Estaleiros no Brasil: Enseada do Paraguaçu, na Bahia, recebeu investimentos de R$ 2,6 bilhões e teve de virar porto - Foto: Novonor-Odebrecht (Banco de imagem)

Nessa 4ª e última reportagem da série, saiba por que a premissa de que parceiros asiáticos fariam transferência de tecnologia para os estaleiros no Brasil foi equivocada

Por Fernando Italo

“Os estaleiros no Brasil devem ter um portfólio com as embarcações que produzem e esses projetos de engenharia precisam ser feitos no Brasil”, afirma o doutor em Naval Architecture and Ocean Engineering pela Universidade de Tóquio, Marcos Pereira.

Esse diagnóstico leva a outro problema com que a indústria naval brasileira se depara: são raros os projetos de embarcações desenvolvidos no Brasil. Para superar esse gargalo, seria necessário um esforço que vai muito além da garantia de demanda firme por parte do governo.

“A China fez, na década passada, investimentos de US$ 1 bilhão de dólares por ano no desenvolvimento de know-how de engenharia de construção naval”, frisa. “Japão, Coreia do Sul e China possuem juntos mais de duas mil instituições de ensino e pesquisa trabalhando nas áreas de engenharia, tecnologia e know-how próprio para sua indústria naval”, contabiliza Marcos Pereira.

“Para se ter uma ideia, os dois maiores estaleiros sul-coreanos possuem juntos mais engenheiros, pesquisadores e recursos investidos em engenharia, pesquisa e inovação que a soma da indústria naval do Brasil e toda a América Latina”, compara.

Nesse aspecto, ele detecta um dos principais equívocos das políticas de retomada executadas nas últimas duas décadas: a premissa de que o incentivo à associação entre estaleiros brasileiros e asiáticos implicaria automaticamente em transferência de tecnologia.

“A experiência mostrou o contrário. Os parceiros internacionais, detentores dos projetos de embarcações e know how, criaram todas as dificuldades possíveis para essa transferência, a fim de não fomentar a concorrência do Brasil com seus países”, aponta.

“Portanto, novas encomendas do PAC ajudam de forma pontual a tirar os estaleiros nacionais da estagnação, mas nada disto será sustentável se os fabricantes daqui não investirem em independência técnica, não desenvolvermos nossos projetos nacionais, com engenharia brasileira, com equipe de engenheiros e técnicos brasileiros, com olhar e decisões que permeiem a indústria de base e de equipamentos brasileira”, conclui.

Estaleiros no Brasil só se viabilizam com redução do conteúdo nacional

“Se houver nova tentativa para retomada da indústria naval tem que ser com redução de conteúdo nacional nos projetos para dar competitividade internacional”, defende o economista com mestrado em Planejamento Global e Política Econômica e doutorado em Ciências Sociais Armando Avena.

Ex-secretário de Planejamento da Bahia (2003/2006), Armando Avena também critica o modelo de financiamento dessa política adotado em governos anteriores. “Espero que isso não se repita. Não pode ser uma política financiada com juros subsidiados, nem com o BNDES entrando com o grosso do capital. O governo pode até entrar no negócio, mas como acionista”, sustenta.

Para ele, um novo programa de retomada só tem chances de dar certo se esses e outros erros do passado forem corrigidos. Como exemplo triste a não ser seguido, o especialista cita o que aconteceu com o Estaleiro Enseada do Paraguaçu (Recôncavo Baiano).

“Esse estaleiro tem 1,6 milhão de metros quadrados e está ocioso. Vem sendo utilizado como porto de minérios, quando poderia estar produzindo e empregando milhares de pessoas”, defende.

A planta, que tem como acionistas a Novonor (antiga Odebrecht) e OAS, recebeu investimentos estimados em R$ 2,6 bilhões, entrou em operação em 2014, chegou a ter sete mil trabalhadores e teve como encomendas iniciais a produção de seis navios-sonda para a Petrobras. Os contratos foram cancelados pela petroleira devido à crise financeira que passava e ao redemoinho da Lava-Jato.

FONTE: Folha de Pernambuco

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