Memórias da Corveta Jaceguai (V31)
Por Getúlio Cidade
No dia 24 de junho de 2021, durante a Operação MISSILEX, o casco da ex-Corveta Jaceguai foi atingido por mísseis ar-superfície. Primeiramente, por um AM-39 B2M2 Exocet, lançado por uma aeronave AH-15B Super Cougar, seguido de um míssil AGM-119 Penguin lançado por uma aeronave SH-16 Seahawk.
A avaria gerada pelos impactos acarretou no afundamento na área marítima da costa do estado do Rio de Janeiro. Nessa posição, estará para sempre o casco do brioso Gato Preto que, felizmente, teve um fim digno do navio de guerra que foi. Ser afundado em alto mar, palco de suas grandes atuações, é o destino natural de um autêntico navio de guerra em todas as marinhas do mundo e com a Corveta Jaceguai não foi diferente, tendo as águas profundas do oceano Atlântico por sepultura.
A história da vida operativa da Corveta Jaceguai corresponde à boa parte da minha própria vida como oficial de Marinha, fato do qual sempre me deixou extremamente orgulhoso como profissional e como pessoa, orgulho este que nunca escondi, quer fosse dentro ou fora da Marinha do Brasil. Gostaria de compartilhar nestas linhas alguns fatos históricos bem como as memórias que guardo desse brioso navio de guerra, aquelas que vão além dos registros documentais técnicos de rotina, a fim de permitir uma maior compreensão do que representou a Jaceguai para a Marinha do Brasil e, em uma abordagem mais pessoal, para mim.
Navio de guerra projetado e construído no Brasil
A Corveta Jaceguai (V31) foi o segundo navio da classe Inhaúma, a primeira a ser totalmente projetada e construída no Brasil, o que foi um marco tecnológico para a Marinha e para o país, permitindo-nos entrar para o rol do seleto grupo de nações com capacidade de projetar e construir navios de guerra. Seu nome homenageia o Almirante Arthur Silveira da Mota, o Barão de Jaceguai, um dos heróis da Guerra do Paraguai que imortalizou seu nome no famoso episódio da Passagem de Humaitá, comandando o Encouraçado Barroso, o primeiro dos seis navios a irromper a passagem fluvial por aquela fortaleza.
O projeto das Corvetas Classe Inhaúma (CCI) foi de extrema importância para a indústria de defesa nacional, pois catalisou seu desenvolvimento em uma época econômica difícil, quando o país enfrentava a dura realidade da superinflação que atravessou a década de 1980 e primeira metade da década de 1990. O fato de ser um projeto genuinamente brasileiro, formulado e executado no país, foi de grande estímulo para a ciência e tecnologia, mais especificamente para o setor de construção naval, elevando a autoestima e o orgulho nacionais.
A ideia do projeto era produzir navios de guerra que atendessem às demandas da Esquadra que, por sua vez, reduzia gradativamente seu número de navios de escolta com o envelhecimento e a consequente saída de serviço dos contratorpedeiros da classe Allen M. Sumner e Gearing, herdados da US Navy. A concepção era de um navio de escolta de emprego geral, prioritariamente para defesa aproximada ou afastada do litoral brasileiro. Assim, as CCI foram construídas com capacidade de realizar ações de superfície, guerra antissubmarino, guerra eletrônica, defesa aérea de ponto e de apoio de fogo naval, especialmente para tiros de precisão.
Seu sistema de armas e sensores era integrado por computadores com processamento de dados táticos (CAAIS-450) e de direção de tiro (WSA-421) que podiam aumentar significativamente a quantidade de alvos acompanhados, o que diminuía o tempo de reação. Era dotada de canhões, mísseis e torpedos, bem como de equipamentos de guerra eletrônica e de defesa nuclear, bacteriológica e química (NBQ), além da capacidade de levar consigo uma aeronave orgânica. Sua propulsão era provida por dois motores diesel e uma turbina a gás para altas velocidades (sistema CODOG). Por ocasião de sua incorporação, seus equipamentos formavam o estado da arte e o navio estava habilitado a operar em todos os ambientes da guerra naval.
Mais que meras coincidências
Conforme dito acima, minha carreira como oficial de Marinha se justapõe à da Jaceguai, em especial, em seu início. Ainda hoje, intriga-me algumas datas e janelas de eventos marcantes, tanto para o navio quanto para mim, que parecem caprichosamente intercorrer. Por exemplo, o ano de batimento da quilha do navio se deu em 1984, exatamente o ano em que entrei para o Colégio Naval, iniciando minha carreira na MB. Em 8 de junho de 1987, a Jaceguai foi lançada ao mar. Três dias depois, quando se celebra a Batalha Naval de Riachuelo, eu recebia o espadim de Aspirante da Escola Naval, fazendo meu juramento à Bandeira Nacional. No dia 2 de abril de 1991, ela foi incorporada ao serviço da Armada. Além de abril ser o mês de meu aniversário, 1991 foi o ano em que realizei a Viagem de Ouro, regressando como Segundo-Tenente e sendo designado para servir na Corveta Jaceguai.
Assim, cheguei a bordo seis meses após sua incorporação, na tarde do dia 14 de outubro de 1991, juntando-me ao seleto grupo de recebimento do navio que agora compunha a primeira tripulação. Recordo-me, como se hoje fosse, toda a satisfação e ansiedade que vivi ao cruzar a prancha da Jaceguai pela primeira vez, envergando meu dólmã impecável e carregando minha bagagem repleta de uniformes e sonhos de um jovem oficial.
Estão gravados em minha memória o cheiro de tinta fresca, os cabos caprichosamente aduchados no portaló e, principalmente, a alegria desenhada no rosto dos homens que compunham a primeira tripulação da Corveta Jaceguai. Integrar-me àquela talentosa e vibrante equipe de um navio recém-incorporado à Armada fazia-me sentir um pesado fardo de responsabilidade sobre os ombros, sobrepujado, no entanto, pela honra e pelo prazer de servir orgulhosamente à nossa Marinha no navio que era a menina dos olhos da Força Naval. Aqueles oficiais e praças eram o escol dos homens embarcados, e foi com eles que aprendi grande parte da profissão naval, aprendizado este que me forjou pelo restante da carreira.
Lembro-me também com clareza de minha apresentação, juntamente com meu colega de turma que embarcara comigo, ao Comandante, o então Capitão-de-Fragata Afonso Barbosa (posteriormente, galgou até o posto de Vice-Almirante). Nós nos sentamos em sua câmara e ele falou sobre o desafio de servir em um navio daquele porte e de aspectos da carreira de oficial aos quais devíamos nos ater. Era visível sua alegria em nos receber a bordo. Depois de uma longa conversa na qual, obviamente, ouvimos muito mais do que falamos, ele nos disse que nossa chegada fora uma das melhores coisas que acontecera ao navio nas últimas semanas. Assim foi meu primeiro contato com o meu primeiro Comandante como oficial que, coincidentemente, era o primeiro Comandante da Jaceguai.
Naqueles dias, o navio vinha lutando com um ajuste nos motores para poder fazer experiências de máquinas. No mesmo dia de meu embarque, os motores foram prontificados e a notícia deixou o Comandante ainda mais feliz. Assim, desatracamos do Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro no dia seguinte para realizar as experiências de máquinas. Era meu primeiro dia de mar como oficial a bordo da Jaceguai e um dos primeiros de sua vida operativa: o Termo de Viagem nº 005 de 1991. Ainda navegando dentro da Baía de Guanabara, enquanto guarnecia meu primeiro Detalhe Especial para o Mar no passadiço, o Comandante nos chamou e apontou sorrindo em direção à Escola Naval, a boreste do canal de navegação, dizendo que ela era uma etapa vencida em nossas vidas, que tudo passa, por mais difícil que possa parecer (e só quem passa pela Escola Naval poderia captar o que ele estava dizendo). Agora os desafios seriam outros.
Estreias e uma intensa vida operativa
Os primeiros exercícios e fainas marinheiras que vivenciei como oficial foram também os mesmos da Jaceguai. Estão na memória o primeiro tiro de canhão 4.5 polegadas, o estrondo que fazia estremecer o navio, o cheiro de pólvora e a vibração do primeiro Comandante no passadiço pelo feito inédito; o primeiro lançamento de torpedo antissubmarino Mk.46 bem como os tiros dos canhões antiaéreos de 40mm; o primeiro lançamento de foguete chaff em um exercício de guerra eletrônica que atravessou a noite toda, totalizando dezenas de granadas, lançadas em salvas, espaçadas por intervalos de quinze minutos, impedindo o sono de quem não estava de serviço no horário e buscava em vão descansar antes de voltar ao próximo quarto de serviço; e assim por diante.
Guardo comigo a lembrança dessas primeiras fainas marinheiras, as primeiras milhas navegadas, os termos de viagem que se acumulavam velozmente, a emoção do apito longo ao suspender e as inúmeras viagens. Como se celebram os primeiros passos de um bebê, celebrávamos as pequenas conquistas do navio, quando éramos bem-sucedidos nos testes de máquinas, de sistemas de armas, tiros de canhões, manobras marinheiras, operações com aeronaves e tantas outras fainas. Antes da incorporação do navio ao setor operativo, participei de todos os testes de integração e aceitação dos sistemas de combate, testes de máquinas e de armamento. O sucesso da Jaceguai se confundia com o meu crescimento profissional.
Além das muitas viagens, o navio virou um cartão de visitas da Marinha do Brasil para autoridades do país e do exterior. No mar, eram inúmeros testes e adestramentos contínuos; em terra, a permanente manutenção do material e a recepção incessante de autoridades, incluindo o Presidente da República. O navio e sua tripulação não tinham descanso, literalmente, mas, no fundo, todos se orgulhavam de fazer parte do Gato Preto.
Gato Preto era o símbolo do navio que, a propósito, foi criado nessa época. Certa vez, ao atracarmos no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro, um gato preto entrou pela prancha e permaneceu no portaló, ao lado do oficial de serviço. Ali ele ficava por dias e a própria tripulação o alimentava. Quando o navio desatracava para se fazer ao mar, algum tripulante o tirava cuidadosamente de bordo e o colocava no cais. Ao regressar do mar, logo após se passar a prancha, lá vinha o gato preto novamente se alojar no portaló. Isso se repetiu tantas vezes que ele passou a ser considerado um tripulante e era um dos itens a serem conferidos na passagem de serviço dos oficiais, durante o regime de porto. Sua escolha como símbolo do navio foi unânime.
Testemunhei a transferência do navio do setor de material para o setor operativo. A Jaceguai foi integrada à Esquadra em agosto de 1992. A partir daí, a vida operativa do navio se tornou ainda mais intensa. Participamos de um exaustivo programa de adestramento da Esquadra que culminou com a inspeção de eficiência que visava colocar o navio em fase III de operação, no mesmo nível que as demais unidades. A partir de então, vieram as primeiras comissões com grupamentos operativos por todo o país, bem como no exterior.
A primeira comissão operativa foi a TROPICALEX I, em março e abril de 1993, não apenas do navio, mas da minha carreira. Visitamos os portos de Belém e Recife e, no exterior, San Juan (Porto Rico) e Port of Spain (Trinidad e Tobago). Nesta comissão, assumi a função de Oficial de Lançamento e Pouso (OLP), liderando a equipe de manobra e crash que operava com a aeronave orgânica do navio, um helicóptero Esquilo biturbina (UH-13). Em águas internacionais, tive o privilégio de conduzir a primeira faina de abastecimento em voo do navio (HIFR) com uma aeronave SH-3 orgânica ao NDD Rio de Janeiro. Durante a travessia, treinamos à exaustão para que tudo saísse perfeito e assim o foi.
Somente no ano de 1993, participamos de três comissões para o exterior, incluindo uma UNITAS com a US Navy e outras marinhas, como a argentina e a uruguaia. Além dessas comissões, ainda participamos de outras no país. Em todas, o navio era destaque de eficiência nas fainas e manobras, fato sempre ressaltado pelos comandantes das forças-tarefas. A Jaceguai era a união perfeita do material (máquinas, armamento e sensores) com marinheiros do mais alto nível profissional que inspiravam respeito quando operando com quaisquer outras marinhas.
Além da competência e profissionalismo, os períodos prolongados nas operações tornaram a tripulação em uma espécie de segunda família. O espírito do navio é formado pelos homens que o guarnecem e a Jaceguai possuía um espírito excelente, talvez o melhor que conheci em toda minha carreira. Havia um senso de responsabilidade coletivo para honrar o nome do navio e muita união, tanto entre oficiais como entre praças, sempre visando o melhor para o navio. Era uma tripulação alegre, colaborativa e coesa, o que se refletia nas fainas no mar e no porto que eram sempre bem-sucedidas. O espírito de corpo pairava na atmosfera daquele navio e era sentido por qualquer um que pisasse seus conveses.
Talvez por isso, sendo ainda um jovem oficial, a Jaceguai tenha desempenhado um papel tão relevante em minha formação. Durante meu período embarcado, assumi função nos três departamentos (Máquinas, Armamento e Operações, nessa sequência), pois a ideia era que pudesse absorver o máximo de conhecimento possível antes de seguir para o curso de aperfeiçoamento de oficiais. No mar, além de ter sido OLP, assumi também a função de Oficial de Ligação no Apoio de Fogo Naval (AFN) e desempenhei funções em viagem no Centro de Operações de Combate (COC) e no Passadiço (Manobra). Não imaginava o quanto essa miscelânea de funções me seria útil muitos anos depois, quando voltei à Jaceguai como Capitão-de-Fragata, desta vez, para ser seu Comandante.
Regresso triunfante
Naquele tempo tão distante de jovem Tenente, jamais poderia sonhar que um dia regressaria como Comandante do navio. E assim foi, vinte anos depois de ali ter embarcado, após uma longa singradura na carreira e na vida, lá estava eu retornando às minhas origens, a meu lar inicial. Pensei nos homens do mar de alma arrojada que ali conheci e que tanto influenciaram minha formação e nos muitos amigos que fiz. Pensei na despedida de meu pai que ocorrera quando estava a bordo, em uma longa travessia internacional, assim como no início do namoro com minha esposa que também ocorreu quando ali servia. Senti uma alegria inefável ao pisar novamente aqueles conveses e poder voltar ao princípio com o mesmo entusiasmo e devoção. Estava mais que sendo beneficiado por um capricho do destino, mas aquinhoado por um presente de Deus.
Em meu regresso, constatei o óbvio: assim como eu, a Jaceguai envelhecera. A elevada participação em operações navais e o número de dias de mar ao longo dos anos cobravam seu preço. O navio não era mais o mesmo em seu desempenho por um desgaste natural, em especial, das máquinas principais e auxiliares, não obstante os sensores e armamentos estarem em bom estado operativo. Por outro lado, fiz também outra bela constatação. O espírito do navio que eu ajudara a construir em sua tenra idade permanecia alegre, aguerrido e inabalável. A tripulação era outra, mas a alma pulsante era a mesma. Essa foi a maior satisfação que tive ao voltar.
Usei meu conhecimento e concentrei minhas energias em transmitir o que sabia para a tripulação, bem mais jovem e inexperiente, assim como eu fora no início. Acabei aprendendo muito também. Foram dois anos de intensas atividades, troca de informações, aprendizado contínuo e mútuo entre mim e a tripulação, e sobretudo de uma salutar convivência entre irmãos de armas. Estabeleci vínculos fraternos, como da primeira vez, formados na bonança e no estorvo de mares bravios que atravessamos juntos, os quais nem a maresia nem os anos podem corroer.
Portanto, após um longo período de separação, a mesma Jaceguai, que ainda jovem, em uma das fases mais vibrantes de minha vida, recebera-me de braços abertos e me fizera crescer profissionalmente e como homem, prosseguia me inspirando e me ensinando na idade de minha maturidade. Foi assim por todo meu comando, vivido intensamente. Não seria demais dizer que meu laço com esse navio ultrapassava os limites físicos, impostos por pisos e anteparas, mas era uma ligação espiritual, algo que transcende o visível e palpável.
A inevitável despedida
Quando recebi o convite do Chefe do Estado-Maior da Armada para a mostra de desarmamento da Corveta Jaceguai, em 18/10/2019, já estava na reserva há quatro anos. E outra vez, mais uma coincidência. O navio iria deixar o serviço ativo no mesmo mês que eu o fiz, em outubro. Embora não tenha podido participar da cerimônia por motivos pessoais, acompanhei à distância. A Marinha tratou com a deferência de sempre seus ex-Comandantes, dando uma placa com os dados do comando, acompanhada de uma réplica do Livro do Navio com as páginas referentes ao respectivo período de comando. Ambos são ícones de lembranças vastas e entesouradas do Gato Preto, os quais guardo com muito carinho.
O navio outrora valente nos mares picados, sempre imponente, quer cruzando as ondas tempestuosas ou atracado na calmaria dos portos, símbolo de conquista de nossa engenharia naval e indústria de defesa, e motivo de orgulho para todos os marinheiros que por ela passaram, estava agora reduzido a um casco atracado ao cais. E assim permaneceu até a data de seu afundamento em 24/06/2021.
Até mesmo em seu digno sepultamento, a Jaceguai contribuiu para o aprestamento do material e para o adestramento do pessoal, do mesmo modo que fez todos os dias de sua vida operativa. Ao ver as imagens de seu afundamento, foi impossível não me emocionar. Nos poucos segundos disponíveis em vídeo, enquanto via o casco da então ex-Corveta Jaceguai submergindo nas águas do Atlântico, uma enxurrada de imagens atravessou minha mente. Dentre elas, o momento em que cruzei a prancha pela primeira vez como Segundo-Tenente, bem como a última vez que a desci, com toda a tripulação formada para se despedir de mim ao passar o comando; a alegria da Praça d’Armas ao brindarmos as fainas bem executadas e os inúmeros BRAVO ZULU recebidos; a euforia ao largar as espias para se fazer ao mar e o sentimento de missão cumprida ao regressar ao porto sede.
Muitas outras lembranças afluíram naquele momento silencioso. Por último, vi a silhueta da Jaceguai registrada por uma câmera de imagem infravermelho da aeronave que filmou o afundamento com a proa inclinada para o céu, antes de dar seu suspiro derradeiro e sumir para sempre nas profundezas do mar. Ao olhar o passadiço que permanecera intacto e íntegro mesmo após o impacto dos mísseis, lembrei das incontáveis vezes em que o guarneci em manobras, ou quando ali passava horas estudando algum procedimento, ou realizando exercícios no porto, ou simplesmente contemplando o pôr-do-sol, cada um mais fantástico que o outro. Era meu local predileto do navio. Em um flash, contemplei os rostos dos muitos marinheiros com quem ali servi, ao longo dos anos, para defender nossa Pátria.
A lembrança mais forte, porém, foi de meu primeiro dia de mar na Jaceguai, em 15/10/1991, exatamente 24 anos antes de eu passar para a reserva, no dia 15/10/2015. Voltei ao início, ali mesmo naquele passadiço que ora desvanecia, e vi meu primeiro Comandante e primeiro Comandante da Jaceguai sorrindo para mim e me mostrando a Escola Naval a boreste do canal de navegação, dizendo que tudo passa. Realmente, nada é para sempre. Aquela imagem vívida na memória diante da cena do afundamento mostrou quão verdadeiras eram as palavras do saudoso Comandante Afonso, sendo que ele próprio já havia partido desse mundo.
Agora era a vez da minha querida Jaceguai. Nossa briosa e indômita Corveta também partia, após uma vida intensamente vivida. Segundo a tradição naval, os navios na área do afundamento de um navio de guerra soam um apito longo como sinal de profundo respeito e assim deve ter sido. Embora seu casco físico partisse em direção ao fundo do oceano, estou certo de que a Jaceguai jamais partirá de meu coração, nem dos corações dos homens do mar que nela tiveram o privilégio e a honra de servir em seus mais de 28 anos de serviços gloriosos prestados à nossa Marinha e ao Brasil.
Eternamente, ao “Gato Preto, Arrepiando!”.
Galeria de fotos da Corveta Jaceguai
SAIBA MAIS:
- As corvetas classe ‘Inhaúma’ e ‘Barroso’
- O sistema de armas das corvetas classe ‘Inhaúma’
- Página Corvetas classe Inhaúma e Barroso no Facebook
Páginas das corvetas classe Inhaúma no NGB – Navios de Guerra Brasileiros:
O pior de tudo não é a baixa da embarcação, mas sim a falta da reposição. Reposição usada comprada por oportunidade, ou mesmo uma nova embarcação. Como dizem … Duro não é ter, Duro é manter. Poderíamos pelo menos manter uma Força Naval … Mas vivemos sonhando com a maior e melhor Marinha do Mundo de todos os tempos da última semana. Menos Lagostas, Vinhos, Champanhes, Camarões e Almirantados. Mais meios navais. E Marinha que não tem embarcações não merece ter Aviação Naval de Asas Fixas. Uma vergonha ter 5 IKL’s e 1 operacional. Os IKL’s ainda tem muito diesel… Read more »
Mau. A falta da continuidade. Perdemos quem fizeram. Lembro de algumas críticas ao projeto e ao navio enfrentando caturros com a água batendo no canhão. Disseram em resposta que era devido ao tamanho e peso da superestrutura. Que privilegiaram a manobra do navio para o fogo rápido do canhão e que a evolução corrigiria o que se fez. Acho que li isso aqui. Essa conta de manter. Também disseram que nosso mar é severo com os navios (haja visto os afundamentos de embarcações menores na Costa Verde de SC até RJ), que a água de sal batendo no aço é… Read more »
Esteves, quem decide por aqui, decidiu que, assim como está, está muito bom, e que pode até melhorar mais (pra eles) se piorar mais pra todo o resto. A desigualdade e concentração de renda não existem como meros acidentes de percurso… Quem ouve a voz de uma nação que não existe? Israelenses ou Russos perguntaram ou advertiram, respectivamente, algo pra Síria antes de atacar aquele porto? O Brasil existe, mesmo, ou é apenas o efeito de grupelhos fracamente articulados, em competição destrutiva contínua, explorando a paisagem e violentando a massa humana à mão?
Alex,
Obrigado a você também. Vossos pensamentos são meditativos e reflexivos.
Muita prosperidade em 2022. O Brasil…afinal, quem liga para o Brasil?
Esteves, um próspero 2022 pra você e pra todos nós.
Deveriam ter produzido mais unidades da corveta Barroso. Creio que a Barroso é uma classe Inhaúma modernizada.
Perder um navio é triste.
Perder um navio e não ter outro pra substituí-lo, é ainda mais triste.
Mas perder a capacidade de produzir novos navios é a pior coisa de todas.
Se a MB tivesse mais 5 ou 6 corvetas como essas, cada uma delas sendo melhorada conforme a experiência adquirida com a construção da anterior, a MB não estaria no atual estado em que se encontra.
De qualquer modo, bonito relato o do autor.
A trilogia poderia trazer mais relatos como esses.
“Perder um navio é triste.
Perder um navio e não ter outro pra substituí-lo, é ainda mais triste”.
Falou tudo ! Se ao menos a cada descomissionamento de qualquer navio, seja de que classe e função for, já deveria haver um plano para quando esse dia chegar, haver recursos para adquirir um sucessor…
Mas não há, parece que tudo é planejado nas coxas!
Pelo estado em que as coisas caminham, cada Tamandaré ( quando ficarem prontas, Deus sabe quando ) vai ter que substituir 2 ou 3 escoltas, tamanha a discrepância de quantidade entre os meios que estão sendo aposentados e os que são comissionados.
Vale lembrar que a MB pediu 7 bilhões para as Tamandarés. Ganhou 10 bilhões.
Com o orçamento que há…não teria sido possível assinar o contrato.
Considerando-se como o Real está cada vez mais desvalorizado, e considerando-se a quantidade de componentes, sistemas e armas importadas que as Tamandarés terão, a MB vai ter que fazer milagre com esses 10 bilhões.
Pior seria se não tivessem.
Com todos os outros surtos construtivos também foi assim.
Quando chega a hora de atualizar, modernizar, repor…a moeda nacional frente aos preços internacionais inda que alguma nacionalização tenha sido feita e aí entram os custos locais como aço e óleo…enfrentamos o verdadeiro inimigo.
A realidade.
Mal armadas e mal amadas. Assim foi a vida das Inhaúmas. As fotos são do tempo em que a MB tinha algo que se parecia com uma esquadra.
Navio que vem, navio que vai. Perder um navio para o mar é a vida do navio. Peder a capacidade construtiva e a competência naval não pode ser da vida. Pode ser a morte.
Aonde estaríamos e o que estaríamos fazendo tivéssemos evoluído? Não tivéssemos interrompido o atrevimento dos desafios, provável que a Classe Tamandaré de fragatas nacionais existisse?
Parabéns aos brasileiros. Parabéns aos Marinheiros.
Uma das maiores realizações que tive na minha vida foi ter trabalhado no projeto das Corvetas da Classe Inhaúma, na Diretoria de Engenharia Naval, desde o primeiro dia do projeto. Na época, fui encarregado da Divisão de Arquitetura Naval e Divisão de Estruturas e Acessórios do Casco. E, também participei das provas de mar, com o Comandante sendo o meu grande e saudoso amigo Afonso Barbosa que foi meu colega no primeiro ano do Colégio Naval, em 1964. Ótimas lembranças, tempo bom de projetos que chegaram a um bom resultado, apesar de nossa relativa pouca idade. E de termos tido… Read more »
Espetacular.
Meu respeito!
Aos antigos tripulantes deixo o nosso grito de guerra: GATO PRETO, ARREPIANDO; “HOLDARY’!! Assim que comemorávamos cada final de faina.
Servi por duas ocasiões no Gato Preto. A primeira quando saí do curso de especialização em motores (1994 -1998) e a segunda após o aperfeiçoamento em motores e formação de sargento(1999 – 2003). Muita água e longas horas de fainas e reparos.
Deveriam ter produzido mais unidades da corveta Barroso. Creio que a Barroso é uma classe Inhaúma modernizada.
Sim.
É verdade, deveriam ter produzido mais unidades da Barroso. Não estaríamos em estado tão calamitoso como agora.
E acredito que a MB ainda espaço pra esse tipo de navio.
“GATO PRETO, ARREPIANDO!” “HOLDARY”, e depois aquela música tema das vitórias de Ayrton Sena…ahh quanta saudades, Pedro! Fiz ATLASUR (1995) e CARIBEX (1996), quantas histórias, quantos risos e quantos choros, pq chorar é humano… Naquela proa eu chorei, e como….quando viemos em Belém na pernada de volta para o Caribe…uma espada transpassava meu coração na despedida da minha mãe e da minha terra…ensinamentos. E por ela, depois de 25 anos, veio a maior prova de amor do meu pai, num quarto de hospital, recebendo quimioterapia…ele levou uma caneta da V31 que ganhará de mim em 1995, e guardara durante todos… Read more »
Com certeza meu amigo. Ali vivemos uma história que trazemos guardada em nossas mentes e corações. A saudade das amizades ali construídas são tantas… que tempos bem vividos e aprendizados profícuos.
O texto é tão magnífico que vou me ater de fazer qualquer crítica a Marinha do Brasil sobre falta de escoltas, mau uso do orçamento, etc.
Só quero deixar registrado o BZ para o autor do texto por sua vida e por estar ligado a um navio assim. É um privilégio para poucos. E o texto está muito bem escrito, deu para sentir e imaginar como foram as experiências a bordo para o autor.
Uma série com esses relatos daria uma bela adição de conteúdo para o PN
Sem dúvida. Muito bom mesmo.
Depoimento muito bonito e rico em detalhes. Realmente tudo passa. Mas também tudo fica. Depende de como encaramos os acontecimentos.
Parabéns ao Poder Naval pela postagem.
Era um belo navio,mostra o quanto podemos fazer, basta ter foco.
Muito bacana o texto, empolgante e bem feito, o navio em si é bonito, com aparência de uma boa belonave, porém, sem nenhum sistema de míssil com capacidade AAe, mostra que o projeto nasceu morto, obsoleto e fora da realidade de qualquer teatro de guerra moderno, me desculpem, mas usar canhões para defesa AAe pertence ao tempo da WWII.
29/12/2021 – quarta-feira, bnoite C.Crispim, desculpe-me discordar, para uma corveta, naquela epoca, e dentro da realidade brasileira, não estava obsoleto, estava pouco armada, e, levando-se em conta que seria (caso houvesse) um ponta pé, tivemos depois mais uma da classe Barroso, no qual corrigimos muitos problemas existentes na classe inhauma; nosso (MB), foi não ter conseguido verbas para a continuidade, caso houvesse continuidade as classe Tamandare, estariam sendo construidas no Arsenal, aqui no RJ, e, não em Sta. Catarina, em um estaleiro particular (quem tem que receber pelo serviço), uma maneira queiramos ou não que ajuda a encarecer o custo… Read more »
O Arsenal não constrói navios acima de 2 mil toneladas. A intenção, pelo que disseram, é manter o Arsenal construindo navios até 1.800 toneladas. Privado ou público, empresa pública ou empresa privada, recebem pelo que fazem. Existe estatal como a Emgepron que não tem receitas. Faturam por demanda. Existe estatal como a Petrobras que fatura um montão, mas é difícil apurar lucro na atividade. Publicaram aqui no PN sobre as encomendas marinheiras nos EUA. Estaleiros públicos e estaleiros privados disputam os pedidos. É uma forma de garantir competição, produtividade, preço final nem sempre menor mas, adequado ao orçamento. Foi uma… Read more »
30.12.21 – quinta-feira, bdia; Mestre Esteves, vou contradize-lo, Arsenal, não construiu nenhum navio acima de 2000t, ultimo navio construido corveta Barroso; vai la, que houvesse continuidade da construção e não esse vacuo, com perda do maquinario e da mao de obra….. sera que hoje mais de 15 anos apos ultima construção, caso… caso.. tivessemos continuado nao poderiam as Tamandares serem construidas???? Uma pergunta sem resposta…. 1) paramos no tempo, perdemos conhecimento; 2) hoje com a descontinuação, com vacuo deixado, com novos comandantes, mudou muita coisa; 3) o descontinuamento do projeto(s), foi a principal causa de hoje termos que contratar construção… Read more »
Otimo final de Ano, voce e seus familiares.
Sim. O que a MB disse é que o Arsenal será destacado para construírem navios até 1.800 toneladas.
Quanto ao tempo…o tempo não existe. Aqui nesse país habitamos o espaço. Espaço vago.
O que é ciws Mestre Crispin, é ao que se Pretende?
Close In Weapons Systems. Exemplos o GoalKeeper e o Phalanks.
Mestre Pedro, rRzrzr deixa o mestre Crispin responder…..rzrzrz
Não judia…
2022 de nenhuma baixa e muita prosperidade ao Mestre.
Pelo contrário, o sistema de armas das corvetas era moderno, foi projetado para derrubar mísseis antinavio como o Exocet:
https://www.naval.com.br/blog/2009/03/28/o-sistema-de-armas-das-corvetas-classe-inhauma/
Não me canso de ler histórias assim. Algumas pessoas tem modelos de navios em casa,
meu caso, enquanto outras tem o privilégio de vivenciar o mar e ainda são pagas para isso 🙂
Camarinha, da minha turma da EPCAR, acho que comandava a Jaceguai por ocasião das buscas do AF447. Hoje é prático no Rio.
Sim, ele mesmo! Foi meu comandante neste período. Fomos para o SAR do AF-447.
Tomaram banho de chuva no convôo pra economizar água? História que ele me contou na reunião de turma.
Muito bacana!
Era de navios assim, com deslocamento de 1.500 a 2.000 toneladas, que penso que deveríamos ter em grandes quantidades para patrulhar nossas águas, sendo construídas localmente. Vejo esse potencial na Classe Amazonas, que poderia ser feita às dezenas e distribuídas para os Distritos Navais.
Sim. Mas não as Amazonas. Compramos o direito das 3. Compramos as 3 com os direitos para as 3. E ponto.
Foi o que disseram na época para pagarmos o preço que pagaram.
Belissima história.
Pena que, aos poucos, não haverá mais navios que originem novas.
A foto na qual estão reunidas todas as 04 corvetas é o que se resumiu toda a esquadra brasileira numericamente operacional.
Onde irão operar a parte dos 73 mil efetivos capacitados para tal mister?
A MB supera em efetivos a Royal Navy, a que um dia foi a maior marinha do mundo. Tem mais que o dobro!! Dêem um Google.
Você aparentemente não está incluindo a Royal Fleet Auxiliary cujo pequeno número de 1800 pessoas é normalmente complementado por pessoal da reserva. . Além disso a marinha brasileira conta com um número relativamente grande dos chamados meios distritais responsáveis pelo patrulhamento da costa, rios, assistência hospitalar, balizamento, etc e também há os meios de pesquisa. . O Reino Unido por sua vez tem meios de Guarda Costeira e Pesquisa separados e não tendo uma extensão territorial tão grande pode depender de menos pessoal. . Não digo que não haja excesso de pessoal na marinha brasileira, apenas, não acho que seja… Read more »
Há cerca de 30 – 40 anos atrás a MB tinha de efetivos em torno do que atualmente a Royal Navy tem atualmente. A MB tinha muitos mais embarcações do que atualmente. Embarcações antigas, que exigiam uma tripulação maior. A informática estava engatinhando nessa época. Quer dizer, uma burocracia gigante.
Os avanços atuais não comportam tantos efetivos.
Os meios distritais estão tão carentes de material quanto os da esquadra.
Concordo que há excesso e há um plano de reduzir o efetivo gradativamente, mas comparações com a Royal Navy tem lá seus problemas porque lá falta pessoal diminuiu-se o número de fuzileiros navais,conta-se normalmente com reservistas forças estrangeiras, guarda costeira e meios de pesquisa separados, até mesmo os mísseis “Tridents” utilizados nos SSBNs são de propriedade americana e ficam estocados na costa leste dos EUA refletindo no efetivo. . Hoje a Royal Navy tem cerca de 40.000 pessoas incluídos os fuzileiros navais mas, certamente a RFA, reservistas, guarda costeira, meios de pesquisa apoio estrangeiro, etc, devem aumentar consideravelmente esse número… Read more »
Embarquei na V-31 em duas fases: como segundo-tenente (2005-2007) e após o Curso de Aperfeiçoamento (2008-2010).
Os comandantes que com que eu servi foram: VA Silva Lima, CMG (RM1) Camarinha e CMG (RM1) Vasques.
Mesmo com muitas dificuldades de material a tripulação era muito boa. Logo, as dificuldades eram superadas facilmente.
Bela declaração de amor de um marinheiro a seu navio. Uma postagem pra guardar na lembrança.
Boa estória !
Muitas assim no meio civil e militar foram perdidas infelizmente porque não foram registradas.
Circularam na forma oral e sumiram com as pessoas e o tempo.
Graças a instrumentos simples como o smartphone, formatos e mídias digitais, esta e outras podem ser preservadas para sempre.
Parabenizo ENFÁTICAMENTE o depoimento espetacular do cmd GETÚLIO, Afonso XVII,
São profissionais deste nível que respeitamos. Brasileiros como esse são exemplares e é em nome deles que precisamos fazer também a “nossa parte”.! Feliz novo ano a todos.
Texto fantástico. Obrigado pelo depoimento come Getúlio. Sempre tive o sonho de servir a Marinha do Brasil inspirado no meu pai, e por ter vivido a marinha por toda a minha infância. Apesar de ter tentando, alguns acontecimentos não me permitiram realizar esse sonho. Por isso me tornei um fã dos equipamentos militares em geral. Seu site é sensacional.
Obrigado por esta rica contribuição.
Parabéns pelo texto Getúlio, como lhe falei, as CCI foram uma escola para poucos…
Como tripulantes da V-32 juntos, participamos das sugestões para o aprimoramento da Classe, resultando na Corveta Barroso (V-34), onde embarquei para participar do seu Teste de Mar. Posteriormente, como Comandante da V-30, ao operar com a V-34, confirmei seu potencial e desempenho superior as CCI, caminho normal, porém não teve continuidade. GATO PRETO, ARREPIANDO; “HOLDARY’!!