Falando em exercícios de tiro, um divertido relato de sete décadas atrás
A recente decisão da Marinha do Brasil de não mais realizar exercícios de tiro na ilha de Alcatrazes mostra uma preocupação atual com a fauna. Porém, há sete décadas, esse tipo de preocupação e a própria “fauna” eram bem diferentes, como mostra esse divertido relato do almirante reformado Helio Leoncio Martins, quando da incorporação do monitor Paraguassú, em 1940 (em que serviu quando era primeiro-tenente). O trecho faz parte do livro “Estórias Navais Brasileiras”, publicado em 1985 pelo então Serviço de Documentação da Marinha.
“…o Paraguassú só dependia, para a incorporação, das experiências da artilharia, a ver se o convés suportaria os esforços do recuo do canhão de 120 mm nas diversas conteiras. Como o navio já estava pintado e pronto para a cerimônia de incorporação, houve, por parte não sei de quem, a decisão de não se acender as caldeiras e dar os tiros necessários com o navio fundeado em frente ao chamado Costão do Morcego, que fica entre a Praia de Jurujuba e a Fortaleza de Santa Cruz, na entrada da Baía de Guanabara.
Como só num pequeno setor o canhão poderia ser disparado, e devia sê-lo apontado sucessivamente pela proa e pelos bordos, utilizou-se um rebocador para ir girando o monitor até que ele ficasse orientado na direção desejada. O problema tornou-se complicado de saída, pois, por melhor que o rebocador fosse manobrado, ficava muito difícil fazer o giro parar exatamente de forma a permitir que o canhão atirasse no tal costão. Depois de algumas tentativas, conseguiu-se mais ou menos o que se pretendia.
Mas aí outra dificuldade apareceu. Haviam aberto na Pedra do Morcego um caminho de serviço, preparatório para a construção da estrada que lá hoje existe. E algumas crianças, moradoras perto, acorreram e nele se alinharam, atraídas pela curiosidade de ver aquele navio esquisito, criando com isso o impasse, pois ocupavam exatamente o alvo.
A solução – acreditem ou não, mas traduz a expressão da verdade – teve laivos de extrema ternura, de preocupação com a infância. Deu-se a ordem: “um tiro de 47 mm para espantar as crianças!”, isto é, se fossem adultos, levariam mesmo uma descarga de 120 mm, mas, sendo pequeninos, um canhãozinho menor seria mais delicado. E fez-se fogo, espantando realmente as crianças, que saíram correndo, entrando em cena então o canhão maior.
No terceiro tiro (via-se a cada impacto as pedras saltando) comunicaram que uma lancha da fortaleza aproximava-se a toda velocidade e um sargento queria falar com o comandante. Este disse que só poderia atendê-lo quando as experiências terminassem. O sargento insistiu- e acabou informando que disparados os tiros não adiantaria mais, pois o que vinha comunicar é que uma pequena edificação da fortaleza estava sendo demolida. E com isso acabaram-se os testes. ”
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