Governo atende apelo do setor siderúrgico nacional, que sofria com a concorrência do aço importado, principalmente da China

O governo anunciou nesta terça-feira (23) que decidiu estabelecer cotas para a importação de aço e aumentar para 25% o Imposto de Importação sobre o volume excedente.

A decisão atende a um pleito das siderúrgicas brasileiras, que afirmam haver uma invasão do aço chinês no país. Os produtos que foram alvo da medida têm tarifas hoje que variam de 9% a 12,6%.

Segundo o governo, a medida deve entrar em vigor em aproximadamente um mês e valerá por um ano. São afetados 11 produtos ligados a ferro e aço, que poderão ser importados de acordo com o imposto atualmente vigente até limites que variam entre 1.261 e 470 mil toneladas (veja lista no fim da matéria).

O Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) afirmou que, após análises, conclui-se pela necessidade da iniciativa em relação a produtos que tiveram importação 30% maior em 2023 do que na média das compras observadas entre 2020 e 2022. Foi concluído que 15 itens se encaixam no critério, mas quatro apresentaram variações de preço que demandam mais avaliações.

O vice-presidente e ministro do Mdic, Geraldo Alckmin, afirmou que a medida foi tomada após uma análise criteriosa por parte do governo e da verificação de um crescimento de mais de 1000% na importação em alguns casos. “É uma indústria importante, uma indústria de base necessária ao país”, afirmou.

De acordo com o governo, estudos técnicos mostraram que a medida não trará impacto nos preços ao consumidor ou a produtos de derivados da cadeia produtiva. Durante os 12 meses, será monitorado o comportamento do mercado e a expectativa oficial é que a decisão contribua para reduzir a capacidade ociosa da indústria siderúrgica nacional.

A decisão foi tomada nesta terça pelo comitê-executivo da Camex (Câmara de Comércio Exterior), colegiado do governo federal que reúne dez ministérios, após as siderúrgicas nacionais protocolarem pedido para aumentar a alíquota do Imposto de Importação de diversos produtos ligados ao aço para até 25%.

No Brasil, as compras de produtos estrangeiros alvo da medida cresceram 29% em 2023 na comparação com um ano antes. A China responde por 83% das importações feitas pelo Brasil quando considerada apenas essa lista.

Enquanto isso, a produção nacional de aço bruto apresentou queda de 8% em 2023 na comparação com um ano antes, segundo dados do Instituto Aço Brasil (considerando apenas o acumulado até setembro, dado mais recente disponível).

A elevação do tributo para importações foi decidida mesmo após uma coalizão de 16 entidades de segmentos da indústria ter reagido à demanda das siderúrgicas nacionais e deflagrado uma mobilização na tentativa de barrar a sobretaxa. O grupo argumenta que o aço do Brasil já é o mais caro do mundo quando comparado aos preços no mercado interno de vários países.

O aço é um insumo essencial usado na produção da indústria de produtos de maior valor agregado e tecnologia, como máquinas e equipamentos, automóveis, ônibus, caminhões, eletrodomésticos, autopeças e construção civil.

Barreiras à importação do insumo também estão em discussão em outros países em meio ao avanço da produção da China. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, quer triplicar as tarifas sobre o aço e o alumínio importados do gigante asiático, por considerar que existe uma concorrência injusta que penaliza os trabalhadores americanos.

A quase seis meses da eleição presidencial, Biden afirmou durante comício na Pensilvânia, estado-chave para as eleições, que as siderúrgicas chinesas não precisam se preocupar em lucrar, porque o governo chinês as subsidia. “Não competem, trapaceiam”, afirmou.

Segundo a agência de notícias AFP, um recorde de dez milhões de toneladas de aço chinês inundaram a América Latina no ano passado. O cenário gerou reações em países como México e Chile.

Nas últimas duas décadas, a China aumentou sua participação no mercado mundial de aço de 15% para 54%, de acordo com dados da Alacero (Associação Latino-Americana do Aço).

Segundo Alckmin, foram aprovadas nesta terça também a redução tarifária para 225 produtos ligados a máquinas e equipamentos que não têm produção nacional equivalente e o financiamento pré-embarque para auxiliar principalmente a exportação da indústria de defesa.

A reportagem entrou em contato com Usiminas, Gerdau, Arcelor Mittal, Aperam e Instituto Aço Brasil, mas ninguém se pronunciou sobre o assunto.

Os 11 produtos de aço que terão cotas de importação são os seguintes:

  • Produtos laminados planos, de ferro ou aço não ligado, de largura igual ou superior a 600 milímetros (mm), revestidos de ligas de alumínio-zinco;
  • Produtos laminados planos, de ferro ou aço não ligado, de largura igual ou superior a 600 mm, folheados ou chapeados, ou revestidos, galvanizados por outro processo, de espessura inferior a 4,75 mm;
  • Produtos laminados planos, de ferro ou aço não ligado, de largura igual ou superior a 600 mm, não folheados ou chapeados, nem revestidos, em rolos simplesmente laminados a frio, de espessura superior a 1 mm, mas inferior a 3 mm;
  • Produtos laminados planos, de ferro ou aço não ligado, de largura igual ou superior a 600 mm, não folheados ou chapeados, nem revestidos, em rolos simplesmente laminados a frio, de espessura igual ou superior a 0,5 mm, mas não superior a 1 mm;
  • Produtos laminados planos, de ferro ou aço não ligado, de largura igual ou superior a 600 mm, laminados a quente, não folheados ou chapeados, nem revestidos, em rolos, simplesmente laminados a quente, de espessura igual a superior a 4,75 mm, mas não superior a 10 mm;
  • Outros produtos laminados planos, de ferro ou aço não ligado, de largura igual ou superior a 600 mm, não folheados ou chapeados, nem revestidos, em rolos, simplesmente laminados a quente, de espessura igual ou superior a 3 mm, mas inferior a 4,75 mm;
  • Produtos laminados planos, de ferro ou aço não ligado, de largura igual ou superior a 600 mm, não folheados ou chapeados, nem revestidos, em rolos, simplesmente laminados a quente, de espessura inferior a 3 mm, com um limite mínimo de elasticidade de 275 Mpa;
  • Outros produtos laminados planos, de ferro ou aço não ligado, de largura igual ou superior a 600 mm, não folheados ou chapeados, nem revestidos, em rolos, simplesmente laminados a quente, de espessura inferior a 3 mm;
  • Outros fios-máquinas de ferro ou aço não ligado, de seção circular, de diâmetro inferior a 14 mm;
  • Tubos dos tipos utilizados em oleodutos ou gasodutos, soldados longitudinalmente por arco imerso, de seção circular, de diâmetro exterior superior a 406,4 mm, de ferro ou aço;
  • Outros tubos dos tipos utilizados em oleodutos ou gasodutos, soldados longitudinalmente, de seção circular, de diâmetro exterior superior a 406,4 mm, de ferro ou aço.

Lista dos quatro produtos que poderão ter cotas:

  • Outros tubos de ligas de aços, não revestidos, sem costura, para revestimento de poços;
  • Outros tubos dos tipos utilizados em oleodutos ou gasodutos;
  • Outros tubos para revestimento de poços, de produção ou suprimento, dos tipos utilizados na extração de petróleo ou de gás, de ferro ou aço
  • Outros tubos soldados de outras seções.

O lado das empresas consumidoras de aço, antes da decisão do governo: indústria tenta barrar alta na taxação do aço importado

Entidades contestam a avaliação de que está havendo uma invasão chinesa do aço (matéria de 18 de abril)

Uma coalizão de 16 entidades de segmentos da indústria intensivos no uso de aço deflagrou uma mobilização em Brasília na tentativa de barrar o pedido das siderúrgicas brasileiras para sobretaxar a importação do produto.

As entidades contestam a avaliação dos fabricantes nacionais de que está havendo uma invasão chinesa do aço e temem que o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) acabe cedendo ao pleito sem levar em consideração os riscos para a economia de um eventual aumento da taxação.

Entre eles, a coalizão aponta pressão na inflação, aumento dos custos, perda de competitividade da indústria nacional e prejuízos para os investimentos.

O Instituto Aço Brasil, a entidade representativa das empresas brasileiras produtoras de aço, não quis comentar.
A guerra do aço, como é chamada nos bastidores, escalou, nas últimas semanas, porque representantes da coalizão têm recebido alertas de dentro do próprio governo de que o discurso da invasão chinesa estaria reverberando nos gabinetes de Brasília, aumentando as chances de um aumento da tributação.

O aço é um insumo essencial usado na produção da indústria de produtos de maior valor agregado e tecnologia, como máquinas e equipamentos, automóveis, ônibus, caminhões, eletrodomésticos, autopeças e construção civil.

A disputa começou porque as siderúrgicas protocolaram pedido na secretaria-executiva da Camex (Câmara de Comércio Exterior) para aumentar a alíquota do Imposto de Importação de diversos produtos de ação para 16% e 25%. O patamar atual está em 10,8%, segundo dados da coalizão. Cabe ao Gecex (Comitê Executivo de Gestão da Câmara de Comércio Exterior), colegiado do governo federal que reúne dez ministérios, decidir sobre o aumento.

“É mais do que o dobro. Um aumento de 15 pontos percentuais que daria no preço para o consumidor de aço, 15%”, afirma o presidente da Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos), José Velloso.

O executivo alerta que os investimentos do novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e do Minha Casa, Minha Vida seriam afetados pela alta das alíquotas do Imposto de Importação.

O grupo argumenta que o aço do Brasil já é o mais caro do mundo, quando comparado aos preços no mercado interno de vários países.

A coalizão tem sustentado nas conversas com autoridades do governo Lula e também líderes do Congresso que o valor por tonelada praticado no Brasil equivale a US$ 890 – 37% a mais do que a média do preço dos outros países, de US$ 703.

Os argumentos foram levados ao vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin.

A Abimaq integra a coalizão, que tem também representantes do segmento da construção civil, ferroviária, autopeças, construção metálica, ferramentas, eletroeletrônicos, fabricantes de ônibus, construção naval e saneamento básico.

Segundo Velloso, o pleito das siderúrgicas é para aumentar o imposto de 21 códigos tarifários da chamada NCM (Nomenclatura Comum do Mercosul) usado para identificar o tipo do produto. Os pedidos têm sido apresentados desde o segundo semestre do ano passado.

Para o presidente da Abimaq, a tese de invasão chinesa não se sustenta porque a taxa de penetração do aço importado no mercado brasileiro é de 18%.

A CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil), na sua manifestação ao Gecex sobre o pleito, afirma que o principal país exportador do vergalhão – amplamente usado pelo setor – é a Turquia, não a China.

A entidade diz que, dependendo da construção, o vergalhão pode representar até 15% do custo da obra.

Em fevereiro deste ano, o Gecex já tinha aprovado uma recomposição tarifária da alíquota do Imposto de Importação de cinco tipos de produtos do setor siderúrgico -aumento entre 1,2 e 1,6 ponto porcentual.
“As siderúrgicas querem mais. O assunto não saiu da pauta. A demanda está lá”, diz Velloso. Ele afirma que o mesmo aço que custa US$ 890 para a indústria brasileira é vendido pelas mesmas usinas para o exterior por US$ 661.

Procurado, o MDIC afirmou à Folha que os diversos pedidos das NCMs do aço para o aumento da tarifa têm datas diferentes. Portanto, os pleitos podem ser discutidos pela Camex em diferentes momentos.

Uma reunião do Gecex está marcada para o próximo dia 24. A pauta não foi divulgada, mas alguns desses pedidos poderão ser apreciados, segundo o ministério.

O lado da empresas siderúrgicas, antes da decisão do governo: importação de aço cresce, ameaça emprego e siderurgia reduz produção no Brasil

Usiminas estuda desligar alto-forno em Ipatinga; concorrência com importados da China pode provocar perdas de R$ 30 bi para setor e ameaça 248.225 mil empregos (matéria de novembro de 2023, atualizada em 23 de abril deste ano)

A indústria do aço no Brasil está sob forte impacto do aumento das importações do produto e, por isso, já começa a diminuir a produção e a não gerar empregos. Segundo o Instituto Aço Brasil (Iabr), a previsão final para 2023 é de queda de 8% na produção, para 31,4 milhões de toneladas, e recuo de 5,6% nas vendas internas, para 19,2 milhões de toneladas.

Por outro lado, houve um salto de 48,6% das importações, para 4,98 milhões de toneladas de aço estrangeiro. “A indústria brasileira do aço enfrenta uma guerra assimétrica, provocada pela avalanche de aço estrangeiro. Não se trata de questão de falta de competitividade da indústria brasileira, mas da submissão do setor a uma concorrência desleal diante um produto colocado no mercado a preço artificialmente baixo, o que torna urgente o reforço das nossas defesas comerciais, sob risco de repetirmos o triste desempenho deste ano em 2024”, diz Marco Polo de Mello Lopes, presidente executivo do Aço Brasil.

Procurada, uma das maiores siderúrgicas do Brasil, a Usiminas, confirma os efeitos da importação em seus negócios, que levou a empresa a deixar de abrir cerca de 600 vagas de emprego. A siderúrgica afirma, ainda, que estuda desligar o alto-forno 1, como forma de adequar a produção a esse cenário.

“O setor do aço vem investindo R$ 12 bilhões por ano, em modernização e desenvolvimento tecnológico, patamar que deveria se manter nos próximos anos. A atual crise provocada pelas importações, porém, se não revertida, ameaça não apenas os investimentos como a própria sustentabilidade da indústria brasileira do aço, um setor que gera empregos de qualidade e desenvolvimento econômico e social nas regiões onde atua, com grande contribuição para o crescimento sustentado do país”, disse Jefferson De Paula, presidente do Conselho Diretor do Aço Brasil, presidente da ArcelorMittal Brasil e CEO da ArcelorMittal Aços Longos e Mineração Latam, em evento da Iabr.

Com base no desempenho das unidades siderúrgicas e projeções de demanda, o Instituto Aço Brasil vinha alertando desde o início do ano para o fato de não haver no horizonte, até então, sinais que sustentassem otimismo no setor. Por essa razão, promoveu, em abril e julho, duas revisões para baixo no desempenho esperado das empresas, comparado às projeções apresentadas ao fim de 2022. “A enxurrada de aço estrangeiro deteriorou o cenário de forma ainda mais dramática, levando a indústria a reagir ao impacto na demanda, o que se reflete nas atuais projeções”, disse a entidade por meio de nota.

Em agosto, quando a disparada das importações seguiu sem sinais de inversão da tendência, o setor passou a defender, junto ao governo brasileiro, a necessidade de elevação temporária e emergencial da alíquota de importação de aço para 25%, a mesma alíquota praticada em países como Estados Unidos, Reino Unido, União Europeia e México. Atualmente a alíquota em vigor no país é 9,6% para a maioria dos produtos.

Ainda segundo a entidade, a China é a origem da maior parte do aço importado que ingressa no Brasil, “vendido abaixo do preço de custo por determinação do governo chinês, controlador da maioria das siderúrgicas locais, em esforço anticíclico para manter a economia aquecida. Atualmente o país responde por 56,7% das importações no Brasil. O empenho de colocação do excedente de produção chinês, somado à assimetria das defesas brasileiras em comparação com outras em vigor em mercados relevantes, tornou o Brasil alvo inevitável do aço estrangeiro”, informou o Iabr.

Cálculos realizados pela entidade indicam que o volume de 4,98 milhões de toneladas de aço importado em 2023 representa, para o país, uma perda de arrecadação de R$ 2,8 bilhões e de 248.225 mil empregos, que estão sendo deslocados para os países produtores desse aço. A perda de faturamento nas usinas de aço chega a R$ 30,6 bilhões, pelos cálculos da entidade.

A Gerdau foi procurada para se manifestar sobre os números apresentados pelo Iabr, mas informou que a Iabr fala por ela. No entanto, em entrevista dada a O TEMPO no fim de setembro deste ano, o CEO da siderúrgica, Gustavo Werneck, disse que medida protetiva para o mercado nacional de aço é fundamental para o setor, a exemplo do que vem acontecendo no resto do mundo.

Na ocasião, ele disse que duas unidades produtivas do grupo, uma em Caucaia (CE) e outra em Mogi das Cruzes (SP), estavam paradas para ajustar produção e demanda, que foram afetadas pela importação de aço da China. Cerca de 600 dos 20 mil trabalhadores da Gerdau estavam, na ocasião, com contrato suspenso. Por diversas ocasiões, o executivo informou que planos de investimentos da empresa e contratações estão ameaçados pela “importação predatória”.

Para 2024

O Instituto Aço Brasil prevê, para 2024, queda de 3% na produção de aço, para 30,4 milhões de toneladas, e de 6% nas vendas internas, para 18 milhões de toneladas. As importações deverão disparar 20%, acima da escalada ocorrida em 2023, para 6 milhões de toneladas, ou 79% acima do que foi realizado apenas dois anos antes, em 2022. Exportações devem crescer 1,3% e consumo aparente, 1%, uma alta decorrente exclusivamente do aumento das importações. “Esse volume de aço estrangeiro representa uma perda de arrecadação de R$ 3,4 bilhões e de milhares de empregos. A perda potencial de faturamento do setor chega a R$ 36,7 bilhões”, informou o Iabr.

FONTES e FOTOS (em caráter meramente ilustrativo): O Tempo / Agência Brasil / Jornal do Comércio/ Folhapress

NOTA DOS EDITORES: o aço é insumo fundamental das economias industrializadas há pelo menos um século e meio, o que inclui a Indústria Naval e a Indústria de Defesa, e a implantação da grande siderurgia, no Brasil, foi uma pauta geopolítica fundamental a partir da década de 1920, com fortes conexões com as indústrias mencionadas (naval e de defesa). Daí a importância de debater esse tema aqui, no Poder Naval. Boa discussão a todos.

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