EURONAVAL 2024: Um ponto de vista francês
Por Jean François Auran*
(Reportagem e fotos)
Desde 1968, a EURONAVAL tem sido o evento mais importante para o setor naval e as marinhas do mundo. Foi inaugurada em 4 de novembro em um momento histórico para o mundo, com a incerteza estratégica da eleição americana e a guerra na Ucrânia como pano de fundo.
A edição anterior, em 2022, contou com a presença de 150 delegações, incluindo 39 delegacões, 22.000 visitantes e 1.400 reuniões BtoB. 450 expositores, incluindo empresas israelenses, participaram na exposicão , doze pavilhões estrangeiros foram montados e 300 jornalistas foram credenciados. Mais uma vez, a feira foi o local ideal para apresentar os melhores e mais inovadores equipamentos para marinhas e forças de segurança. A feira não é mais realizada em Le Bourget, mas no Centro de Exposições Paris-Villepinte, que é mais fácil de chegar.
Novas ameaças
Nos últimos anos, surgiram novos conflitos e os antagonismos se acirraram. Como resultado, várias crises estão ocorrendo simultaneamente, com um aumento no nível de violência. Essa deterioração está tendo efeitos duradouros no mar, afetando o tráfego marítimo comercial, o transporte de dados em cabos no fundo do mar e os fluxos de energia. Enquanto o Mar da China ainda é uma área de tensão, desde o final de 2023 o Mar Vermelho se tornou o cenário de situações reais de combate para as marinhas dos países ocidentais. Diante da ameaça russa, os projetos de construção naval militar na Europa Ocidental estão aumentando. Aqui estão alguns aspectos da visita à exposição Euronaval.
O grupo aeronaval: um conceito com futuro
O grupo aeronaval (GAN) com porta-aviões parece continuar a ser o pilar essencial do poder naval moderno e a ferramenta da supremacia naval. A prova disso é que a China e a Índia estão se esforçando para os seus. A República Popular da China acaba de manobrar simultaneamente dois porta-aviões e as unidades associadas. A Turquia também acaba de lançar um programa para um porta-aviões de 80.000 toneladas, com base na experiência do TCG Anadolu, um navio de assalto anfíbio de 232 metros projetado pela Espanha que utilizará drones, abrindo novas perspectivas no combate naval.
Para a França, o porta-aviões Charles de Gaulle vai deixar a frota em 2038. Um novo gigante, o PA-NG, movido a energia nuclear, assumirá a missão. Programado para ter a quilha batida no final de 2025 e entregue em 2038, será o maior navio de guerra já construído na Europa e um dos maiores do mundo. A França é o único país, além dos Estados Unidos, que adotou a propulsão nuclear e a tecnologia de catapulta conhecida como “CATOBAR”.
O projeto do porta-aviões francês de nova geração continua sendo aperfeiçoado. Os estudos continuam no Naval Goup e no Chantiers de l’Atlantique. Por enquanto, o Ministério das Forças Armadas ainda não tomou a decisão sobre a aquisição de duas ou três catapultas, tendo em vista que a adição de uma terceira, embora obviamente represente um custo extra, não exigirá nenhuma modificação no sistema de geração de energia, que será dimensionado para três equipamentos desse tipo. A inteligência artificial (IA) estará obviamente no centro do futuro navio da Marinha Francesa.
O futuro porta-aviões também poderá contar com a nova geração de submarinos nucleares de ataque (SNA), a classe “Suffren” do programa Barracuda. A Marinha Francesa já tem oito fragatas multimissão (FREMM), incluindo duas specializadas na defesa aérea (FREMM-DA), bem como duas fragatas de defesa aérea (FDA), e está aguardando a chegada de sua primeira fragata de defesa e intervenção (FDI). As cinco FDI ajudarão a fortalecer a frota de fragatas de alto nível da França até 2032. Parte do GAN do futuro já foi construída em termos de reabastecimento. O primeiro dos quatro navios de reabastecimento de força (BRF) do programa “Flotte Logistique” (FlotLog), o Jacques Chevallier, foi entregue à Marinha Francesa em julho de 2023.
As fragatas continuam sendo ferramentas essenciais para as marinhas modernas, especialmente em um contexto de conflitos potencialmente mais difíceis. A FDI poderia e deveria ser um verdadeiro “Game Changer”, com potencial real de exportação, sendo que a Grécia já é uma das partes interessadas. A Fincantieri da Itália atualizou a FREMM para EVO. Ela contará com o sistema de comando e controle SADOC 4, um radar de banda dupla C/X dedicado à defesa aérea e uma nova suíte de guerra eletrônica. A Marinha italiana encomendou dois desses navios, por 1,5 bilhão de euros. O estaleiro holandês Damen está participando do programa de fragatas multimissão F122 para a marinha alemã. Damen está também envolvido no programa de construção de seis fragatas ASW para as marinhas holandesa (4) e belga (2).
O programa de corvetas europeias
À margem da exposição Euronaval em Paris, e após a seleção pela Comissão Europeia em maio de 2024 da proposta apresentada em 22 de novembro de 2023 por um consórcio de três estaleiros europeus – Navantia, Fincantieri e Naval Group – juntamente com a Naviris, os CEOs das quatro empresas se reuniram para assinar o acordo inicial do consórcio. Parece que a Marinha francesa prefere a corveta Gowind do Naval Group para substituir as seis fragatas Floréal.
Em Cherbourg, as constructions meécaniques de Normandie começaram a trabalhar no casco das corvetas Combattante BR71 encomendadas pela Abu Dhabi Ship Building para a Marinha angolana. A entrega está programada para daqui a dois anos.
O mercado de OPVs continua dinâmico
Na Euronaval, o construtor naval italiano Fincantieri apresentou sua versão Evo do navio patrulha PPA. A Marinha italiana deve adquirir duas dessas embarcações. O PPA Evo terá armas mais potentes. Ele será equipado com sistemas de lançamento vertical Sylver A50 e A70, compreendendo um total de 64 células e capaz de lançar mísseis de cruzeiro. Em um formato menor, a Socarenam acaba de anunciar um pedido da Defesa Belga para um navio de patrulha offshore de 54 metros, sister-ship do Castor e do Pollux, entregue em 2014 e 2015. O navio de 450 toneladas patrulhará a zona econômica exclusiva.
Em 4 de novembro, o Ministério da Defesa de Montenegro anunciou a assinatura de um contrato com a Kership para a aquisição de duas embarcações de patrulha offshore OPV 60M. O navio será capaz de realizar missões de ação do Estado no mar (policiamento, combate ao tráfico) e está sendo adquirido por meio de um acordo entre governos. A Piriou, que acabou de entregar três OPV58S para a Marinha senegalesa, está trabalhando no programa belga e holandês de caça-minas e na construção do programa da Mrinha Francesa para sete ”patrouilleur hauturier (PH). Um casco está atualmente em construção. O fabricante OCEA apresentou uma evolução de seu barco de patrulha Fast Patrol 98 que vai mais longe e consome 16% menos combustível. A empresa iniciou a construção de um OPV de 58 metros para a Guiana.
Em um segmento diferente, a Austal USA está de olho nos mercados europeus para seu navio médico relativamente novo, que está sendo projetado e produzido para a Marinha dos EUA.
Novas armas, novas munições
Durante a exposição, a MBDA anunciou o desenvolvimento do novo míssil antinavio de médio alcance SM40 Exocet. Lançado de um submarino submerso, ele agora tem um motor turbojato e um alcance dobrado. Ele pode ser instalado em SNA da classe Suffren, bem como nos submarinos Scorpène Evolved e Blacksword Barracuda com propulsão convencional. Já foram produzidas 4.000 versões do míssil Exocet, equipando 36 marinhas. Na área de munições, em 2025, a Marinha Francesa receberá mísseis superfície-ar Aster e kits de modernização para mísseis antinavio Exocet MM40 no padrão Block3C, bem como novos lotes de torpedos pesados F21.
O Naval Group da França está apresentando pela primeira vez um modelo de seu lançador modular multiuso (LPM) montado em torre, projetado para disparar vários tipos de munição a partir de um único dispositivo. Os primeiros testes no mar estão programados para o final de 2026. Um memorando de entendimento para esse fim foi assinado com a Thales e a KDNS. Um volume substancial de pedidos, da ordem de cem ou mais, já está previsto. O fabricante turco Aselsan estava exibindo seu GÖKSUR 100-N, que pode ser equipado com 20 mísseis guiados por IR, desenvolvidos para combate ar-ar e agora adaptados para defesa naval.
A DGA anunciou que havia encomendado 14 sistemas RAPIDFireS40SA da KDNS para equipar futuras embarcações navais francesas. Na mesma feira, a MBDA apresentou um sistema superfície-ar Simbad-RC equipado com quatro mísseis MISTRAL3 prontos para disparar. O grupo CEGELEC tornou-se parceiro da MBDA e fornecerá as torres em vez da Rheinmetall. O míssil MISTRAL agora alcança um alcance de 8 km, o que permite que ele seja usado contra ameaças convencionais e assimétricas.
Na guerra antissubmarino, a Thales deve iniciar as entregas de sua sonoboia ativa/passiva combinada SonoFlash para a DGA no início de 2025. O setor de defesa europeu está procurando completar uma gama de munições subaquáticas para explorar o desempenho dos novos submersíveis do Naval Group e de sua Submarine Team.
Patrulha marítima
Enquanto os dois últimos Atlantique 2s devem ser entregues Aéronavale, os fabricantes estão trabalhando em seu sucessor. Enquanto a Dassault está trabalhando em uma adaptação de um Falcon, a Airbus revelou uma maquete do A321MPA. O fabricante europeu está pegando uma aeronave comprovada, o A321XLR, e transformando-a em uma aeronave de missão. Para transformá-la, a Airbus criará um enorme compartimento de munição na atual área de carga e adicionará sensores, principalmente da Suíte Thales, como um derivado do futuro radar Guépard Marine, o Airmaster-C. O Ministério da Defesa da França ainda não fez um anúncio oficial, mas o fabricante europeu é considerado o favorito.
Veículo subaquático de combate não tripulado
As forças navais muitas vezes se deparam com soluções que nem sempre são maduras. Em 2018, a Marinha Francesa lançou um plano ambicioso que ainda não se tornou realidade. A marinha tem apenas três sistemas S-100 da Schiebel da Áustria para porta-helicópteros anfíbios. Embora todas as unidades de superfície tenham pelo menos um microUAV, está demorando para equipá-los com sistemas de mini-UAV. Vinte e nove navios serão equipados até o final de 2026, em comparação com apenas dez atualmente. A Airbus Heli apresentou o drone VSR700, agora equipado com sonoboias e cargas de profundidade antissubmarino.
Rumo a drones subaquáticos autônomos
Em 28 de dezembro de 2023, a Agência Francesa de Aquisição de Defesa concedeu ao Naval Group um contrato-quadro para o desenvolvimento de um demonstrador de veículo subaquático de combate não tripulado (UCUV). Por isso, o Naval Group lançou um protótipo antigo que será usado como um demonstrador de drones oceânicos (DDO). O UCUV deverá ser capaz de realizar uma missão de longa duração, com duração de até vários dias, sem operação remota. Ele pode operar até cem metros abaixo da superfície. De acordo com o Ministério, o principal desafio é a autonomia de tomada de decisão controlada.
Durante a feira, o Ministério da Defesa da França anunciou um pedido de oito drones submarinos Exail A-18M equipados com o novo sistema de sonar SAMDIS 600 da Thales para equipar os primeiros quatro módulos robóticos de guerra contra minas (MLCMs) da frota francesa. O A18-M tem 3,8 metros de comprimento, 46,5 cm de diâmetro e pesa 370 kg.
A empresa francesa Alseamar lançou uma versão militar de seu planador subaquático SeaExplorer, originalmente projetado para missões científicas de longo prazo. A empresa há muito tempo se especializou em veículos subaquáticos, fornecendo SLVs (Subsea Light Vehicles), como o Murène, para forças especiais e boias de comunicação para submarinos. Desde dezembro de 2023, o mesmo fabricante francês, Alseamar, vem desenvolvendo um sistema de drone aéreo para o Ministério das Forças Armadas da França, rebocado por um submarino em mergulho. Uma vez ejetado com sua boia de comunicação, o Black Bird pode voar por 40 minutos a uma distância de até 20 km.
Em conclusão, a edição de 2024 da exposição Euronaval cumpriu sua promessa em um setor que foi fortemente afetado pelo conflito moderno. A Ásia foi menos representada nesta edição, embora os estaleiros turcos estivessem presentes em peso. O governo queria proibir cinco empresas israelenses, mas os tribunais franceses permitiram que algumas empresas israelenses expusessem.
*É militar reformado do Exército Francês. Faz reportagens e escreve artigos para revistas e sites de defesa