Um breve relato sobre a História Naval

Sérgio Vieira Reale
Capitão-de-Fragata (RM1)
“A arte da guerra nos ensina a não confiar na probabilidade do inimigo não vir, mas sim na capacidade de prontidão em recebê-lo”. SUN TZU[1]
As guerras sempre fizeram parte da história da humanidade. A História Naval, parte integrante da História Marítima, trata da guerra no mar, mais especificamente, do emprego de um Poder Naval[2] na disputa pelo controle de uma área marítima. A História Marítima abrange as demais atividades e os fatos ocorridos no mar.
Desde a Antiguidade[3] o uso do mar, como fonte natural de recursos e meio de circulação de riquezas, causou o aparecimento da pirataria e despertou interesses antagônicos. A progressiva ameaça ao comércio marítimo acarretou o surgimento do navio de guerra para proteger os navios mercantes. Nascia assim a Marinha de Guerra. Durante séculos, o Mar Mediterrâneo foi o principal Teatro de Operações Marítimo (TOM) e via marítima comercial.
A guerra naval na Antiguidade e na Idade Média[4] era realizada de acordo com as seguintes fases: manobras de aproximação entre os navios, lançamento de armas de arremesso (flechas, dardos e misturas incendiárias) e, após a abordagem, combate corpo a corpo nos conveses utilizando armas brancas. Naquele período, duas táticas predominavam. O abalroamento que combinava choque e movimento e a abordagem. O abalroamento estava associado ao uso do esporão, protuberância de bronze integrada na proa dos navios de guerra. Sua função principal era perfurar o casco. Também poderia ser empregado para atacar os remos da embarcação inimiga, com o objetivo de restringir a sua capacidade de manobra. A abordagem consistia na fixação a contra bordo do navio adversário, para proceder a luta corpo a corpo nos conveses e apresar o navio como fonte de renda.

As armas de arremesso não eram capazes de infligir danos significativos à estrutura do navio adversário. Dessa forma, até o século XV, o grande objetivo da guerra naval era neutralizar o combatente inimigo. Os navios eram movidos por remadores na aproximação para o combate. A vela quadrada era utilizada para o descanso dos remadores nas longas travessias.
Em 480 a.C, durante as guerras greco-pérsicas, a Batalha de Salamina, que foi combatida com triremes, foi a mais importante Batalha Naval da Antiguidade. As trirremes foram os principais navios de guerra daquele período. Elas tinham três ordens de remos para aumentar a velocidade, ou seja, os remadores eram dispostos lado a lado e em níveis diferentes de bancadas.
No estreito entre a Ilha Salamina e a Grécia, a esquadra grega em grande desvantagem numérica derrotou a esquadra Persa. Esta vitória interrompeu a sequência de tentativas de invasão da Pérsia sobre a Grécia e Atenas se tornou a maior potência naval do mundo grego.
A guerra no mar só iria se modificar no final da Idade Média com o surgimento do canhão. Devido ao seu crescente poder de destruição produziu significativas alterações na guerra naval. Após o sucesso observado nos combates terrestres foram trazidos para bordo e, inicialmente, instalados na proa e na popa das embarcações devido à propulsão a remos. Para sua instalação em maior número, forçou lentamente o abandono da propulsão a remos. Na tática, provocou a decadência da abordagem e do abalroamento. O navio adversário passaria a ser o novo objetivo da guerra naval e não mais o combatente. À medida que o calibre e o peso dos canhões aumentou, surgiu a necessidade de construir um convés abaixo do convés principal, e fazer aberturas no costado para instalação dos mesmos pelos bordos.

Durante o século XVI, o Mar Mediterrâneo foi um teatro de operações que rivalizou cristãos e muçulmanos. Esperava-se que uma batalha decisiva entre duas esquadras resolvesse o conflito. Em 1571, para conter a expansão dos turcos otomanos no mediterrâneo oriental e na Europa tivemos a Batalha Naval de Lepanto (Grécia), última batalha entre navios com propulsão a remos. Essa batalha foi realizada pela Santa Liga, coalizão naval de estados católicos (espanhóis, genoveses e venezianos) contra os turcos otomanos.

Na Idade Contemporânea[5], a História Naval foi marcada por significativas transformações tecnológicas no setor da construção, na propulsão e no armamento. A Revolução Industrial trouxe propulsão a vapor, substituição da madeira pelo ferro (couraça), projetil explosivo, o hélice para substituir as rodas de pá, o aparecimento das minas e dos torpedos.
O navio a vapor não dependia mais dos ventos para navegar. A introdução das couraças de ferro nos cascos reduziu os danos causados pelos tiros de canhões. Por outro lado, fez com que os canhões aumentassem seus calibres e se tornassem mais potentes. No que se refere à tática, a manobra dos navios buscava possuir o vento, ou seja, obter a posição do barlavento para iniciar o ataque.

A guerra no mar não é um fim em si mesma e toda batalha tem algum efeito na história. Retornando ao início do século XIX, Napoleão Bonaparte, coroado imperador na França em 1804, iniciou uma política expansionista na Europa e encontrou como principal inimigo a Inglaterra.
A Batalha Naval de Trafalgar[6] ocorrida em 1805, entre a esquadra inglesa e a esquadra franco-espanhola, resultou na vitória britânica e no fracasso do “Grande Projeto” de Napoleão Bonaparte, que era invadir a Grã-Bretanha. Vale ressaltar que, esta foi a última batalha naval de navios com propulsão à vela.
Na Guerra Civil Norte-Americana ou Guerra da Secessão (1861-1865), o navio encouraçado passou a se afirmar em relação aos navios de madeira. Em 1862, em “Hampton Roads”, tivemos a primeira batalha naval entre dois navios encouraçados.

O CSS Virginia dos confederados (sulistas) foi construído a partir do casco de madeira da Fragata USS Merrimack. O navio possuía propulsão a vapor, chapas de ferro, canhões de diferentes calibres e um esporão na proa.
O USS Monitor da União já tinha leme, hélice, possuía uma couraça de ferro e dois canhões montados numa torre giratória, que permitia conteirar e atirar sem ter que manobrar o navio.
A principal operação de guerra naval da Marinha da União foi o bloqueio naval nos portos Confederados. Para combater o bloqueio da união sobre os portos do sul foi construído um submarino, que foi projetado por Horace Lawson Hunley. A propulsão era humana. O hélice era movido por manivelas movimentadas pelos tripulantes.

No dia 17 de fevereiro de 1864, o submarino Hunley afundou o navio veleiro USS Housatonic da União, que estava bloqueando o porto de Charleston na Carolina do sul. O Hunley era equipado com uma lança que possuía material explosivo na extremidade.
No século XX, as guerras no mar não mais se restringiriam somente aos navios de guerra. O emprego de submarinos e a capacidade ofensiva da aviação embarcada, nas duas grandes guerras mundiais, trouxeram uma nova dimensão aos conflitos armados.

Na Primeira Guerra Mundial, cabe ressaltar a campanha submarina realizada pelos alemães, o emprego de comboios na proteção do tráfego marítimo e a Batalha naval da Jutlândia, entre alemães e ingleses, que envolveu 250 navios.


Na Segunda Guerra Mundial, o Navio Aeródromo (NAe) passou a ser a unidade de maior valor da esquadra em substituição ao Encouraçado. O canhão naval atingiu o seu auge. As operações anfíbias foram muito empregadas, em especial, o desembarque na Normandia (Operação Overlord) e no Teatro de Operações do Pacífico.

Na segunda metade do século XX, o surgimento dos mísseis, em função do seu alcance, precisão e poder de causar avarias nas múltiplas ameaças, causou um novo impacto na guerra naval.

Em 1967, a Guerra dos Seis Dias foi um conflito armado entre o Estado de Israel e os Estados árabes (Egito, Síria e Jordânia). Esse combate foi mais um periodo da tensão entre árabes e israelenses desde a fundação do Estado de Israel em 1948.
Em 21 de outubro de 1967, o contratorpedeiro israelense “Eilat” foi o primeiro navio de guerra a ser afundado por mísseis. Este ataque foi realizado por duas lanchas egipcias da classe Komar, que lançaram mísseis superfície-superfície “Styx” de fabricação russa.

No que se refere aos avanços tecnológicos, a guerra naval no século XXI está na era da robótica e da inteligência artificial (IA). Em 2025, a Marinha norte-americana divulgou um video, a bordo do contratorpedeiro USS Preble (DDG 88), testando a arma laser de alta energia HELIOS (“High Energy Laser with Integrated Optical-Dazzler and Surveillance”) contra um drone. Essa arma tem uma tecnologia capaz de proteger navios de guerra, engajar drones e pequenas embarcações.

O contratorpedeiro USS Fitzgerald (DDG 62) é o primeiro navio a instalar um Sistema de inteligência artificial – Enterprise Remote Monitoring (ERM) para identificar previamente necessidades de manutenção em equipamentos.
Finalmente, as guerras e os avanços tecnológicos sempre caminharam lado a lado. Ao longo dos séculos, a evolução da guerra naval promoveu constantes inovações na arquitetura dos navios, na propulsão, no armamento, nas comunicações e, mais recentemente, nos sistemas de dados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E SITES CONSULTADOS
- ALBUQUERQUE, Antônio Luiz Porto; SILVA, Léo Fonseca e. Fatos da História Naval. 2.ed. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação da Marinha. 2006.
- LIDDELL, H. As grandes guerras da história. São Paulo, Ibrasa. 1982.
- VIDIGAL, Armando e de Almeida, Francisco Eduardo Alves. Guerra no Mar: batalhas e campanhas navais que mudaram a história. Record. 2009.
- JUNIOR, Haroldo Basto Cordeiro. DE ARS BELLUM. O estado da arte bélica no inicio do século XX. Revista Marítima Brasileira, Rio de Janeiro, v. 121, n. 01/03, jan/mar. 2001.
- https://www.naval.com.br/blog/2025/02/03/us-navy-divulga-imagens-do-teste-do-helios-a-bordo-do-uss-preble/
- https://www.twz.com/news-features/destroyer-has-become-first-u-s-navy-ship-to-deploy-artificial-intelligence-system
[1] Filósofo e pensador militar chinês.
[2] O Poder Naval é o braço armado do Poder Marítimo.Compreende os meios navais, aeronavais e de fuzileiros navais, as bases e posições de apoio da Marinha.
[3] Período compreendido entre a invenção da escrita e a queda do Império Romano Ocidente 476 d.C
[4] Período compreendido entre a queda do Império Romano do Ocidente 476 d.C e a conquista de Constantinopla pelos turcos otomanos em 1453 d.C
[5] Período compreendido entre a Revolução Francesa, em 1789, e os dias de hoje.
[6] Cabo localizado ao sul da cidade de Cádiz na costa espanhola.
Belo resumo 👍
Se fosse contar a história na íntegra teria que dividir por capítulos ou episódios ⚓️
Excelente texto ” A primeira foto é icônica” com o Pennsylvania liderando o Colorado o
Louisville, Portland e Columbia e esse “velho nerd” tentou muito tempo atrás fotografar
os 5 modelos de metal na escala 1:1250 colocados em linha sobre a mesa ..quanta perda de tempo 🙁
Bom dia Dalton;
Pois é 🤷♂️
Hoje em dia pessoal não aprecia uma boa história/imagem naval de época, querem colocar os ideais e pensamentos (proselitismo político) e a geopolítica da atualidade em contexto nos comentários ora aqui expanados de forma distorcida.
Venho percebendo que os próprios editores do blog vem tentando “resgatar” isso (A matéria divulgada em questão).
Temos comentaristas e temos proselitismos.
A verdade é essa 😏
Bom final de semana a todos 👍⚓️🇧🇷🙌
“A arte da guerra nos ensina a não confiar na probabilidade do inimigo não vir, mas sim na capacidade de prontidão em recebê-lo”. SUN TZU[1]
Curiosamente, a IJN e o próprio Yamamoto, apesar dele saber do poderio industrial norte-americano e de saber que, numa guerra prolongada, eles não teriam chance contra os EUA, foram os que mais ignoraram a regra acima..
Yamamoto rendeu-se à vontade do Exército que de fato mandava no país e apostou todas as fichas que os EUA não estariam interessados em uma guerra prolongada no Pacífico
à Alemanha era vista como principal adversário.
O que torna tudo ainda mais curioso, pois anos antes, o Exército Japonês já tinha sentido o “gostinho” do que seria lutar contra uma FA realmente numerosa, mecanizada e apoiada por grande poderio industrial nas batalhas de Khalkin-Gol, e o que eles fizeram? Dobraram a aposta atacando diretamente os EUA. Eu sei que é fácil eu, no presente e com meu conhecimento de hoje, criticar decisões do passado feitos por gente com o conhevimento restrito da época, e eu evito ao máximo fazer isso, mas… Quando você estuda sobre a atuação dos japas na WWII, você se pergunta o que… Read more »
Mas a guerra com os EUA era vista como uma guerra “diferenciada” onde blindados não seriam decisivos, onde a marinha japonesa garantiria um anel de ilhas fortificadas ao redor do Japão.
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De certa forma o Japão colocou-se contra a parede ao tentar dominar toda a Ásia e diante do embargo americano recuar seria humilhante.
“Mas a guerra com os EUA era vista como uma guerra “diferenciada” onde blindados não seriam decisivos, onde a marinha japonesa garantiria um anel de ilhas fortificadas ao redor do Japão” O que, por sua vez, escancarou a quantidade de erros e más-decisões da IJN. Pra um país que dependia praticamente de importações de matérias-primas e que “sugava” tudo da China e de países que ela invadia, ela sempre deu pouco caso a navios de escolta a sua marinha mercante, pra não falar de seu desprezo por “controle de danos”. Duas derrotas, e a USNavy transformou a IJN em uma… Read more »
Mas se eles atacassem a União Soviética junto com os Alemães a União Soviética cairia , eles mas estavam aguentando lutar em uma frente ,o que dirá duas .
Bom dia Wilber;
Mas conseguiram um feito, ataque surpresa a Pearl Harbor.
Os EUA amargam essa batalha até hoje, mas venceram com o poderio bélico inventado e testado na época (bomba nuclear). Que o Japão nem esperava também por isso ( Destruição total Hiroshima e Nagasaki).
Hoje vence a Guerra quem apertar o botão primeiro se for para esse lado (Destruição em massa)
Se bem que o ataque não atingiu nenhum NAe e a infraestrutura em Pearl Harbor e os
aviões destruídos foram rapidamente substituídos.
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Os EUA “sofreram” em 1942 por terem sido um tanto quanto negligentes em investir na defesa e a prioridade era à Alemanha que arrancava recursos que poderiam ter sido utilizados contra o Japão, mas em 1943 os meios que estavam em construção em 1941 começaram a entrar em serviço em maior número.
Ataque surpresa que, diga-se de passagem, foi provavelmente “O” maior erro da história japonesa: Não destruiu a frota inimiga; Não destruiu a base; Praticamente não fez danos aonde REALMENTE deveria ser destruído ( depósitos de combustível, oficinas e docas-secas ); Não casou praticamente nenhum dano ou perca que os EUA não puderam substituir em semanas ou meses; Só funcionou porque foi surpresa ( qual outro ataque surpresa os japas conseguiram fazer contranos EUA depois disso ? ); Compraram briga com um país com um poderio econômico / industrial / populacional vastamente superior a eles. Com todo o respeito aos japoneses… Read more »
Os Americanos venceriam com ou sem a Bomba, após Midway a Marinha Japonesa ficou praticamente sem porta aviões, e com o lançamento dos Hellcat e dos Corsair os Americanos dominaram os céus
Pelo que lembro, a estratégia do Japão era neutralizar a esquadra do Pacífico, pressionando os EUA a fazer um acordo com o Japão. Olhando hoje, o Japão fez uma leitura muito equivocada da geopolítica. Pelo que sei, esta estratégia foi formulada pelos militares do exército que exerciam o poder de fato. Esta estratégia mais ou menos repetia o que aconteceu na guerra entre a Rússia e o Japão há apenas cerca de 35 anos antes do ataque á Pearl Habour. Os generais que estavam no poder naquele governo militarista no Japão tinham participado de um modo o de outro naquela… Read more »
“Esta estratégia mais ou menos repetia o que aconteceu na guerra entre a Rússia e o Japão há apenas cerca de 35 anos antes do ataque á Pearl Habour.” Quando você faz algo que dá certo, é certa, quase compreensível, que você queira usar o que deu certo de novo e de novo, ignorando os motivos do PORQUE deu certo a 35 anos atrás, mas não daria certo de novo. Eu poderia escrever uns 15 motivos do porque deu certo contra a Rússia czarista, mas não daria certo contra a USNavy, mas deixa pra lá. “Olhando hoje, o Japão fez… Read more »
Pois é.. acho que esta ideia de repetir uma solução bem sucedida em um contexto diferente é recorrente. Os miliares que dominavam o cenário anterior à I Guerra também empregaram estratégica inócuas no novo contexto tecnológico da década de 1910. Uma das coisas mais conhecidas era o uniforme francês com calças vermelhas… se no século XIX uniformas vistosos criava uma forte pressão psicológica, a partir da invenção da metralhadora tornou as tropas alvos fáceis. Todos estes aspectos de uma guerra moderna já estavam presentes de modo incipiente na Guerra Civil dos EUA. Outro aspecto interessante de negação foi a postura… Read more »
Excelente resumo da história naval ocidental, mas tenho curiosidade sobre a história naval oriental, deve ser rica em situações entre japoneses, chineses e coreanos.
Excelente tema para o Comte Reale pesquisar e apresentar um resumo dessa sua sugestão, pq não ?! 🤷♂️
Existe um relato da 1 guerra mundial,na Batalha naval da Jutlandia,entre a Inglaterra e Alemanha,os alemães disseram que no calor da batalha um obus explodiu em um corredor dentro de um Cruzador abrindo uma porta blindada,logo apos outra granada explodiu e fechou a porta,depois da batalha os alemães disseram,como sao educados estes ingleses,primeiro abrem a porta depois a fecham.
A história é muito boa, mas acho que é apenas um mito.. Lembrei do jornalista entrevistando o senador (James Stewart) no final do filme “O homem que matou o facínora”.
“Quando a lenda é maior que o fato, publique-se a lenda”