Cobrança tem afetado demais países da região – Hidrovias do Brasil se recusa a pagar taxa que passou a ser cobrada pelo governo argentino

O governo brasileiro está questionando o pedágio cobrado desde o início do ano pelo governo da Argentina na Hidrovia Paraguai-Paraná. Segundo o Ministério das Relações Exteriores do Brasil, todos países que fazem parte do Acordo da Hidrovia Paraguai-Paraná afetados pelo pedágio estão questionando a legalidade da cobrança.

“No entendimento do Brasil, da Bolívia, do Paraguai e do Uruguai, o governo argentino não foi capaz de demonstrar, até o momento, constituir pedágio pelo ressarcimento de serviços efetivamente prestados na Hidrovia”. Segundo o MRE, essa é a condição prevista no Acordo da Hidrovia Paraguai-Paraná para qualquer cobrança, pois a simples navegação não pode ser legalmente taxada.

O tema já foi tratado na Comissão do Acordo (CA), uma instância técnica, sem que se chegasse a um entendimento, e deverá, agora, ser tratado no Comitê Intergovernamental da Hidrovia (CIH), de natureza política. A Embaixada do Brasil em Buenos Aires também tem realizado, desde janeiro, gestões para eliminar a cobrança junto às autoridades argentinas.

Recentemente, um rebocador de bandeira paraguaia, propriedade de subsidiária paraguaia de empresa brasileira foi retido na Hidrovia. Segundo o Itamaraty, o evento é preocupante, pois contraria a liberdade de navegação e a segurança jurídica. “Do ponto de vista brasileiro, preocupa-nos, assim, o acirramento da situação com a retenção de embarcações em função de cobrança de dívida quando a discussão sobre o pedágio vem sendo legitimamente questionada pelos demais estados-membros do Acordo da Hidrovia no marco daquele instrumento”, informou o MRE.

A Associação Brasileira para o Desenvolvimento da Navegação Interior (Abani) também vê com extrema preocupação a criação de taxas de forma unilateral e a decisão de reter embarcação da empresa paraguaia. “Esta decisão afronta interesses de empresas brasileiras estabelecidas ou atuantes ao longo do rio Paraguai. Nos últimos anos tivemos elevados investimentos brasileiros em construção de terminais e aquisição de ativos para navegação”, diz a entidade.

Para entender melhor o caso:

Um comboio de embarcações pertencentes à companhia Hidrovias do Brasil foi retido na semana passada por funcionários do governo da Argentina na hidrovia Paraguai-Paraná.

O comboio retido é formado por um barco empurrador e por um conjunto de barcaças que estavam transportando grãos de Mato Grosso do Sul, segundo a Associação Brasileira para o Desenvolvimento da Navegação Interior (Abani).

A retenção se deu porque a Hidrovias do Brasil se recusou a pagar uma taxa que passou a ser cobrada pelo governo argentino de todas as embarcações dos outros quatro países que são signatários do acordo para uso corredor fluvial: Brasil, Bolívia, Paraguai e Uruguai.

A Hidrovias do Brasil considera que a cobrança instituída pela Argentina não tem base legal e promete recorrer à Justiça.

“Estamos falando da retenção de um ativo de uma empresa brasileira sob a alegação da Argentina de que não foi respeitada uma cobrança. Uma cobrança que é indevida”, disse ontem à noite ao Valor o CEO da Hidrovias do Brasil, Fabio Schettino. “Estamos sendo assessorados por advogados na Argentina e no Paraguai.”

A Hidrovias do Brasil tem uma subsidiária no Paraguai. E por isso o barco retido tem bandeira paraguaia.

A empresa tinha sido notificada pelas autoridades argentinas sobre o início das cobranças e rechaçou o pagamento, afirmando que não via a taxa como legal.

“Fomos a primeira a empresa a ter embarcação retida”, disse Schettino, acrescentando que outras empresas também já teriam sido notificadas sobre possíveis novas retenções em caso de não pagamento.

Trânsito

A hidrovia é regulada por um acordo que estabelece igualdade de tratamento e liberdade de trânsito de empresas dos cinco países signatários, diz Schettino. No Brasil, o decreto 2.716 de 1998 promulgou o acordo.

Apesar do acordo, autoridades argentinas instituíram este ano a cobrança de US$ 1,47 por tonelada em embarcações que passam no trecho do Paraná, entre Santa Fé e Confluência.

Em média, os comboios da Hidrovias do Brasil transportam cerca de 25 mil toneladas a 30 mil toneladas. Por ano, são cerca de 3,5 milhões de toneladas de minério de ferro e cerca de 1 milhão de toneladas de grãos.

Dadas as quantidades, Schettino diz que a nova cobrança passa a ter peso importante nas operações de transporte. “Mas o principal que essa cobrança abre um precedente que vai contra a liberdade de trânsito previsto no acordo.”

Ele afirmou que esperava liberar o empurrador e as barcaças nesta sexta-feira (nota do editor: 4 de agosto) e que, se não houver outra medida possível, o valor cobrado será pago. Mas, para tentar impedir que outros comboios tenham de pagar a taxa, a companhia vai recorrer à Justiça. “Vamos discutir isso em juízo para fazer valer o direito que temos pelo acordo”, disse o executivo.

Entre os clientes da Hidrovias do Brasil, está a mineradora MCR, do grupo J&F. Procurada pela reportagem, a J&F não comentou o novo “pedágio” argentino.

A reportagem procurou a Embaixada da Argentina no Brasil, que até a conclusão desta edição não fez nenhum comentário sobre o caso. Claudomiro Carvalho, presidente da Abani, disse ao Valor ontem que estava para encaminhar ao Ministério das Relações Exteriores a disputa sobre a cobrança e a apreensão do comboio.

FONTES: Agência Brasil e Globo Rural (reportagens de 8 e 4 de agosto, respectivamente – foto em caráter meramente ilustrativo, de comboio semelhante ao apreendido)

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