Obra do pintor Victor Meirelles retrata a batalha naval do Riachuelo, travada em 11 de junho de 1865 às margens do arroio Riachuelo, um afluente do rio Paraná, na província de Corrientes, na Argentina; vitória brasileira assegurou a liberdade de navegação na bacia do Paraguai

Historiador explica o contexto dessa data, a Batalha Naval do Riachuelo, em que o Brasil saiu vitorioso e deixou importantes ensinamentos para o País

A Agência Marinha de Notícias conversou com o Comandante Francisco Eduardo Alves de Almeida, historiador, vice-coordenador e professor do Programa de Pós-Graduação em Estudos Marítimos da Escola de Guerra Naval.

O Capitão de Mar e Guerra Francisco Eduardo Alves de Almeida é graduado, mestre e doutor em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com pós-doutoramento pela Universidade de Lisboa. Possui os Prêmios “Jabuti” da Câmara Brasileira do Livro, “Jaceguai” e “Tamandaré” pelo Clube Naval, “Marquês do Paraná” pelo Instituto Histórico Geográfico Brasileiro e Universidade Cândido Mendes e “Dignidade Acadêmica Magna Cum Laudae” em História pela UFRJ.

O que estava em jogo no contexto da Batalha Naval do Riachuelo e qual a importância disso para o Brasil?

O que estava em jogo era o controle dos rios Paraná e Paraguai, para o apoio logístico das forças aliadas que operavam nas margens do rio Paraná e impedir que o inimigo utilizasse os dois rios para o seu próprio fluxo logístico. Dessa maneira, esse controle era essencial para os contendores. Devemos, contudo, observar que o desejo de Solano Lopes, governante que administrava o território paraguaio, era destruir o poder naval imperial no rio Paraná, surpreendendo a Força Naval de Barroso com um ataque ousado e inesperado. A ideia era surpreender os navios brasileiros que se encontravam fundeados, abordá-los e tomá-los, se possível.

Lopes acreditava firmemente na capacidade dos seus subordinados em abordar os navios inimigos e ter vantagem no combate corpo a corpo com os marinheiros imperiais. Contaria, assim, com o apoio de baterias de canhões estacionados nas margens. Para a sorte das forças de Barroso, houve um atraso com a avaria de um dos navios paraguaios no deslocamento e, assim, Lopes perdeu o princípio da surpresa tão necessário em uma empreitada daquela dimensão, já que desejava realizar o ataque durante o período noturno.

Todos, então, sabemos que o resultado da batalha foi favorável às armas do Império e, a partir daquele memorável evento histórico, a Marinha Imperial passou a controlar totalmente as águas do Paraná e, em consequência, a partir da chegada às Três Bocas, a entrada do rio Paraguai. Após a Batalha do Riachuelo, a esquadra paraguaia praticamente deixou de existir.

Quais foram os ensinamentos da vitória do Brasil na Batalha Naval do Riachuelo que são possíveis se perceber atualmente?

Um primeiro ensinamento foi a crença na vitória logo no início do combate, quando Barroso içou o sinal de “O Brasil espera que cada um cumpra com o seu dever”, clamando o patriotismo das tripulações para a defesa do País e do Imperador Pedro II, copiando o célebre sinal do Almirante Nelson, em Trafalgar, em 1805, quando se defrontou contra a esquadra franco-espanhola. Aquele sinal de Barroso calou, fundo, em todos os tripulantes brasileiros, que logo se empenharam em conquistar a vitória para o Brasil.

Um segundo ensinamento foi a capacidade de reverter uma situação adversa. Em determinada situação, durante a batalha, tudo indicava que a vitória seria paraguaia. Alguns navios brasileiros estavam praticamente sem condições de combate, o dispositivo de navios imperiais estava desorganizado e o desânimo começou a grassar entre as tripulações brasileiras. Em um momento de rara intuição, Barroso, utilizando a Fragata “Amazonas” como aríete [máquina de guerra], abalroou os vasos de guerra inimigos, revertendo a difícil situação em que se encontrava sua força. Com essa ação, Barroso contornou aquela situação adversa que o levaria certamente à derrota.

Por fim, um derradeiro ensinamento foi a liderança em combate exercida por Barroso durante a refrega, servindo de exemplo a todos os tripulantes dos navios brasileiros em Riachuelo, exemplo, até hoje, reverenciado pela Marinha do Brasil e transformando Barroso em um herói da Marinha. Como historiador profissional, tenho como princípio não heroicizar os personagens históricos do passado.

Entretanto, tenho que reconhecer, pelos fatos documentados, pelos testemunhos de diversos militares que presenciaram as ações do velho chefe naval a bordo da Fragata “Amazonas”, capitânia de Barroso, e pelos relatos dos comandantes de navios brasileiros que se encontravam nas ações de combate, que, com seus atos, Barroso se transformou em um herói da Marinha e venceu a Batalha Naval do Riachuelo. Não existem Marinhas no mundo que não reverenciem seus heróis. A nossa Marinha não é diferente de nenhuma delas. Esses exemplos devem servir de inspiração para todos os militares de nossa Marinha hoje.

Durante o conflito, a Marinha encomendou novos navios para reforçar a frota. Eles foram decisivos para a batalha?

Os novos navios foram decisivos para o desenrolar favorável naquela campanha fluvial. Eu classifico em três momentos a atuação dos navios da Armada Imperial que atuaram naquele conflito. O primeiro momento quando se deu o combate de Riachuelo, no qual os navios eram adequados ao alto-mar, com maiores calados e, normalmente, de madeira. Naquele Teatro de Operações, onde primavam baixas profundidades, estreiteza dos rios e fogo inimigo proveniente das margens, não eram os mais adequados. Um segundo momento, com a chegada de navios couraçados, isto é, navios de madeira revestidos com couraças de ferro para a proteção contra os tiros das margens, além de serem de menores dimensões como encouraçados, canhoneiras e bombardeiras.

E, por fim, o terceiro momento, com a aquisição de monitores [tipo de navio militar sem mastro, com propulsão a vapor] que chegaram ao rio Paraguai pouco antes da passagem pelo principal baluarte de Solano Lopes, a fortaleza de Humaitá. Esses navios tinham baixa silhueta, totalmente blindados e armados com canhões de torre giratória. Com exceção do primeiro momento, os demais contaram com navios adequados às condições prevalentes naquele inóspito terreno.

As canhoneiras e encouraçados ultrapassaram Curupaiti e os monitores e encouraçados ultrapassaram Humaitá. Um detalhe, no entanto, não deve ser esquecido. Uma Força Naval para apoiar, eficientemente, uma tropa, que evolui em terra, necessita ter o controle das margens, se não seus tripulantes ficam expostos aos tiros provenientes de posições de terra. Não foi à toa que os estadunidenses utilizaram desfolhantes no Delta do Mekong, para desmatar as margens dos rios do Vietnã, para evitar o grande número de marinheiros atingidos por fogos de terra, quando em operações de patrulha fluvial. Essa foi uma lição que permaneceu nas mentes daqueles marinheiros brasileiros que combateram naquele terrível conflito.

Como ficou a situação do Brasil após o final da guerra?

O Brasil saiu fortalecido e fragilizado, ao mesmo tempo. Fortalecido porque ganhou a guerra, embora à custa de grande sacrifício, especialmente pela perda de homens e na área financeira. Também conseguiu criar uma Força Naval poderosa, embora de feições fluviais, mas poderosa, ombreando com as principais marinhas do mundo, na ocasião. Conseguiu agregar, ao seu território, faixas de fronteiras com o Paraguai, que estavam em disputa antes do conflito.

Obteve a liberdade de navegação dos rios Paraná e Paraguai, muito necessária para a manutenção de seu território em Mato Grosso e, por fim, o Exército e a Armada Imperiais saíram do conflito como forças adestradas e com experiência de combate. Fragilizado, porque ficaram exauridas as suas finanças com os empréstimos externos, em especial com o Reino Unido para a manutenção das forças em combate.

Pela sinalização de que o ápice da monarquia tinha chegado ao fim e, a partir dali, só ocorreu um desgaste do sistema monárquico e do próprio Imperador. E, por fim, a emergência do Exército como força política relevante, e a percepção dos oficiais dessa força de que não eram ouvidos na condução dos destinos do Brasil no que viria a culminar na Questão Militar e, posteriormente, na proclamação da República.

Recentemente, o Congresso Nacional aprovou a inclusão do nome do Marinheiro Marcílio Dias no livro de Heróis da Pátria. O quão importante ele foi para a guerra? E quem foram os nomes de destaque no conflito?

Essa é uma questão que prefiro responder do final para o princípio. Inicio com os nomes de destaque no conflito. Começo pelo Almirante Joaquim Marques Lisboa, o futuro Marquês de Tamandaré, primeiro comandante das forças navais imperiais no conflito. Sob sua responsabilidade, ocorreram a Batalha Naval do Riachuelo, o desembarque do Passo da Pátria e os primeiros movimentos da esquadra no rio Paraguai. Em segundo lugar, o Chefe de Divisão Francisco Manuel Barroso, que conquistou a vitória memorável em Riachuelo e, posteriormente, assumiu a chefia do Estado-Maior de Tamandaré. Em terceiro lugar, o Almirante Joaquim José Ignácio, futuro Visconde de Inhaúma, segundo comandante das forças navais imperiais no conflito, substituindo Tamandaré. Sob sua responsabilidade, ocorreram as passagens de Curupaiti e Humaitá, a tomada de Assunção e a manobra de Piquissiri.

Como informação, lançarei, neste ano, em comemoração aos duzentos anos de sua declaração de guarda-marinha, a biografia de Inhaúma, pela Editora Letras Marítimas. Será, acredito, uma justa homenagem a um personagem importante da História Naval brasileira. Dentre outros heróis que se destacaram durante a guerra, menciono Torres e Alvim, Elisiário Antônio dos Santos, Delfim de Carvalho, Arthur Silveira da Mota e Cordovil Maurity dentre inúmeros.

Outros heróis que se distinguiram em combate, durante a guerra, e faleceram em razão de seus ferimentos, menciono o Tenente Mariz e Barros, morto quando comandava o Encouraçado “Tamandaré”; o Tenente Antônio Joaquim, também morto em combate; o Guarda-Marinha Greenhalgh, tombado em Riachuelo e, por fim, o Imperial Marinheiro Marcílio Dias, também falecido em Riachuelo.

Sobre esse personagem, gostaria de fazer algumas considerações. A inclusão do nome de Marcílio Dias no Livro dos Heróis da Pátria é uma justa homenagem a um militar que se distinguiu na carreira e dedicou sua vida à Marinha, vindo a falecer em combate, defendendo o pavilhão imperial do Brasil. Vindo de uma família modesta do Rio Grande do Sul, de cor negra, assentou praça em 1855.

Tomou parte ativa na tomada de Paissandu e Corrientes, embarcado na canhoneira “Parnaíba”. Nesse navio, combateu em Riachuelo. Como chefe do rodízio de um canhão raiado, abandonou-o somente quando foram abordados para lutar com sabres contra quatro paraguaios. Matou dois e acabou sucumbindo aos golpes dos outros dois inimigos. Tombou no convés da Parnaíba e seu corpo foi sepultado nas águas do rio Paraná.

Como diria Julio Andrea, em seu Marinha brasileira: florões de glórias e de epopeias memoráveis, “o glorioso marinheiro pôs o traço fulgurante de um feito histórico de enorme alcance um dos maiores heróis daquele dia radiante, entrou em cheio no coração do povo. Esse herói foi Marcílio Dias”. Marcílio Dias merece estar no Livro dos Heróis da Pátria.

FONTE: Agência Marinha de Notícias

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