Submarino NRP ‘Arpão’ da Marinha Portuguesa navega debaixo do gelo pela primeira vez

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NRP Arpão no artico

Após concluída a primeira patrulha de 22 dias ao serviço da NATO, na Operação BRILLIANT SHIELD, o NRP Arpão atracou no porto de Nuuk, na Groenlândia, de forma a realizar uma paragem logística e a preparar a próxima fase da missão, a navegação debaixo da placa de gelo Ártico

Ao chegar a Nuuk, o navio foi recebido por algumas dezenas de pessoas no cais, que se encontravam bastante curiosas com a chegada de um submarino a um lugar tão recôndito como a Groenlândia. Embora as paragens nos portos tenham como objetivo primário a logística, também são aproveitadas para o descanso das guarnições. Porém desta vez foi ligeiramente diferente, o navio ia iniciar uma das suas maiores aventuras até à data.

Para que fosse possível cumprir com o desígnio, de navegar debaixo do gelo, foi necessário um intenso período de preparação e estudo, em que a guarnição quase que teve que “reaprender” a operar o navio, uma vez que a navegação submarina nas altas latitudes apresenta condições ambientais, sonoras e perigos à navegação, como a existência de Icebergs e gelo solto obrigando assim a adaptar muitos dos normais procedimentos e técnicas normalmente usadas pelos submarinos, quando a navegar em latitudes mais baixas.

A OPERAÇÃO ÁRTICO 2024 contou com o apoio de Marinhas aliadas nomeadamente, a US NAVY, através do Artic Submarine Lab (ASL), e das Marinhas da Dinamarca e Canadá, fazendo jus às boas relações bilaterais entre a Marinha e os diversos parceiros internacionais, fortalecendo assim a coesão da Aliança Atlântica, no seu trabalho combinado e num momento de elevada instabilidade mundial, onde os valores da democracia e o respeito pelas regras Internacionais estão a ser colocadas em causa.

Em paralelo ao estudo e preparação da missão, o navio passou por um processo de manutenção que embora normal, foi adaptado para fazer face às especificidades da missão, nomeadamente a instalação de uma proteção na torre para os mastros pela Divisão de Submarinos da Direção de Navios (DN-DS) e pela Arsenal do Alfeite, SA ou a instalação de um sonar de alta frequência na torre do submarino com o apoio do Instituto Hidrográfico (IH). Importa relembrar que no ano 2023 o Arpão navegou 212 dias, atravessou o Atlântico duas vezes, esteve presente em sítios tão longínquos como o Rio de Janeiro, no Brasil e a Cidade do Cabo, na África do Sul, e ainda terminou o ano operacional com uma patrulha no Mediterrâneo.

Os processos de manutenção e treino são os dois principais fatores que permitem a condução das operações em segurança e com sucesso.

Submarino Arpão na Groenlândia

Foi com o sentimento de lição bem estudada e de navio pronto que o NRP Arpão largou da Base Naval de Lisboa no dia 3 de abril. Os quase sete meses de preparação culminaram num conjunto de alterações significativas quer aos procedimentos normais, por exemplo vindas à cota periscópica sem seguimento, de forma a minimizar possíveis danos no caso de um contacto inesperado com algum bloco de gelo, quer na organização de bordo para conseguir maximizar a operação de todos os sensores. Durante a primeira patrulha da Operação BRILLIANT SHIELD foi possível treinar, testar e validar a funcionalidade dos novos procedimentos e das alterações efetuadas.

A última fase de aprontamento da missão começou com o navio atracado no porto de Nuuk. Ao nível logístico, uma vez que o navio vinha de 22 dias de mar, foi necessário reabastecer o navio de combustível e géneros alimentares. Em termos operacionais, observando as últimas Cartas de Gelo, com o registo das mais recentes movimentações da placa de gelo, e já com a presença dos Ice Pilots, do ASL, foi desenhado o plano final e acertados os procedimentos e plano de comunicações entre todos os parceiros, nomeadamente o navio da Marinha Real Dinamarquesa, HDMS Ejnar Mikkelsen, que iria acompanhar o trânsito até à zona do gelo.

Desta forma, com todos os preparativos realizados, com o Plano Final aprovado, no dia 28 de abril o Arpão largou de Nuuk, para a realização da Operação ÁRTICO 2024, com a presença a bordo do Chefe do Estado-Maior da Armada, Almirante Henrique Gouveia e Melo, decano dos submarinistas no ativo.

Após largar, acompanhado pelo HDMS Ejnar Mikkelsen, o submarino iniciou trânsito para norte e no dia 29 de abril começou a escrever mais uma página, na já significativa história dos submarinos da classe “Tridente”, iniciando com a passagem pelo mítico paralelo 66º33’N, que marca a fronteira do Círculo Polar Ártico, algo que à semelhança da passagem do Equador, é uma marca relevante para todos os Marinheiros, e esta marca ainda não tinha sido alcançada pelos submarinistas portugueses.

Ao alcançar a posição de início da primeira fase da missão, já com a placa de gelo à vista no horizonte e bastante perto da Marginal Ice Zone (MIZ), zona de mistura entre a placa de gelo e o mar aberto, caracterizada por ter diversos fragmentos de gelo solto à deriva, foi tempo de fechar a escotilha e entrar em imersão, para iniciar a aventura de navegar debaixo da placa do gelo Ártico, e confirmar todo o estudo e preparação dos últimos meses.

Passados alguns minutos do início do planeamento eram cada vez mais evidentes os sinais de que o navio se encontrava muito perto da placa de gelo. Desde as diferenças de temperatura, entre 0 e -2 ºC à superfície e de 2 a 5 ºC em cotas mais profundas, ao aumento significativo quer em tamanho, quer em quantidade, dos pedaços de gelo à deriva (possíveis de detetar nos diversos sensores de bordo, sonares ativos e passivos). Umas das particularidades de navegar nesta zona, é inicialmente o aumento significativo do ruído ambiente na MIZ, devido à forte presença de vida marinha e ao gelo bater e partir, seguido de uma diminuição acentuada do ruído ambiente, passando ao silencio, sinal de que já nos encontrávamos mesmo debaixo da placa de gelo.

O “feito” inédito, do NRP Arpão se encontrar a navegar em imersão profunda com um teto de gelo, confirmado pelos sonares ativos e sonda, trouxe a todos os elementos da guarnição um sentimento de expectativa realizada, que justificava todo o tempo e a dedicação empenhados na preparação da missão estavam a começar a pagar os dividendos, ampliado ainda com a presença de SEXA ALM CEMA no Combat Information Center (CIC).

Depois de 39h 30min em imersão profunda sob o gelo, o navio cruzou novamente a MIZ para leste e regressou à superfície com o sentimento de missão cumprida, mas haveria ainda mais…

Tendo em conta a forma serena como decorreu a execução da Fase 1 do planeamento, deu-se início à Fase 2, aumentando o nível de expectativa. Desta forma, iniciava-se a fase em que se ia fazer a exploração operacional de um submarino debaixo do gelo, desde o mapear de Polyanas, aberturas naturais na placa de gelo para uma possível emersão de emergência, até monitorizar a largura da placa ou a densidade de gelo derivante.

Após ter concluído a Fase 2 com sucesso e cumpridos todos os objetivos, desde aqueles que foram planeados com antecedência aos que foram sendo propostos com o decorrer da missão, a 3 de abril o navio voltou à superfície em segurança, e iniciou o trânsito de regresso para Nuuk.

Com a conclusão desta missão o NRP Arpão tornou-se, se não no primeiro, num dos muito poucos submarinos convencionais a navegar debaixo do gelo, uma área normalmente reservada aos submarinos de propulsão nuclear. Permaneceu debaixo da placa de gelo num total de cerca de quatro (4) dias, tendo também explorado a operação na Marginal Ice Zone , com grande densidade de gelo solto, zona essa com elevado valor tácito, área em que nenhum outro submarino do ocidente se atreveu a operar, desde a II grande Guerra, com total sucesso. Além de adicionar uma nova capacidade aos submarinos portugueses e, consequentemente, à Marinha, o Arpão pôs mais uma vez em prática a “arte de bem fazer”, o que demonstrou que mesmo com todas as condicionantes, mas com dedicação, competência e força de vontade é possível continuar a ultrapassar novos desafios alcançando objetivos considerados por muitos, incluindo aliados, inultrapassáveis.

Como é apanágio dos submarinos – serviço silencioso – mais uma vez esta Esquadrilha voltou a superar-se.

A Marinha demonstrou que com ambição, foco, competência e sacrifício faz jus à longa história marítima portuguesa, repleta de heróis anónimos e de feitos notáveis como canta Camões, o nosso poeta: “…Passaram para além da Taprobana, Em perigos e guerras esforçados, Mais do que prometia a força humana,..”.

FONTE: Marinha Portuguesa

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