Prof. Dr. Ricardo Cabral [1]

Pedro Silva Drummond [2]

Nos últimos dias surgiu a notícia de que a China poderia construir uma base naval em Ushuaia, Argentina. O governador da Terra do Fogo, Gustavo Melella, mantém negociações avançadas com Shuiping Tu, representante do Partido Comunista Chinês (PCC) na Argentina e representante da empresa estatal HydroChina Corp na América do Sul, desde novembro de 2022.

O objetivo chinês é construir uma base naval na região de Ushuaia, o que permitiria à Marinha do Exército de Libertação Popular (PLAN), exercer uma influência numa região extremamente importante, passagem entre os oceanos Atlântico e Pacífico, fortalecer o posicionamento chinês na Antártica e atuando em conjunto com a base espacial em Neuquén monitorar as comunicações em todo o hemisfério.

Sergio Massa, ministro da Economia, negou que qualquer projeto ou investimento chinês contemplaria o controle de qualquer região aos chineses e ameaçasse a soberania nacional, apesar de isso já ter acontecido.

Nesse aspecto, Alberto Rojas, diretor do Observatório de Assuntos Internacionais da Universidade Finis Terrae do Chile, explicou: “Uma possível base chinesa em Ushuaia permitiria a Pequim ter um enclave permanente no Hemisfério Sul, com projeção para o Atlântico Sul que, dependendo das condições negociadas com a Argentina, poderá permitir a construção de instalações, bem como a presença de unidades navais e contingentes militares neste quadrante”, prosseguiu, “a China poderá interceptar todo o tipo de comunicações regionais com claro econômico e estratégico, além de ganhar potencial para manter monitoramento permanente do tráfego marítimo”. (Escenario Mundial)

Rojas, ainda acrescenta: “o projeto Belt and Road [BRI] anunciado pela China em 2013 busca ter uma projeção clara para esta área do continente, … e se esta base em Ushuaia se concretizar, pode se tornar o primeiro de muitos outros, tanto nas costas atlântica e pacífica quanto na zona andina”. (Escenario Mundial).

A Argentina vive em permanente dificuldade econômica e a China tem se aproveitado dessa situação para obter concessões dos argentinos como foi o caso da Estação Espacial Distante chinesa, instalada em Neuquén. A estação é cercada de controvérsias, pois teoricamente a China Satellite Launch and Tracking Control General (CLTC) é a empresa estatal que é a dona da base. No entanto, a CLTC se reporta à Força de Apoio Estratégico do Exército de Libertação Popular, e afirma que o uso é pacífico.

O acordo prevê isenção de capital de 50 anos, restringe o controle soberano da Argentina sobre a terra e as operações, fornece isenções fiscais e permite o movimento da mão de obra chinesa, trabalhando sob a legislação trabalhista chinesa em território argentino, ou seja, uma série de restrições ao exercício da soberania argentina em seu próprio território.

A base tem uma antena de 35 m de diâmetro, fica em um local isolado, com montanhas ao redor, o local é de difícil acesso e a entrada só é permitida a chineses. A base tem uma área de 200 hectares e uma zona de exclusão rádio de 100 km. Em 2016, o então presidente Maurício Macri tentou rever os acordos com os chineses firmados pelo governo de Cristina Kirshner, mas Pequim informou que aceitaria sob a condição de que todas as relações e acordo entre os dois países fossem revisados.

O interesse chinês pela América Latina não é algo recente.

Em 1999, a empresa chinesa Hutchison Whampoa ganhou concessões para operar dois portos no Panamá. Está ainda fase de discussão a construção de um canal interoceânico na Nicarágua (mais plausível) ou em El Salvador.

Beijing na publicação dos livros brancos, a partir de 2015, afirmam que as estruturas militares chinesas devem apoiar a crescente presença comercial no mundo, ou seja, extrapolando seu entorno estratégico e assegurando as suas linhas de comunicações marítimas.

A Marinha do PLA opera uma base em Djibuti desde 2017 e tem projetos de construir outras bases na África como no Kenya, Tanzânnia, nas ilhas Seychelles, na Namíbia e em Angola. Está expansão militar está ligada diretamente ao Cinturão e a Rota da Seda, mas também em proteger as linhas de comunicações marítimas chinesas.

 

Em nosso entendimento, a projeção do poder naval chinês para o Atlântico Sul visaria proteger as rotas que levam aos maiores fornecedores de proteína e minerais (Argentina e Brasil) e aos mercados consumidores nas Américas, África e Europa. Além disso, podemos especular que a continuidade das mudanças climáticas pode afetar as condições de navegação no extremo sul e ter bases militares na Terra do Fogo pode dar aos chineses alguma vantagem estratégica.

A frota pesqueira de alto mar chinesa mantém uma presença regular nas águas do Atlântico Sul, e às vezes dentro da Zona Econômica Exclusiva da Argentina e do Brasil. Com relação ao petróleo e minerais na Antártica, desde 1983, a China é signatária do Tratado Antártico (1959) que proíbe reivindicações territoriais e exploração comercial ao continente, mas essa situação poderá mudar com a revisão do tratado prevista para 2048.

Lembro que em 2021, durante a reunião do G-20, em Roma, os Ministros das Relações Exteriores da Argentina e da China assinaram um acordo de cooperação para a exploração da região antártica e dos oceanos vizinhos. Outro ponto importante sobre o continente antártico e que a China mantém quatro bases de pesquisa, e o mais interessante é que uma está localizada na área de reivindicação histórica argentina.

Desde 2013, a Marinha do PLA passou a ser vista com frequência no Atlântico Sul realizando visitas e exercícios com as marinhas regionais. A construção de uma base naval chinesa em Ushuaia colocaria a Estreito de Magalhães ou a Passagem de Drake sob a influência de Beijing. Junte-se a essas bases, a construção de bases no Panamá ou na Nicarágua (Canal do Panamá), com a base da Namíbia, todas as “entradas” para o Atlântico Sul ficariam sob o controle chinês.

Esta estratégia chinesa não se resume ao Atlântico Sul, mas é global. Os chineses possuem bases em Djibuti (próximo ao acesso ao Canal de Suez), nos Emirados Árabes Unidos e no Paquistão que podem se juntar a uma base naval no Irã, colocando o Estreito de Ormuz sob sua influência. Juntem-se essas bases as já existentes na Malásia, Indonésia e Tailândia próximos ao estreito de Malaca ao Mar do Sul da China colocam Beijing no controle de praticamente todos os choques point de seu interesse estratégico.

As relações sino-argentinas podem se tornar ainda mais próximas, se Beijing aumentar o volume de investimentos e importação (exponenciando a dependência portenha). No aspecto militar, os chineses têm amplas condições de fornecer equipamentos militares de alta qualidade a baixo custo, pois Buenos Aires não tem condições econômicas de fazerem grandes compras de armas, mas tem interesses imediatos no seu interesse estratégico. Ao que parece o maior problema dos portenhos é contrabalançar suas necessidades econômicas e estratégicas com as questões de segurança e soberania.

Ressalto que os chineses estão investindo pesadamente na África aprofundando suas relações econômicas, diplomáticas e militares. Os chineses investem sem preconceitos, condicionantes ou preceitos éticos e não se envolvem nas questões internas o que é do interesse dos governos africanos.

A maior presença militar chinesa pode, já no médio prazo, colocar em xeque a posição britânica nas Falklands e a superioridade norte-americana e da OTAN no Atlântico Sul devido ao posicionamento das bases chinês, que estão em locais estratégicos, diferente da OTAN que estão disseminadas.

Bibliografia

 


[1] Mestre e Doutor em História Comparada pelo Programa de Pós-Graduação em História Comparada (PPGHC) da UFRJ, professor-colaborador e do Programa de Pós-Graduação em História Militar Brasileira (PPGHMB – lato sensu), da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro/UNIRIO e Editor-chefe do site História Militar em Debate e da Revista Brasileira de História Militar. Website: https://historiamilitaremdebate.com.br

[2] Especialização em História Militar pela UNISUL, Graduação em História pela UGF e Editor do site História Militar em Debate e da Revista Brasileira de História Militar. Website: https://historiamilitaremdebate.com.br

Subscribe
Notify of
guest

61 Comentários
oldest
newest most voted
Inline Feedbacks
View all comments