O impacto do USS Nautilus, primeiro submarino de propulsão nuclear, na Guerra Antissubmarino

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Na foto de abertura, exercício em plena Guerra Fria: o submarino USS Darter no meio de uma cobertura antissubmarino (ASW), com escoltas, aviões S-2 Tracker e P-2V Neptune e helicóptero SH-34J mergulhando seu sonar


Terminada a Segunda Guerra Mundial, a arma submarina tinha evoluído bastante, sobretudo com as inovações introduzidas pelos alemães, como o submarino Tipo XXI, que possuía casco hidrodinâmico, esnorquel e baterias de longa de duração.

Em contrapartida, os meios antissubmarino também tinham evoluído, com sonares de casco de maior alcance e definição para navios, aviões equipados com sonoboias e helicópteros com sonar de profundidade variável. Além disso, armas inteligentes como torpedos acústicos tornavam a vida dos submarinistas cada vez mais difícil.

A US Navy previa que os soviéticos logo começariam a produzir em massa sua cópia do submarino alemão Tipo XXI, o que aconteceu em 1948, quando o almirantado soviético anunciou a construção de 1.200 submarinos, a uma taxa de 100 submarinos por ano.

Submarino soviético classe W (Whiskey). Foto: US Navy
Submarino soviético classe W (Whiskey). Foto: US Navy

A versão soviética do Type XXI, a classe W (Whiskey), surgiu em 1949. Em 1954, os soviéticos tinham uma frota de 345 submarinos, e em 1956 atingiram o pico de construção de 75 submarinos (63 Whiskeys e 12 Quebecs).

Os soviéticos acabaram construindo apenas 236 Whiskeys, direcionando os esforços de construção naval posteriormente para seus submarinos maiores e de longo alcance (Foxtrot e Zulu) e seus futuros submarinos de propulsão nuclear.

Para conter a ameaça submarina soviética, foram feitos enormes investimentos em acústica submarina, para detectar e rastrear os submarinos e em caso de guerra, afundá-los o mais rápido possível.

A tática de barreira era a mais usada, na qual um grande número de submarinos antissubmarino (SSK) eram empregados para bloquear os submarinos inimigos na saída de suas bases.

Os que conseguissem passar pelas barreiras, eram caçados por forças-tarefas antissubmarino dotadas de aviões e helicópteros especializados nesse tipo de guerra.

Enquanto os submarinos convencionais estavam mergulhados, propulsados por motor elétrico usando baterias, eram de difícil detecção. Mas quando empregavam o esnorquel para recarregar as baterias, se tornavam mais vulneráveis, pois podiam ser detectados por visual e radar e o ruído dos motores diesel tinha uma assinatura sonar muito maior.

E uma vez detectados, raramente os submarinos convencionais conseguiam escapar, porque eram mais lentos que os navios de superfície e podiam ser alcançados e atacados rapidamente.

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Força-Tarefa “Alfa” de Caça e Destruição de submarinos da US Navy. O Brasil tinha uma versão dela nucleada no NAeL Minas Gerais

O ponto de virada na guerra antissubmarino

Quando o USS Nautilus, primeiro submarino de propulsão nuclear, foi lançado em 1954, ainda não estava claro o impacto que ele produziria nas doutrinas de guerra antissubmarino.

Mas logo nos primeiros exercícios de treinamento com forças antissubmarino americanas e da OTAN, os resultados começaram a aparecer.

Graças à sua autonomia quase ilimitada (15.000 milhas a 23 nós), o Nautilus podia navegar em alta velocidade sem precisar expor-se usando esnorquel. Ele podia navegar mais rápido continuamente que os escoltas de superfície que precisavam de um navio-tanque em intervalos muito curtos se navegassem a essa velocidade.

O Nautilus foi reabastecido com combustível nuclear pela primeira vez em 1957, depois de 26 meses de operação e 69.138 milhas navegadas.

Ele foi reabastecido novamente em 1959, depois de outros 26 meses e 93.000 milhas navegadas.

O Nautilus também mostrou que devido à sua velocidade, podia escapar de armas antissubmarino. Por exemplo, foguetes antissubmarino Squid ou arma Alfa (assista ao vídeo acima para ver a arma Alfa em operação) tinham uma estimativa de acerto de 5 a 40% contra um submarino convencional da classe Guppy ou similar, navegando a 15 nós e 300 pés (100 metros) de profundidade.

O Nautilus provou que os mesmos foguetes tinham 1% de possibilidade de acerto contra ele, por causa da velocidade e profundidade maiores de operação.

Torpedos acústicos antissubmarino também eram muito lentos para acertar o Nautilus. Ele conseguia acelerar e escapar dos torpedos Mk.24, Mk.27 e Mk.35.

Em exercícios com a força-tarefa de caça e destruição HUK Two em agosto de 1955, ele superou os oponentes, navegando a 16 e 18 nós.

Esquadrilha de S-2 Tracker lançando cargas de profundidade
Esquadrilha de S-2 Tracker lançando cargas de profundidade

O submarino escapou facilmente de torpedos lançados contra ele, inclusive de torpedos Mk.43 lançados por aviões e helicópteros.

Os resultados do exercícios mostraram que mesmo sendo barulhento, pois o Nautilus era um submarino nuclear de primeira geração com muitos problemas ainda por resolver, ele seria capaz de afundar os 8 navios da força-tarefa, incluindo o porta-aviões, antes de ser afundado.

Durante o exercício Strikeback da OTAN, o Nautilus apresentou ameaça maior que os 21 submarinos convencionais presentes no exercício.

Navegando a 24 nós e atacando os navios de superfície à vontade, ele simulou ataque a 16 navios – 2 porta-aviões, um navio de grande porte não identificado, 2 navios-tanques, 2 cargueiros e 9 destróieres.

USS Nautilus emergindo durante exercício ASW
USS Nautilus emergindo durante exercício ASW

Durante o exercício, o Nautilus detectou um porta-aviões e seus escoltas navegando em direção oposta a 20 nós. Para alcançar uma posição de ataque vantajosa, ele teve que navegar 219 milhas durante 10 horas (média de 21,5 nós); 16 horas depois desse ataque, o Nautilus desfechou outro ataque contra um destróier navegando isolado a 240 milhas de distância do primeiro grupo.

Em outra ocasião, o Nautilus permaneceu 15 horas navegando (sombreando) uma força-tarefa sem ser detectado, até emergir de surpresa ao lado de um navio de grande porte, deixando todos boquiabertos.

Em outro exercício chamado Rum Tub, desta vez com a Royal Navy, o Nautilus mostrou mais uma vez que podia fazer o que quisesse com as forças-tarefas antissubmarino.

Enquanto navegava embaixo de um comboio, detectou e atacou o submarino Quillback que tentava atacar o navio que navegava sobre o Nautilus. Desta forma ele demonstrou sua capacidade de atuar como escolta submersa.

USS Nautilus
USS Nautilus navegando na superfície

Navegando a 22 nós, o Nautilus também detectou com seu sonar ativo SQS-4 o submarino convencional britânico Auriga a 3.000 jardas (2.730 metros) de distância e simulou um ataque.

Mais tarde no exercício, um helicóptero antissubmarino chegou a 50 jardas de uma granada marcadora verde lançada pelo Nautilus, mas quando o helicóptero lançou suas armas antissubmarino, o Nautilus já estava a 3.500 jardas de distância, portanto fora do alcance e ileso.

Até o final de 1957, o USS Nautilus foi exposto a 5.000 ataques simulados em exercícios antissubmarino. Estimativas conservadoras dizem que um submarino convencional teria sido afundado 300 vezes. O Nautilus apenas 3 vezes.

O Nautilus também provou que submarinos nucleares podem rastrear e atacar submarinos convencionais sem terem o risco de serem contra-atacados.

A partir daí, a Marinha dos EUA resolveu abandonar a construção de submarinos convencionais e aceitar os custos maiores de uma frota exclusivamente nuclear.

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Almirante Chester Nimitz no controle dos hidroplanos da proa, o vice-almirante Charles A. Lockwood no leme, e o vice-almirante Francis S. Low nos hidroplanos da popa, a bordo do USS Nautilus em junho de 1957. Para os velhos submarinistas de submarinos diesel-elétricos, o USS Nautilus foi uma revolução

FONTE: Friedman, Norman – US Submarines since 1945 – An illustraded design history

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