Marca da fragata classe ‘Anzac’ foi alcançada em 17 anos de serviço, e para colocar esses números em perspectiva, trazemos aqui um mapa diferente do comum, para reflexão, e alguns marcos de uma fragata da Marinha do Brasil, a Niterói

Na segunda quinzena de maio, a Real Marinha Australiana (RAN) divulgou nota sobre um marco atingido por uma das fragatas da classe “Anzac”, a HMAS Toowoomba: meio milhão de milhas náuticas navegadas desde seu comissionamento, em 8 de outubro de 2005, há 17 anos. Como comparação, a nota da RAN informou que essa distância equivale a 23 vezes a circunferência da Terra ou uma ida e volta à Lua.

O primeiro marco de milhas navegadas veio em apenas três anos de serviço, quando superou 100.000 milhas náuticas. A nota também destacou outros fatos da vida operativa do navio, como a modernização de suas capacidades antimíssil em 2016, com nova suíte de radares e integração dos mísseis ESSM. Mais recentemente, a HMAS Toowoomba completou outra modernização prevista para a classe “Anzac”, com melhorias nas máquinas, comunicações, entre outras.

Características da HMAS Toowoomba

O navio é parte da classe “Anzac”, de oito navios do tipo Meko 200, que foi um projeto de muito sucesso comercial, operando também em outras marinhas como da Nova Zelândia, Grécia, Portugal e Turquia, em diversas configurações de sensores e armamentos conforme o país (não confundir com a mais nova Meko A200, que é um novo navio, de linhas mais furtivas e maior deslocamento, operado inicialmente apenas pela África do Sul, e mais recentemente também pela Malásia e Egito). Segundo a RAN, estas são as características atuais do navio:

  • Construtor: Tenix Defence Systems
  • Batimento de quilha: 26 de junho de 2002
  • Lançamento: 16 de maio de 2003
  • Incorporação: 8 de outubro de 2005
  • Deslocamento: 3.600 t
  • Comprimento: 118 m
  • Boca: 14,8 m
  • Calado: 4,5 m
  • Velocidade máxima: acima 27 nós
  • Alcance: 6.000 milhas náuticas a 18 nós
  • Tripulação: 177
  • Propulsão: CODOG – 1 turbina a gás GE LM2500 e dois motores diesel MTU 12V 1163
  • Armamento: mísseis anti-aéreos ESSM em lançadores verticais Mk 41, mísseis antinavio Harpoon, canhão principal de 127 mm, 4 metralhadoras de 12,7 mm, 2 lançadores triplos de torpedos antissubmarino
  • Contramedidas físicas: lançadores de despistadores Loral Hycor SBROC, BAE Nulka e SLQ–25C (antitorpedo).
  • Contramedidas eletrônicas: JEDS 3701 e Telefunken PST-1720
  • Sensores: radares Raytheon SPS-49(V)8 ANZ, CEAFAR active phased array, Kelvin Hughes Sharp Eye, CEAMOUNT (direção de tiro), Cossor AIMS Mk XII e alças Saab Ceros 200 e Vampir NG (IRST); sonares Thomson Sintra Spherion e Thales UMS 5424 Petrel.
  • Sistema de combate: Saab Systems 9LV453 Mk3E
  • Helicóptero: 1 MH-60R Seahawk
Fragata australiana HMAS Toowoomba e fragata francesa Languedoc em exercício internacional – foto RAN
HMAS Toowoomba e navio mercante no Oriente Médio – foto RAN

O marítimo Hemisfério Sul

Entre as comissões que o navio participou, e que foram lembradas na nota da RAN, estão operações internacionais em águas distantes como Relex, Catalyst, Slipper, Resolute e Manitou – esta última da qual podemos ver algumas imagens abaixo, deu-se na região do Oriente Médio. Juntamente com os exercícios regionais e comissões de presença, tudo isso contribuiu para a marca de meio milhão de milhas náuticas navegadas.

Uma parcela significativa dessas milhas advém da própria localização geográfica da Austrália. Acostumados com as distorções do planisfério tradicional, onde a Europa está no centro e o foco está no Ocidente, Américas e Atlântico, nós brasileiros comumente nos desacostumamos com a ideia de que compartilhamos o Hemisfério Sul com os australianos. E é um hemisfério muito mais “molhado” que o Norte.

A projeção abaixo foi proposta há alguns anos por três acadêmicos, o astrofísico Richard Gott, o matemático Robert Vanderbei e o cosmólogo David Goldberg, num formato de “disco aberto” separando os hemisférios Norte e Sul. O objetivo é corrigir as distorções de proporções (por exemplo, da Groenlândia e África) da já quadricentenária projeção de Mercator, cilíndrica, que preserva os contornos mas distorce os tamanhos. Um “efeito colateral” positivo dessa nova proposta de Gott, Vanderbei e Goldberg é que ela mostra de forma bem clara a diferença entre as porções de terra e de água do Norte e do Sul, que nem sempre as pessoas levam em conta ao pensar em sua posição no Globo.

O Sul do planeta Terra apresenta longos trechos de mar dos oceanos Pacífico, Atlântico e Índico, entremeados por relativamente pequenas porções de terra, tendo a Antártica ao centro. Olhando essa projeção, podemos perceber que Brasil e Austrália (assim como o Sul da África) compartilham dos mesmos problemas de relativo isolamento em relação ao Norte, com longas distâncias a navegar até áreas mais conturbadas das relações internacionais.

Pensando um pouco “fora da caixa”, pode-se dizer que, em rotas que sejam traçadas um pouco mais próximas da Antártica, do que do Equador que costumamos usar como referência, o Brasil está mais “perto” da Austrália do que se imagina normalmente, mesmo ficando cada país de um “lado” do mundo na visão tradicional. Quando pensamos em hemisférios Norte e Sul, a verdade é que estamos do mesmo “lado”.

De qualquer forma, são longas distâncias a navegar para marinhas de ambos os países quando participam de exercícios no mais conturbado Hemisfério Norte. É um mapa que faz parar para pensar sobre a posição dos países do Hemisfério Sul no mundo, e também sobre o que podem compartilhar em experiências e oportunidades, extrapolando a tradicional divisão Leste – Oeste quando se pensa nos “lados” do mundo.

Uma comparação com a fragata Niterói

Meio milhão de milhas navegadas é muito ou é pouco, para um navio com 17 anos de serviço no Hemisfério Sul? Tudo depende do quanto sua marinha é ativa e participa de exercícios não só em suas águas. Vale fazer uma comparação com uma fragata icônica da Marinha do Brasil (MB), a Niterói, que deu nome à classe que forma a espinha-dorsal da força de superfície da MB há quase 50 anos.

A Niterói, quando oficialmente desativada em 28 de junho de 2019, havia acumulado quase 43 anos de serviço desde sua incorporação em 1974 e navegado 597.772,38 milhas náuticas. Isso é quase 100.000 milhas apenas a mais do que a fragata australiana HMAS Toowoomba em 17 anos.

Fragata Niterói ao ser desincorporada em 2019

Mas os números podem enganar quando vistos nesse total, pois escondem uma razoável redução na atividade da fragata (e da MB em geral) neste século. Pois, numa parcela de seus primeiros 20 anos de serviço, a Niterói acumulava números não muito diferentes do navio australiano.

Segundo o site NGB – Navios de Guerra Brasileiros, a fragata Niterói foi incorporada em 20 de novembro de 1976 e, cinco anos depois, em novembro de 1981, superou a marca de 21.000 milhas. Pouco, se comparado às primeiras 100.000 milhas em três anos da fragata australiana. Porém, ao longo dos quatro anos seguintes, esse número cresceu e atingiu, em meados de 1985, a marca de 138.760 milhas navegadas. Ou seja, entre 1981 e 1985 foram adicionadas mais de 110 mil milhas ao serviço da Niterói, o que não difere muito do ritmo inicial da Toowoomba. 

Já em novembro de 1991, ao completar  15 anos de serviço ativo, a marca era de 235.000 milhas navegadas e aos 20 anos, em novembro de 1996, o total alcançado foi de 374.853,7 milhas navegadas. Daí para a frente, houve um período maior de inatividade durante o programa Modfrag e o ritmo das operações foi reduzido ao ponto de, quando da desincorporação cerca de 23 anos depois, apenas somar pouco mais de 200 mil milhas às quase 380 mil acumuladas nos primeiros 20 anos.

Fragata Niterói em meados da década de 1990

Percebe-se, assim, que até a metade de sua vida operativa, com destaque para o período entre 5 e 20 anos de serviço (início dos anos 1980 a meados dos anos 1990), o ritmo de operações e milhas navegadas pela Niterói não foi tão menor assim que o atingido pela fragata australiana objeto desta matéria – sendo que a Marinha Australiana participa de mais exercícios internacionais em mares distantes que a Marinha do Brasil.

Embarque na fragata Niterói em 2012
Fragata Niterói em 2012, ano em que editores do Poder Naval embarcaram no navio para uma matéria especial

De fato, é percepção deste autor e de outros editores do Poder Naval que a década de 1980 e a primeira metade dos anos de 1990 foram períodos de muitos exercícios por parte da MB, com visitas a portos, como Santos – SP, de forças-tarefas compostas por diversos navios de escolta. Dentre eles, a Niterói, hoje uma saudosa fragata do nosso Hemisfério Sul.

E qual o seu palpite para o futuro? Com que “milhagem” estará a futura fragata Tamandaré quando completar 17 anos de serviço? Mais perto da Niterói em sua época ou da Toowoomba hoje?

Subscribe
Notify of
guest

50 Comentários
oldest
newest most voted
Inline Feedbacks
View all comments