Um encouraçado contra o forte – parte 2
por Guilherme Poggio (*)
Começa a rebelião
Uma hora e vinte minutos do dia 5 de julho de 1922. Dois disparos contra a ilha de Cotunduba anunciavam o início da revolta. Em seguida, o forte passou a disparar contra alvos militares como o forte da Vigia (atual Forte do Leme) e o 3º RI na Praia Vermelha.
Na Vila Militar o movimento no cassino dos oficiais do 1º Regimento de Infantaria naquela hora da madrugada era atípico. Após ouvir disparos de canhões, o tenente Frederico Boys, no comando de dois pelotões da 9ª Companhia, cercou o cassino e deu voz de prisão. Seguiu-se uma confusão com tiros e lutas corporais. Em pouco tempo os revoltosos foram dominados.
Muitos dos oficiais revoltosos que deveriam se agrupar na Escola Militar do Realengo foram detidos antes de chegarem lá. Os poucos que conseguiram, decidiram seguir com o levante. Dos mais de seiscentos cadetes, apenas nove recusaram-se a participar. Houve troca de tiros com oficiais legalistas e os que conseguiram fugir pediram reforço na Vila Militar. Ao clarear do dia 5 os cadetes partiram para o encontro das tropas da Vila Militar, na esperança de que estes aderissem à revolta. O resultado foi exatamente oposto e as tropas da Vila Militar declararam-se legalistas. Num rápido combate, com poucas baixas, os revoltosos capitularam.
A situação começou a ruir para os revoltosos. O marechal Hermes da Fonseca recebeu ordem de prisão. Em Niterói os revoltosos foram logo dominados pela polícia local. No Mato Grosso, as tropas do General Clodoaldo da Fonseca renderam-se incondicionalmente. Como as insurreições na Escola Militar e no 1º Regimento de Infantaria foram logo debeladas, restava somente aquele que deflagrou o movimento, o Forte de Copacabana. Na tarde do dia 5, o forte já enfrentava o fogo das fortalezas legalistas, principalmente aquele proveniente de Santa Cruz.
Um Forte contra a capital federal
O levante em si não foi uma surpresa para o governo, pois o Chefe de Polícia da capital federal já havia alertado o presidente sobre os preparativos dos revoltosos. O que surpreendeu o governo foi a capacidade de uma bateria de defesa costeira, projetada para disparar contra navios, ser empregada contra alvos terrestres dentro da cidade.
Canhões como os do Forte de Copacabana, são peças de artilharia com trajetória tensa, ou seja, combinam pouca elevação (pois não precisam ultrapassar obstáculos como morros e serras), maior velocidade inicial da granada e grande carga de projeção. Estas características também permitiam aos canhões alemães de 305mm disparar contra alvos distantes até 23.300 metros. Por este motivo as tábuas de tiro prestavam-se ao emprego naval e não contra alvos terrestres. Obviamente que a guarnição do forte tinha conhecimento prévio do contratempo e passou a reavaliar as tábuas de tiro utilizando novos ângulos de elevação e cargas de projeção reduzidas com o propósito de empregar os canhões contra alvos terrestres.
Neste quesito os revoltosos não decepcionaram e o Morro de São João deixou de ser um obstáculo natural entre o forte e a região central da cidade. Na manhã do dia 6 de julho, o Quartel do Batalhão Naval na Ilha das Cobras foi bombardeado pelo forte. Ali faleceram três fuzileiros navais vítimas dos disparos. Em seguida os disparos voltaram-se contra o edifício do Ministério da Guerra, local de onde partiu a ordem de prisão do marechal Hermes. O tiro foi longo, mas suficiente para gerar protestos por parte do próprio ministro Calógeras. Seguiram-se outros dois disparos que acertaram o alvo em cheio, causando a morte de três praças e ferindo outros tantos. Em vista da precisão dos tiros o pânico instalou-se de forma generalizada e o Quartel General foi obrigado a mudar de endereço.
Tanto o Quartel do Batalhão Naval, situado na Ilha das Cobras (foto da esquerda) como o edifício do Ministério da Guerra (foto da direita) foram alvos do Forte de Copacabana.
O Forte de Copacabana precisava ser derrotado antes que a capital federal fosse destruída. Os planos para combater o forte já estavam traçados naquela altura dos acontecimentos. Caberia à Marinha e suas principais unidades de combate a tarefa fazer fogo intenso contra o forte.
O planejamento do combate
Naquela época, a Marinha do Brasil não contava com um serviço de informações na sua estrutura ministerial. Embora fatos anteriores tenham demonstrado a existência de focos conspiratórios dentro das forças armadas, as informações eram repassadas por militares que delatavam companheiros, pelo chefe da polícia local e pelo almirante Alexandrino, ex-ministro da Marinha e senador da República. Por estas informações, o Ministro Veiga Miranda colocou a Marinha em alerta já no dia 3 de julho.
Os encouraçados Minas Geraes e São Paulo passavam (como era de costume) por reparos. O Minas Geraes estava docado no dique Afonso Pena. Os reparos no casco foram interrompidos e o navio foi aprontado. Por volta das 15 horas o dique começou a encher. Auxiliado pelo rebocador Laurindo Pitta, o Minas Geraes deixou o dique e fundeou no poço dos encouraçados, onde começou a receber os batelões com a munição. O São Paulo encontrava-se do outro lado da baía, atracado ao cais da Ilha Vianna, recebendo reparos diversos. Por volta das onze horas da manhã as caldeiras foram acesas e, logo depois, começou a receber carvão. Os testes de máquinas ocorreram durante a noite.
Em relação ao armamento dos encouraçados, o mesmo encontrava-se em boas condições. Isto foi demonstrado em fevereiro daquele ano quando ambos os navios realizaram exercícios de tiro ao largo das Ilhas de Maricás. Os canhões dispararam contra um alvo rebocado, o mercante Alagoas. O alvo não foi atingido, mas os canhões demonstraram eficiência e a tripulação estava adestrada.
Mesmo sendo belonaves poderosas, o Forte de Copacabana ainda sim representava um inimigo de respeito para os encouraçados. Cada navio possuía uma bateria principal composta por 12 peças de 305 mm, contra apenas duas do mesmo calibre que o forte possuía. Mas em função da posição das torres, nem todas as peças dos encouraçados poderiam ser utilizadas ao mesmo tempo. Na melhor situação, cinco torres, totalizando dez peças de 305 mm, poderiam ser utilizadas simultaneamente.
Se o forte perdia em número de bocas de fogo ganhava em alcance. Seus dois canhões de 305mm disparavam granadas de 445 kg com alcance máximo de 23.300 metros, contra 21.800 dos canhões dos encouraçados. Além disso, a proteção do forte, com suas muralhas de até 12 metros de espessura, resistiria muito mais que a blindagem dos dreadnought brasileiros.
A questão das muralhas de concreto acabou definindo o tipo de granada a ser empregado pelos navios. As poderosas granadas perfurantes permitiam atravessar uma couraça de aço de até 305 mm. Eram ideais para combates entre navios, mas não para bombardeio costeiro ou, como no caso, ataques a fortificações terrestres. A opção recaiu sobre granadas comuns de 385 kg cada.
Os navios tinham a vantagem da mobilidade, mas esta era bastante limitada, para não dizer próxima de nula, pelas características geográficas da baía. Mesmo assim, o combate jamais ocorreria numa distância superior a 7250m em função destas mesmas limitações geográficas. Isto era extremamente preocupante para os navios, pois as granadas do forte atravessavam uma blindagem de aço de 388 mm de espessura a 10.400 metros. Numa distância inferior a esta, mesmo as partes mais protegidas dos encouraçados (305 mm de espessura) seriam facilmente atravessadas.
A Marinha não tinha escolha, ou recusava o combate ou executava-o numa distância curta. Esta segunda opção foi escolhida e a distância média foi definida como 6.000 metros. Os navios deveriam navegar no sentido Norte-Sul a uma velocidade pré-definida de 9 nós. Também foi estabelecido que apenas um canhão de cada torre dispararia ao mesmo tempo, limitando a salva a cinco tiros. Foi utilizada a experiência da fortaleza de Santa Cruz, que no dia 4 disparou diversas vezes contra o Forte de Copacabana sem maiores perigos para os moradores do entorno do mesmo. Portanto, a primeira salva dos encouraçados seria executada no mesmo alinhamento.
CONTINUA NA PARTE 3 >>>>
(*) O texto foi originalmente publicado no antigo site do Poder Naval OnLine em novembro de 2008. A versão atual foi ligeiramente modificada e atualizada.