HMS ‘Sheffield’: as falhas que levaram à perda do navio na Guerra das Malvinas/Falklands
Relatório secreto revelado sobre o desastre mostra que os oficiais ficaram ‘hipnotizados’ pela visão do míssil chegando e não conseguiram acionar o alarme
Por Ian Cobain – The Guardian (2017)
O catálogo de erros e falhas que terminou no naufrágio de um destróier da Royal Navy durante a guerra das Malvinas foi revelado depois de ter estado encoberto por 35 anos.
Vinte pessoas morreram e 26 ficaram feridas quando HMS Sheffield foi atingido por um míssil Exocet argentino durante os primeiros dias do conflito de 1982. Foi o primeiro navio de guerra da Royal Navy a ser perdido em combate desde a Segunda Guerra Mundial.
O relatório da comissão de inquérito sobre a perda do Sheffield, que finalmente foi tornado público, revela os motivos completos por que o navio estava completamente despreparado para o ataque.
A comissão constatou que dois oficiais foram culpados de negligência, mas escaparam dos tribunais marciais e não enfrentaram ações disciplinares, aparentemente para evitar prejudicar a euforia que tomava grande parte do Reino Unido no final da guerra.
Um resumo altamente censurado das descobertas da comissão foi divulgado pelo Ministério da Defesa em 2006, mas a redação do texto escondeu todas as principais conclusões e críticas da comissão, incluindo as constatações de negligência.
Também foi ocultado o alerta da comissão de que havia “deficiências críticas” no equipamento de combate a incêndio, a bordo de destróieres Type 42, como o Sheffield.
Denominado “Secret – UK Eyes Bravo”, o relatório completo e não censurado mostra:
- Alguns membros da tripulação estavam “entediados e um pouco frustrados pela inatividade” e o navio não estava “completamente preparado” para um ataque.
- O oficial de guerra antiaérea deixou o centro de operações de combate (COC) do navio e estava tomando um café na praça d’Armas quando a Armada Argentina lançou o ataque, enquanto seu assistente também havia deixado o COC para aliviar-se no banheiro.
- O radar a bordo do navio que poderia ter detectado o avião de combate Super Étendard se aproximando foi desligado para uma transmissão de satélite para outra embarcação.
- Quando um navio próximo, o HMS Glasgow, detectou a aeronave que se aproximava, o principal oficial de guerra no centro de operações do Sheffield não conseguiu reagir, “em parte por inexperiência, mas principalmente por inadequação”.
- O oficial de guerra antiaérea foi chamado para o centro de operações de combate, mas não acreditava que o Sheffield estava no alcance da aeronave Super Étendard da Argentina que levava os mísseis.
- Quando os mísseis atacantes estavam à vista, os oficiais no passadiço foram “hipnotizados” pela visão e não transmitiram um alerta à tripulação do navio.
A comissão de inquérito descobriu que o erro do oficial de guerra antiaérea foi baseado em sua leitura de uma avaliação de inteligência da ameaça argentina, que havia chegado a bordo em “um calhamaço considerável e assustador” de papel que era difícil de compreender. - Enquanto a tripulação do navio estava ciente da ameaça representada pelos mísseis Exocet, alguns parecem ter pensado que o Sheffield estava além do alcance da aeronave Super Étendard, porque eles desconheciam que os aviões poderiam ser reabastecidos no ar.
A comissão também concluiu que o “infeliz” comandante do Sheffield, o submarinista Sam Salt, e seu imediato, um aviador naval, tinham “pouca ou nenhuma experiência relevante de navio de superfície recente”.
No evento, ninguém chamou o comandante. Seu navio não foi para “postos de combate”, não disparou nenhuma nuvem de chaff na tentativa de desviar os Exocets e não se voltou para os mísseis atacantes, de modo a reduzir o perfil do Sheffield. Além disso, algumas das armas do navio estavam descarregadas e não tripuladas, e nenhuma tentativa foi feita para derrubar os mísseis recebidos.
Um dos Exocets atingiu o costado de boreste do Sheffield a cerca de 8 pés (2,4 metros) acima da linha de água, fazendo um buraco de 4 pés de altura e 15 pés de comprimento. Ele penetrou até a cozinha do navio, onde se pensa que oito cozinheiros e ajudantes foram mortos instantaneamente. O fogo entrou em erupção em segundos e o navio se encheu de fumaça.
Doze pessoas pareceram ter sido engolidas pela fumaça, incluindo cinco que permaneceram de prontidão no Centro de Operações de combate do Sheffield até que fosse tarde demais para que eles tentassem escapar. Alguns feridos sofreram graves queimaduras.
O relatório diz que nos esforços de combate a incêndios “faltava coesão” e eram “descoordenados”, e que, embora a equipe tentasse enfrentar as chamas, “não estava claro onde o comando do navio estava localizado”.
O tubo principal através do qual a água foi bombeada para combate a incêndio rompeu-se, enquanto várias bombas falharam e descobriu-se que as escotilhas de escape eram pequenas demais para as pessoas que usavam aparelhos de respiração. A tripulação do navio não pôde controlar o incêndio e Salt deu a ordem de abandoná-lo.
O The Guardian entende que no momento em que as conclusões da comissão foram suprimidas, o governo britânico estava tentando vender os destróieres Type 42.
Em Londres, na noite do ataque, em 4 de maio de 1982, o secretário de Defesa, John Nott, disse aos Comuns que o caça argentino provavelmente havia voado sob o radar da Marinha. No dia seguinte, o fabricante francês do Exocets, Aérospatiale, emitiu uma declaração descrevendo seu míssil como infalível.
Os jornais da Fleet Street informaram seus leitores sobre esta “maravilhosa arma da era espacial” e a descreveram como “um míssil que não podia errar”. Na verdade, parece que, mais tarde, na guerra das Malvinas, alguns foram desviados com chaff.
O incêndio a bordo do Sheffield queimou por dois dias. Seis dias após o ataque, de acordo com a história oficial, o navio afundou ao ser rebocado. O The Guardian soube que pode ter sido descartado. Apenas um corpo foi recuperado do navio.
Relatando em julho de 1982 para o comandante em chefe da Marinha, almirante John Fieldhouse, a comissão de inquérito disse que concluiu que o oficial de guerra principal do Sheffield no centro de operações de combate havia sido negligente por não reagir de acordo com a doutrina padrão e treinamento.
A comissão também descobriu que o oficial de guerra antiaérea tinha sido negligente porque sua “longa ausência” do centro de operações significava que uma importante estação (console) de defesa aérea não estava tripulada. O relatório observa que 12 minutos após o impacto, este oficial ainda insistia que o navio não tinha sido atingido por um míssil.
No entanto, Fieldhouse decidiu que os dois oficiais não enfrentariam nenhuma sanção. Em setembro de 1982, ele informou o Ministério da Defesa – em uma carta que também foi tornada pública – que, embora ambos os homens tenham “demonstrado negligência”, eles não enfrentariam os tribunais marciais, ações disciplinares ou qualquer forma de procedimento administrativo formal.
Em vez disso, Fieldhouse decidiu que ele ou um de seus oficiais falariam com cada oficial, para “garantir que cada um entendesse perfeitamente a situação”. O The Guardian soube que um deles foi posteriormente promovido, atingindo o posto de capitão de mar e guerra e servindo na Royal Navy por mais 20 anos.
Clive Ponting, então funcionário público sênior no MoD, disse que a perda do Sheffield foi uma grande catástrofe e que os fatos completos deveriam ser divulgados. “Para a maioria das pessoas ficou claro que não haveria culpa pública por erros cometidos”, disse Ponting.
Ponting foi preso em 1984 depois que ele expôs outro dos segredos da guerra: que o cruzador argentino, o General Belgrano, estava navegando na direção oposta às Ilhas Falklands quando foi afundado por um submarino da Royal Navy, resultando na perda de 323 vidas e que os ministros tinham enganado o parlamento e o público sobre o episódio. Ele foi acusado sob o Ato dos Segredos Oficiais, mas foi absolvido por um júri do Old Bailey.
O almirante Sandy Woodward, que comandou a Força-Tarefa da Royal Navy que havia sido enviado para as Ilhas Falkland, observou em seu livro sobre a campanha que, quando o Sheffield foi atacado, houve “algum tipo de lacuna em seu centro de operações de combate e nenhuma ação foi tomada”.
Woodward acrescentou que Fieldhouse decidiu que não deveria haver tribunais marciais, “para evitar, ele me disse, que os casos mais duvidosos criassem a atmosfera errada na imprensa e aumentassem a euforia geral”.
Mesmo dois meses após o ataque, a comissão de inquérito estava incerta se a ogiva do Exocet tinha detonado. Embora os membros da tripulação estivessem convencidos de que tinha detonado, os cinco membros da comissão concluíram eventualmente que não tinha, e relataram que o incêndio foi causado pelo propulsor do míssil, sendo que apenas 40% foi utilizado durante o voo. Uma nova reavaliação do MoD, divulgada em 2015, concluiu que a ogiva explodiu.
No entanto, o Guardian já ouviu que o MoD já havia desenvolvido uma contramedida eletrônica que poderia desligar o mecanismo de espoleta do Exocet uma vez que o radar do míssil travasse em um navio de guerra. Isso explicaria a ausência de detonação, mas teria exigido a instalação de um mecanismo de recepção de sinal enquanto os mísseis estavam em construção na fábrica da Aérospatiale em Toulouse.
Os oficiais e a tripulação do Sheffield estiveram sempre conscientes de que houve sérios erros e falhas antes do naufrágio do navio. Em 2001, diante de acusações de encobrimento, o Ministério da Defesa emitiu uma declaração confirmando que o oficial de guerra antiaérea não estava no centro de operações de combate antes do alerta de ataque, mas insistiu que isso ocorreu porque não era obrigatório e estava “atendendo a deveres em outro lugar”.
Cinco anos depois, após uma campanha do pessoal que serviu no navio, o Ministério da Defesa divulgou o resumo altamente censurado do relatório da comissão.
O relatório completo e não divulgado foi liberado para lançamento em 2012, mas o MoD atrasou sua liberação até agora.
FONTE: The Guardian