Um encouraçado contra o forte – parte 1

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O Forte de Copacabana, rebelado em julho de 1922, mostrou ser um alvo bastante difícil de ser vencido. Mesmo assim o encouraçado São Paulo foi combatê-lo.

por Guilherme Poggio (*)

O tempo era bom e o céu estava limpo, mas o típico nevoeiro do inverno carioca dificultava a visão sobre as águas plácidas da Baía de Guanabara. Cortando vagarosamente o nevoeiro, um enorme navio de guerra transpôs a barra. Indiferentes às condições climáticas, a apreensiva tripulação aguardava o momento para entrar em combate. Não era mais um exercício de tiro, como aquele realizado meses antes para adestrar os marinheiros. Agora era real e o “inimigo”, um forte cuja guarnição havia se rebelado, merecia muito respeito. Dentre os marinheiros, poucos eram aqueles que realmente tinham conhecimento das desvantagens do encouraçado frente às baterias costeiras do forte.

Assim como o encouraçado, o forte também possuía poderosos canhões. A diferença estava na proteção de cada um. Os canhões do encouraçado pouco podiam fazer contra as robustas muralhas de concreto com até doze metros de espessura que protegiam o moderno forte. Já as granadas de 445kg da bateria costeira principal eram capazes de atravessar facilmente uma blindagem de 525mm numa distância de 4.550 metros. Nem mesmo as áreas mais blindadas do encouraçado resistiriam a tal impacto. Na batalha entre os canhões alemães do forte e os canhões britânicos do encouraçado, os primeiros levavam vantagem. Era questão de tempo para que o navio fosse massacrado.

As duas cúpulas principais do Forte de Copacabana. A mais elevada (direita da foto) possui dois canhões de 305mm e a outra (esquerda da foto) um par de canhões de 190mm. FOTO: Guilherme Poggio

Assim que o encouraçado cruzou a barra, o mesmo surgiu por de trás do morro do Leme e foi visto pela guarnição do forte. Bastava ao capitão Euclides Hermes, então no comando dos canhões principais, manobrar a cúpula na direção do encouraçado e disparar suas granadas de 305mm para a Marinha perder seu mais valioso navio. Mas são os detalhes que fazem a história.

As origens da revolta

Na segunda década do século XX houve um declínio da atividade econômica do Brasil, marcada por uma súbita queda das exportações a partir de 1914 e a redução do fluxo de crédito externo. Com o intuito de salvar a safra cafeeira, o governo emitiu uma grande quantidade de moeda a partir de 1917, agravando as tendências inflacionárias e aumentando o custo de vida.

Quem mais sofria com estas crises econômicas eram exatamente as camadas mais humildes da população, que ensaiavam os primeiros movimentos grevistas e provocavam agitações urbanas. Descontentes, estes cidadãos criticavam fortemente seus representantes políticos e a oligarquia a eles associada.

Na esteira da crise econômica, surgiram divergências políticas que racharam as oligarquias da época. Com a morte do recém-eleito presidente Rodrigues Alves em 1919, a questão sucessória ressurgiu. Uma solução que agradasse a todos (ou descontentasse o menor número possível) foi a escolha de Epitácio Pessoa, um político da Paraíba sem vínculos com São Paulo ou Minas Gerais, estados que impuseram a política do “café com leite”.

Raul Soares, primeiro ministro civil da Marinha. Sua escolha pelo presidente Epitácio Pessoa causou grande mal estar entre os oficiais da época.

Vencida a eleição, o novo presidente nomeou dois civis para as pastas militares (Ministério da Guerra e da Marinha) quebrando uma tradição republicana e atraindo a ira dos oficiais, principalmente os mais novos. Além disso, toda e qualquer manifestação contrária ao governo dentro das Forças Armadas era punida com a transferência do militar para as unidades mais distantes possíveis. Posteriormente, outros acontecimentos aumentariam ainda mais as divergências entre o Executivo e os militares.

O clima da eleição seguinte ficou tenso. A sucessão teve início ainda em princípios de 1921. Como Epitácio havia ocupado o quadriênio de um “presidente paulista”, ficou acordado que o candidato da situação seria o mineiro Arthur Bernardes. Neste meio tempo, o ex-presidente Nilo Peçanha retornou da Europa e, publicamente, manifestou seu descontentamento com a candidatura de Bernardes. Os descontentes com os rumos políticos da situação logo viram em Nilo Peçanha um opositor de peso e lançaram sua candidatura, formando a “Reação Republicana”.

Nilo Peçanha também tinha laços de amizade com o marechal Hermes, outro ex-presidente e homem de muito respeito entre os militares. Logo, a grande maioria dos oficiais passou a apoiar a candidatura de Peçanha à presidência, arrastando de vez os militares para a política.

O marechal Hermes da Fonseca, ex-presidente da República e figura importante entre os militares da época, foi peça central na crise que terminou com a rebelião do Forte de Copacabana.

Em 9 de outubro de 1921, plena campanha presidencial, o Jornal Correio da Manhã publicou o que ficou posteriormente conhecido como as “cartas falsas”. O conteúdo delas abriu uma crise tão grande que os oficiais reunidos no Clube Militar chegaram a pedir a renúncia do candidato do Governo, Arthur Bernardes. Mas nada disso impediu que Bernardes vencesse as eleições de 1º de março de 1922.

Meses depois da vitória da situação, tropas federais foram enviadas para conter manifestações populares em Pernambuco. O marechal Hermes, então presidente do Clube Militar, enviou uma correspondência ao comandante da região militar insinuando que o mesmo não cumprisse as ordens do governo e terminou o telegrama dizendo:

“Não esqueçais que as situações políticas passam e o Exército fica!”

No dia 2 de julho, o presidente Epitácio Pessoa mandou fechar o Clube Militar e prender o seu presidente, o marechal Hermes da Fonseca. Solto no dia seguinte, diversos oficiais viram na atitude do presidente uma humilhação ao marechal. No Palace Hotel, onde estava hospedado, o marechal Hermes recebeu a visita de um jovem oficial da Aviação do Exército. Era o tenente Eduardo Gomes levando uma carta do capitão Euclides Hermes, filho do marechal. O, capitão, comandante do Forte de Copacabana, iniciaria a rebelião na madrugada do dia 5 de julho.

O Forte de Copacabana

Os fortes existentes no entorno da Baía de Guanabara pertenciam ao Exército e, assim como a esquadra, compunham o sistema de defesa da capital federal.

Administrativamente, eles estavam reunidos sob o comando do “1º Districto de Artilharia de Costa”, subdividido em dois setores: Leste e Oeste. O primeiro incluía aqueles localizados na margem oriental da entrada da baía (lado de Niterói) e o último englobava os da margem ocidental (cidade do Rio de Janeiro).

O Forte de Copacabana pertencia ao setor Oeste e, em 1922, era guarnecido pela 1ª Bateria Isolada de Artilharia de Costa sob o comando do capitão Euclides Hermes da Fonseca desde março de 1920. Na época, era a instalação mais moderna deste tipo no entorno da Baía de Guanabara.

O capitão Euclides Hermes da Fonseca (no destaque acima), filho do Marechal Hermes, tornou-se em 1920 o sétimo comandante do forte. Nos primeiros anos de vida o forte era comandado por oficiais com o posto de major. A partir da segunda metade de 1919 ele passou a ser comandado por capitães.

A origem do Forte de Copacabana remonta ao século XVIII, quando no local, conhecido como “Ponta da Igrejinha”, foram iniciadas as obras de uma fortificação para proteger a capital da colônia do Brasil, recém-transferida de Salvador. As obras nunca foram concluídas e sucessivas tentativas de retomada das mesmas fracassaram até o início do século XX.

Durante o governo do presidente Affonso Penna (1906 a 1909), o então Ministro da Guerra Marechal Hermes da Fonseca empreendeu grande modernização do Exército e, dentre os novos projetos, estava a construção do Forte de Copacabana. A construção propriamente dita começou em 1908 com a assessoria técnica alemã. Foram importados mais de seis mil itens da Alemanha, desembarcados num cais construído para este fim ao lado da obra.

Torre dupla com os canhões de 305 mm ainda nas instalações da Krupp em Essen (Alemanha). Esta rara foto mostra a parte inferior da cúpula, posteriormente cercada por peças de concreto.

Dentre os principais itens estavam os canhões construídos pela Krupp AG da Alemanha. Este armamento dividia-se em três diferentes calibres reunidos em quatro cúpulas blindadas. A cúpula principal possuía dois canhões de 305 mm (12 pol.) com alcance máximo de 23 km. A cúpula secundária, também geminada, possuía dois canhões de 190 mm com alcance máximo de 18 km. Por fim, existiam duas cúpulas simples, uma voltada para norte e outra para sul, com um canhão de 75 mm cada (alcance de 7 km) para defesa aproximada.

Todo este poderio bélico (para a época) era fortificado por muralhas voltadas para o mar que variavam de 6 a 12 metros de espessura, compostas por peças de concreto armado. A obra levou quase sete anos para ser concluída, sendo inaugurada em 1914, quando o marechal Hermes da Fonseca ocupava a presidência.

As obras da construção do Forte de Copacabana começaram em 1906, sendo concluídas em 1914. A imagem acima apresenta a dimensão da empreitada, bem como a fortificação da estrutura.

(CONTINUA NA PARTE 2 >>>>>>>>>>>)

(*) O texto foi originalmente publicado no antigo site do Poder Naval OnLine em novembro de 2008. A versão atual foi ligeiramente modificada e atualizada.

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