peru”.
Nenhuma, não vamos projetar poder em lugar nenhum.
Pois é.
Só falam de navio. Reclamam de navio. Esquecem que Marinha se faz com gente. Com marinheiro. Com dedicação. Pega uma coisa que nunca viu, bota pra navegar, aprende fazendo e coloca pra cumprir missão. Sem nenhuma explicação e…“compartimentos lacrados e acessos vetados”.
Gente valorosa. Parabéns a vocês.
Qual o destino final?
Alguém sabe se venda ou alvo?
Ninguém sabe.
Segundo um site de notícias vai virar alvo
Passa totalmente batido que o Centro de Projeto de Navios projetou um derivado da Classe Austin no final dos anos 90 e pleiteava financiamento junto ao BNDES para construi-lo. Um projeto bem semelhante ao sul-coreano ou o turco. Talvez fosse o momento para a MB retomar tal projeto. Pura bobagem o que estou escrevendo, pois, depois, não haverá dinheiro e competência para manter. Exemplos: corvetas Inhaúma e submarinos Tupi.
Pelo visto Marujo, o que você descreveu teve início na década anterior , pois no livro “5 anos na pasta da marinha” do Almirante Maximiano o mesmo descreve a compra dos planos de um navio classe “Austin” por um preço bastante razoável de 22 mil dólares em 1984 que com a obtenção de financiamento seria construído de preferência em estaleiro particular e
havendo intenção de chama-lo “Passo da Pátria”.
Não. O que li a respeito foi na revista Segurança e Defesa, que além de informações técnicas e o pleito ao BNDES, trouxe um diagrama do barco. Foi no início dos anos 2000. Tenho a revista, vou consultar.
Acredito em você Marujo, apenas complementei seu comentário com a informação de que os planos de um classe “Austin” foram comprados na década de 1980 e se tentou posteriormente, uma concretização, o que
não foi possível novamente.
Caro Dalton, não foi outro meu entendimento. Lembrei-me da fonte da minha informação, e resolvi complementar compartilhando com os amigos.
LST 120 da holandesa Damen, um bom exemplo de LST moderno
[media] https://youtu.be/jCTPSoaUtwk [/media]
[media]https://www.youtube.com/watch?v=jCTPSoaUtwk&t=9s [/media]
Transferência de veículos do USMC para um LPD da US Navy, por um navio do US Army:
(https://www.snafu-solomon.com/2019/11/stern-gate-marriage-evolutionpics-by.html)
Este LST desembarca pela popa, além de algumas outras vantagens:
(https://www.snafu-solomon.com/2018/10/stern-landing-vessel-slv-vs.html)