Marinha muda posição e abre caminho para criação de Parque Nacional no Arquipélago dos Alcatrazes
Herton Escobar / O Estado de S. Paulo
Cientistas, ambientalistas e militares parecem ter chegado a um acordo de paz sobre a proposta de transformação do Arquipélago dos Alcatrazes em parque nacional, a 45 km de São Sebastião, no litoral norte de São Paulo. Pela primeira vez em 30 anos de “conflito”, a Marinha do Brasil concordou publicamente em encerrar os treinamentos de tiro sobre a ilha principal, que, além da beleza cênica, abriga diversas espécies de animais e plantas ameaçadas de extinção.
O “cessar-fogo” foi anunciado na terça-feira passada (dia 11), em uma audiência pública na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados, em Brasília, convocada pelo deputado Ricardo Tripoli (PSDB-SP). O contra-almirante Wilson Pereira de Lima Filho, subchefe do Comando de Operações Navais, afirmou na ocasião que a Marinha do Brasil “concordará totalmente com o estabelecimento do parque nacional” desde que algumas solicitações sejam atendidas; em especial, a exclusão da Ilha da Sapata – um dos rochedos mais periféricos do arquipélago –, que deverá permanecer fora dos limites do parque, para treinamento de tiro dos navios de guerra.
“A Ilha da Sapata, a partir deste momento, passa a ser protagonista nesse processo”, afirmou Lima Filho. Segundo ele, o objetivo é “consagrar a Sapata como alvo único”, para a prática de tiros. “Vamos perder a capacidade de fazer alguns exercícios, mas vamos ter um ganho enorme para o meio ambiente.” (veja a apresentação do contra-almirante)
A Sapata é uma ilhota redonda, de aproximadamente 4 hectares (quatro campos de futebol), localizada a 4 quilômetros da Ilha de Alcatrazes. Tem uma cobertura vegetal rasteira e abriga alguns ninhais de aves marinhas, mas nenhuma espécie endêmica ou ameaçada.
Segundo o contra-almirante, dois exercícios de tiro já foram realizados sobre a ilhota, seguidos de uma análise dos impactos ambientais, em parceria com o Ministério do Meio Ambiente (MMA), e os efeitos foram considerados aceitáveis. “Vamos fazer o terceiro teste em breve; até agora os resultados têm sido bastante positivos”, afirmou Lima Filho. A Marinha usa o arquipélago como alvo para a prática de tiros desde 1980.
“Foi a primeira vez que a Marinha assumiu publicamente que deixaria de atirar em Alcatrazes (na ilha principal). Sem dúvida é um grande avanço”, disse ao Estado Kelen Leite, chefe da Estação Ecológica de Tupinambás, uma unidade de conservação que cobre oito ilhas do arquipélago.
Segundo ela, a Marinha já vinha adotando esse discurso desde o fim do ano passado, dentro de um grupo de trabalho formado em 2010 para discutir o assunto com representantes do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e do Ibama. Mas nunca havia expressado essa posição publicamente, até então. “Foi uma surpresa até para nós, pois eles costumam ser muito reservados com relação a esse tipo de afirmação”, contou Kelen, que representa o ICMBio no grupo de trabalho.
Segundo ela, uma proposta oficial do ICMBio para criação do parque foi enviada para o MMA há mais de um ano, mas até agora não houve retorno por parte do ministério. A proposta já excluía a Ilha da Sapata, e também uma parte da ilha principal – uma enseada chamada Saco do Funil, usada como alvo pelos navios – mas a expectativa é que isso seja alterado, com a nova postura da Marinha. “Como eles disseram que não tem mais interesse na ilha principal, essa área deverá ser agregada ao parque”, avalia Kelen. Apenas a Ilha da Sapata, mais um perímetro de 1 quilômetro ao redor dela, permaneceria fora da área protegida, sob jurisdição da Marinha.
O perímetro proposto, segundo Kelen, foi desenhado com base numa consulta pública realizada em março de 2011, em São Sebastião, e diálogos com todos os setores envolvidos. “É um mapa de consenso”, garante ela. Pela proposta, o parque nacional (PARNA) teria cerca de 160 km2 e a Estação Ecológica (ESEC) de Tupinambás continuaria existindo dentro dele. A ilha principal ficaria como parque, uma categoria de uso sustentável, que permite visitação pública e atividades de mergulho recreativo, por exemplo. Já nas ilhas menores, classificadas como estação ecológica, somente atividades de pesquisa científica são permitidas.
Segundo o secretário de Biodiversidade e Florestas do MMA, Roberto Cavalcanti, “95% do processo (de criação do parque) já está definido”. “Estamos na fase de refinamento da proposta”, disse ele na sexta-feira ao Estado. “Estamos trabalhando com a Marinha e não há dúvida de que a região é de enorme importância biológica.”
“Acho que agora foi dado um passo quase que definitivo para a criação do parque”, disse o deputado Tripoli – mais um que se surpreendeu com a postura positiva apresentada pela Marinha. “Sem dúvida há uma fila muito grande de projetos no ministério para criação de parques e outras unidades de conservação, mas acho que Alcatrazes é um caso emblemático, especial. Já comuniquei à ministra (Izabella Teixeira) sobre a posição da Marinha e ela também ficou bastante surpresa”, relatou.
Otimismo inesperado. A apresentação do contra-almirante Lima Filho, transmitida via internet edisponível no site da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, foi recebida com surpresa e otimismo também por vários ambientalistas e pesquisadores que há anos pedem o fim dos exercícios de tiro no arquipélago – ou, pelo menos, na ilha principal.
“A sensação é de alívio e satisfação”, disse o biólogo Otavio Marques, do Instituto Butantan, que estuda répteis e anfíbios do arquipélago, e que fez uma apresentação na audiência sobre a biodiversidade única do arquipélago. “Eles (da Marinha) pareciam sempre muito irredutíveis; ninguém acreditava que eles fosse assumir essa posição.”
“Fui à audiência preparado para cobrar e debater, mas a apresentação do contra-almirante quebrou o gelo. O posicionamento da Marinha foi surpreendente”, disse Fausto Pires de Campos, coordenador do Projeto Alcatrazes e um dos maiores conhecedores do arquipélago, que tem até uma espécie de rã endêmica da ilha batizada em sua homenagem.
A Cycloramphus faustoi é uma de várias espécies endêmicas (que só existem ali) e ameaçadas de Alcatrazes. Até onde se sabe, ela só existe, em pequeno número, nas encostas de uma baía da ilha, chamada Saco do Funil – um dos principais alvos de treinamento dos navios da Marinha. Outra é a pequena perereca Scinax alcatraz, que só existe nas bromélias da ilha. Além de uma espécie de jararaca, várias de plantas, insetos e outros organismos que só existem no arquipélago. Sem falar na biodiversidade marinha, que é talvez a mais preservada de todo o litoral paulista e certamente vai atrair um grande número de mergulhadores, caso o parque seja mesmo criado e aberto para o turismo sustentável.
Em 2005, houve um incêndio na Ilha de Alcatrazes, supostamente iniciado por tiros da Marinha, que queimou boa parte da vegetação da ilha e acendeu uma luz vermelha sobre os riscos da atividade para a biodiversidade local. Veja abaixo a matéria publicada pelo Estado na ocasião (OBS: há um erro no mapa, justamente na localização da Ilha da Sapata, que na verdade é o que está identificado como Ilha dos Amigos)
FONTE: O Estado de S. Paulo
Excelente! Parabéns a todos!
Existem dois artigos nas Revistas Passadiço do CAAML – Sistemas de telemetria virtual: o futuro das raias de tiro no mundo? ( CC Rocha Violante, Passadiço 2011) e Apoio de Fogo Naval na Líbia: Lições Aprendidas ( idem, Passadiço 2012) – que podem ser interessantes de leitura e fazer algumas conexões com o clipping.
Fora que na Passadiço 2012 tem uma matéria do Galante.