Por Sérgio Santana*

Dando continuidade à descrição de como o estado de alerta é executado em cada uma das forças estratégicas da Federação Russa, segue o detalhamento de como tal procedimento é materializado na Marinha russa.

Não é possível confirmar, mas é lógico concluir que o anúncio oficial por parte do presidente russo Vladimir V. Putin de que havia ordenado ao Ministro da Defesa e ao Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas da Federação Russa que colocassem “as forças de dissuassão” em alerta veio algum tempo depois, ao menos no âmbito da Marinha, de uma complexa movimentação dos submarinos nucleares armados com mísseis balísticos, no que se convenciona denominar de “patrulha de combate”, integrada por quatro fases: partida da base; passagem para a área de combate específica; patrulha de combate e retorno para a sua base.

Considerando que a contínua escalada do conflito entre forças russas e ucranianas naturalmente resulta em um maior reforço na vigilância sobre as bases russas por parte do conjunto de sensores do adversário (notadamente satélites), a parte mais crítica da patrulha de combate é a partida do porto, que necessariamente deve ser executada entre os intervalos (geralmente um a três dias) da passagem do satélite sobre a base naval.

A rota dos submarinos russos de mísseis balísticos é planejada pelo Diretório Operacional da Marinha em conjunto com o Estado-Maior da Força. Tais rotas de patrulha são planejadas de acordo com os planos operacionais do Estado-Maior das Forças Armadas, que estipulam o número de tais submarinos que devem estar em estado de alerta nas suas bases.

A partida dos submarinos russos deve ser executada o mais silenciosamente possível, de preferência à noite e/ou sob condições meteorológicas desfavoráveis, com o submarino navegando submerso por algumas dezenas de milhas náuticas a fim de enganar o adversário. Objetivando detectar algum submarino adversário nas proximidades, a partida dos SSBN russos é precedida de uma ampla operação de busca e perseguição por parte de forças de combate antissubmarino. Uma vez que nenhum inimigo tenha sido detectado, o submarino russo parte acompanhado de efetivos de Spetsnaz navais, navios de escolta, varredores de minas e helicópteros antissubmarino.

SSBN classe Borei

A passagem para a área de combate específica, dependendo do destino, pode demorar até 13 dias, durante os quais a tripulação do submarino deve driblar (ao seguir navios mercantes ou mudar momentaneamente seu curso) a rede de sensores submarinos da OTAN, que ao detectar alguma alteração usualmente aciona aeronaves antissubmarino. É frequente também que os SSBN russos durante essa fase da patrulha de combate contem com o apoio de um submarino de ataque, que pode seguir o seu mesmo curso ou adotar outro, de modo a despistar potenciais ameaças.

Uma vez tendo atingido a área onde deve executar a sua patrulha de combate, o SSBN em questão necessita ser protegido contra detecção e neutralização adversária, de modo a assegurar ao mesmo tempo que receba as ordens necessárias para o cumprimento da sua missão e possa executá-la, o que é proporcionado pelo estabelecimento de regiões seguras dentro da zona de patrulha.

Essa dificuldade na detecção é obtida tanto pelo projeto dos submarinos atuais, cujo ruído se assemelha aos encontrados no fundo do mar, quanto pela velocidade reduzida durante o deslocamento nessa zona, geralmente 4-5 nós (7.4-9.2km/h), o que resulta na impossibilidade do submarino ser detectado a mais de algumas de dúzias de quilômetros.

Outras medidas de proteção incluem navegação à profundidade adequada para receber sinais de rádio com ordens, ativação do sonar no modo passivo e manobras periódicas em 180 graus para assegurar-se de que não está sendo perseguido.

O comando e controle do submarino em patrulha de combate é exercido pelo Estado-Maior naval através do quartel-general da frota com o auxílio de um sistema de instalações transmissoras e receptoras de sinais de rádio e satélite operando continuamente atráves do território russo.

O sistema para o comando e controle das forças estratégicas navais compreende canais de comunicação operando segundo princípios físicos diferentes, o que melhora a confiabilidade do sistema inteiro sob as condições mais desfavoráveis. Ele abrange instalações transmissoras/receptoras fixas operando em diferentes bandas do espectro; estações retransmissoras instaladas em aeronaves, embarcações e satélites; transceptores terrestres móveis; e por fim transceptores e estações hidroacústicas.

Os elementos do sistema são conectados entre si por cabos linhas de retransmissão de comunicação por rádio.

A comunicação garantida de comandos aos submarinos em patrulha de combate é assegurada por suas transmissões simultâneas em diferentes partes do espectro, incluindo pelo menos duas em ondas muito longas, cinco em ondas curtas e cinco em frequências de comunicação por satélite. Os sinais são transmitidos regularmente de acordo com a programação específica dos SSBN.

Ademais, estes submarinos recebem sinais transmitidos usando ondas eletromagnéticas em frequências muito baixas. Estes sinais, a uma frequência de poucas dúzias de Hertz, em contraste com as ondas eletromagnéticas mais curtas, podem penetrar a água à uma profundidade de 200-300 metros. Sinais emitidos pela estação de frequência muito baixa “Zevs” na península de Kola podem ser registrados pelos SSBN em qualquer parte do mundo.

A taxa de transmissão no canal de frequência muito baixa é um tanto baixa, então ele é empregado apenas para a transmissão de comandos gerais em códigos especiais para todos os submarinos em patrulha de combate. Assim, um único código pode ser usado para transmitir a mensagem “Emergir para a ordem de usar armas” ou “assuma posições plenas de prontidão de combate”. Em tempo de paz, este canal periodicamente transmite o código de “situação normal” em tempos determinados. A falta de recepção deste código no tempo determinado é um aviso de um estado de emergência.

Sinais de ondas de baixa frequência podem penetrar a água à profundidade de até cinco metros. Para receber esses sinais, os SSBNs têm de emergir à profundidade de periscópio ou usar antenas receptoras rebocadas. Atualmente há cinco estações fixas transmissoras destes sinais em Molodechno, Nizhni Novgorod, Tashkent, Krasnodar e Khabarovsk. O canal destas frequências é usado para a transmissão de ordens gerais para todos os submarinos e de sinais de gerenciamento de batalha.

Tupolev Tu-142MR

Ainda há as estações terrestres móveis e as montadas em aeronaves Tupolev Tu-142MR “Bear-J”, usando o sistema “Oryol”, caracterizado por uma extensa antena flexível com um contrapeso na ponta.

A rede russa de radio-comunicação mais diversificada utiliza bandas de ondas curtas e ultracurtas e é composta de numerosas estações retransmissoras e centros transmissores fixos e móveis. A rede também inclui estações retransmissoras em embarcações, aeronaves e satélites. O principal inconveniente das comunicações em ondas curtas e muito curtas é que o submarino necessita empregar suas antenas, assim revelando sua posição.

Comunicações de sons subaquáticos podem ser usadas juntamente com as comunicações de sinais de rádio em alguns casos. A sua principal vantagem é a ausência da necessidade de emergir ou usar antenas rebocadas. O raio operacional de tais comunicações não excede os 30 quilômetros.

Um SSBN em patrulha de combate geralmente não transmite qualquer informação à sua base. As ordens de serviço que são dadas para o seu Oficial Comandante juntamente com a rota de passagem antes que o navio deixe a base, listando as situações nas quais o contato via rádio é possível. Estas situações podem incluir a detecção de tentativas de acompanhamento das quais o submarino não pode evadir-se, um acidente de grandes proporções a bordo, uma emergência médica ou a morte de um membro da tripulação.

Tais ordens de serviço também contemplam transmissões periódicas de rádio para o submarino. Em tempos agendados, o submarino emerge para a profundidade de periscópio e emprega sua antena para receber a informação transmitida nas bandas de ondas médias, longas, curtas e ultracurtas. Os SSBNs mais recentes também podem receber sinais na profundidade operacional, desde que estejam equipados com antenas rebocadas para a recepção de sinais exteriores.

SSBN russo Delta IV

Quando recebem ordens para tal, os submarinos movem-se para as áreas de posição de lançamento dos seus mísseis. A localização de tais áreas é indicada no pacote do Estado-Maior que será aberto depois da transmissão da ordem para estabelecer status de alerta vermelho e prosseguir para as àreas de lançamento.

Outro pacote do Estado Maior mantido no cofre pessoal do Oficial Comandante do SSBN será aberto após a transmissão da ordem para usar armas nucleares. O pacote conterá os códigos que terão de ser inseridos no controle de mísseis do submarino e no sistema de guiagem para lançar o míssil. A decisão de inserir o código e lançar o míssil será tomada apenas após a autenticidade da ordem ter sido verificada simultaneamente por dois indivíduos: o Oficial Comandante e o Imediato do SSBN.

Os procedimentos de pré-lançamento começam depois que o submarino chegar à área de lançamento e incluem a ida para a profundidade de disparo, o ajuste preciso da localização do submarino, testes dos principais sistemas de mísseis e de pontaria para o alvo. Tais procedimentos não demoram mais que 15 minutos. E todos os mísseis podem ser disparados em um tempo consideravelmente menor.

Existe a possibilidade de que os SSBNs tenham seus silos de mísseis recarregados no oceano através de navios especialmente projetados para este fim, após terem sido usados em um primeiro ataque, sem que precisem voltar à base. O estado atual destes navios, contudo, é incerto.

O SSBN Dmitriy Donskoy, último restante da classe Typhoon, é usado para testes dos mísseis balísticos Bulava

*Colaborador da Shephard Media, Autor de livros sobre aeronaves de Inteligência, Vigilância e Reconhecimento

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