Os 100 anos da Força de Submarinos e o Prosub
Por Alexandre Galante e Fernando “Nunão” De Martini (adaptação e atualização da matéria publicada na revista Forças de Defesa número 11, em 2014)
A Marinha do Brasil comemorou no dia 17 de julho de 2014 os 100 anos do início do emprego de submarinos no país. Atualmente, a Força conta com cinco submarinos convencionais modernos, quatro deles construídos no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro (AMRJ) e aguarda a entrada de pelo menos outras cinco unidades nos próximos dez anos, uma delas de propulsão nuclear.
Navio de guerra destinado a operar submerso usando a ocultação e a surpresa, sendo sua principal missão afundar navios inimigos por meio de torpedos, o submarino é hoje a arma que recebe mais investimentos na Marinha do Brasil por meio do Programa de Submarinos (Prosub), que inclui uma nova base e estaleiro (em Itaguaí – RJ) para fabricação dos cinco novos meios previstos para entrega ao longo dos próximos anos, os primeiros já em construção.
O Brasil acabou envolvido nas duas Guerras Mundiais do século XX por ter seus navios atacados por submarinos inimigos. Também se preparou durante a Guerra Fria para enfrentar a ameaça submarina soviética ao tráfego marítimo, numa possível confrontação Leste-Oeste.
Na nova ordem mundial, com o surgimento das ameaças assimétricas e as disputas crescentes sobre recursos energéticos, o submarino foi escolhido na Estratégia Nacional de Defesa como plataforma ideal para a defesa dos recursos naturais do Brasil, como as reservas do Pré-Sal, privilegiando a negação do uso do mar. Mas nem sempre foi assim. No início, em 1914, e até mesmo já bem depois da Segunda Guerra Mundial, os submarinos eram meios importantes, mas bem secundários em prioridade frente às unidades de superfície. O crescimento de sua importância, chegando aos programas de construção no Brasil, é contado no texto a seguir, desde o começo.
O início dos submarinos no Brasil, ainda como sombra de uma poderosa esquadra
Na virada do século XIX para o XX, coincidentemente a mesma época em que o desenvolvimento tecnológico rapidamente transformava o submarino numa arma de guerra eficaz, a Marinha do Brasil se encontrava em grande inferioridade material frente às duas outras mais importantes da América do Sul, as armadas da Argentina e do Chile. Esses dois países tinham entre si disputas territoriais e marítimas que, por mais de uma vez naquela época, quase os levaram à guerra. Por conta dessa tensão (e até mesmo alimentando-a) ambos promoviam uma verdadeira “corrida naval”, adquirindo na Europa modernos navios de guerra, especialmente cruzadores protegidos (de convés blindado) e pesados cruzadores blindados (com cinta encouraçada). Enquanto isso, a Marinha do Brasil ainda amargava as perdas da Revolta da Armada (1893) e fazia apenas aquisições pontuais de belonaves, sem um plano mais abrangente para a Esquadra, o que era agravado pela situação financeira ruim dos primeiros anos da República.
A melhora da situação financeira do Brasil (cuja economia era baseada na exportação do café) nos primeiros anos do novo século, aliada à consciência da classe política em relação à fragilidade da Armada, quando o tema gerava grandes discussões no Legislativo e na imprensa (com destaque para a defesa de uma Marinha forte por Rui Barbosa), incentivaram a execução de um Programa Naval. De grande importância foi, também, a chegada de José Maria da Silva Paranhos (barão do Rio Branco) ao cargo de ministro das Relações Exteriores em 1902, com a visão de que as principais ações diplomáticas do Brasil necessitavam de um forte respaldo militar.
Coube à gestão do almirante Júlio César de Noronha, à frente do então Ministério da Marinha, o início desse programa. Voltado à formação de uma linha de batalha com três encouraçados de 14.000t e três cruzadores blindados de 9.500t com baterias principais de canhões de 10 polegadas (navios que inovavam por privilegiar maior quantidade de canhões desse calibre, ao invés da profusão de calibres diferentes num só navio, comum à época), o plano incluía alguns exemplares de armas em franca ascensão e desenvolvimento, como seis contratorpedeiros de 400 toneladas e três submarinos – estes, porém, ainda sem características definidas. Também inovava por incluir a construção de um porto militar e estaleiro para manutenção da Esquadra e construção de futuros navios, na Baía da Ilha Grande (ou seja, fora da Capital, como havia feito também a Argentina), a cargo do vencedor da concorrência internacional, o estaleiro britânico Armstrong, que operaria o complexo em regime de concessão.
A administração Noronha chegou a encomendar os primeiros encouraçados do programa, mas uma confluência de pelo menos quatro fatores levou a uma revisão dos planos. Um foi a chegada ao Ministério da Marinha do almirante e senador Alexandrino de Alencar, que no Senado já se opunha às escolhas de Noronha. Outro foi a batalha de Tsushima (na qual a esquadra japonesa derrotou a russa), de grande repercussão mundial por mostrar a letalidade dos engajamentos a longa distância com canhões de grosso calibre.
O terceiro, de maior impacto ainda, foi o aparecimento de um revolucionário encouraçado, o britânico Dreadnought, com uma bateria principal de 10 canhões de 12 polegadas (antes, o padrão era de apenas quatro canhões do tipo nos encouraçados, secundados por uma profusão de canhões de médio calibre) e velocidade maior, de 21 nós, frente ao padrão de 18 a 19 nós. E o quarto fator foi o forte interesse (e lobby) de estaleiros internacionais apoiados pelas potências navais em conseguir encomendas fora de seus países, para financiar novos desenvolvimentos.
Alexandrino alterou o plano contratado, substituindo os três encouraçados e três cruzadores blindados de canhões de 10 polegadas por três poderosos encouraçados de maior porte (quase 20.000t) tipo Dreadnought, com 12 canhões de 12 polegadas cada um, dois dos quais encomendados logo em seguida. Estes seriam complementados por três cruzadores leves e rápidos (tipo “scout”) e quinze contratorpedeiros de maior porte (600t) que os pretendidos por Noronha. O novo estaleiro / porto militar fora da Capital deixou de fazer parte do contrato, substituído por uma expansão do velho Arsenal para a vizinha Ilha das Cobras, a ser feita com recursos da própria Marinha (uma obra que começou muito lentamente e só ganhou força nas décadas de 1920 e 1930).
E os submarinos? Estes não saíram dos planos, mas continuaram no final da lista de unidades a adquirir, ainda sem especificações definidas, ao mesmo tempo em que a situação financeira favorável dava lugar a novas preocupações econômicas. Com isso, apenas dois terços dos navios do programa foram adquiridos: dois encouraçados, dois “scouts” e dez contratorpedeiros.
Ainda assim, era uma poderosa e moderna frota que eclipsou as da Argentina e do Chile (levando esses países a encomendar seus próprios Dreadnoughts), e que ficou conhecida como “Esquadra de 1910”, ano da chegada dos principais navios ao Rio de Janeiro e, coincidentemente, de saída do almirante Alexandrino da Pasta da Marinha.
Coube a um de seus sucessores, o almirante Marques de Leão, encomendar três submarinos e um navio tender à Itália, então tida como construtora de destaque de submersíveis. Ao mesmo tempo o novo ministro, ligado à mesma corrente de Noronha, procurava retomar a ideia de um porto militar e estaleiro fora do Rio de Janeiro e revia, para baixo, as especificações de um terceiro encouraçado ainda mais poderoso que Alexandrino encomendara no final de sua gestão, para adequá-lo à nova situação financeira.
Em 1911 criou-se a Subcomissão Naval na Europa, em La Spezia, Itália, para fiscalizar a construção de três submersíveis classe “Foca” ou “F”, cujas quilhas foram batidas em 1912. Foi nomeado para o cargo de chefe dessa subcomissão o capitão-de-corveta Felinto Perry. Essas unidades foram incorporadas entre o final de 1913 e início de 1914, quase às vésperas da Primeira Grande Guerra Mundial.
Em 17 de julho de 1914 foi criada a Flotilha de Submersíveis, administrativamente subordinada ao Comando da Defesa Móvel, com base na Ilha de Mocanguê Grande, na Baía de Guanabara – Rio de Janeiro. Operativamente, a flotilha era subordinada ao chefe do Estado-Maior da Armada. Em 1917, foi incorporado à Flotilha o tender Ceará, a fim de servir de base de apoio móvel para os submersíveis e como sede da então criada Escola de Submersíveis que, em 1915, formou no Brasil a primeira turma de oficiais submarinistas.
Os submarinos classe “Foca”
Eram unidades com capacidade de combate reduzida, o que desagradou bastante o almirante Alexandrino de Alencar quando este voltou à Pasta da Marinha, no segundo semestre de 1913, e que preferia submarinos mais poderosos. Porém, diferentemente do terceiro encouraçado em conclusão, que ele recusou (mesmo porque não havia como pagá-lo, e este foi incorporado pela própria Inglaterra), os submarinos foram aceitos e, com a chegada da Primeira Guerra Mundial no ano seguinte, qualquer plano de novos navios acabou ficando de lado.
Ainda que pequenos, os exemplares classe “F” foram de grande utilidade para introduzir a Marinha do Brasil na guerra submarina e preparar as primeiras gerações brasileiras de submarinistas. Deslocavam 250 toneladas (padrão) e 370 toneladas carregados, medindo 45,7m de comprimento, 4,2m de boca e 3,6m de calado máximo.
Classe | Nome | Local de construção | Data de incorporação | Data de desincorporação |
“Foca” | Submersível (F5) | Estaleiro FIAT – San Giorgio, Itália | 06/06/1914 | 30/12/1933 |
“Foca” | Submersível (F3) | Estaleiro FIAT – San Giorgio, Itália | 16/03/1914 | 30/12/1933 |
“Foca” | Submersível (F1) | Estaleiro FIAT – San Giorgio, Itália | 11/12/1913 | 30/12/1933 |
A propulsão era diesel-elétrica, com 2 motores diesel Fiat de 2 ciclos e 6 cilindros de 325hp cada e 2 motores elétricos de 260hp cada, acoplados a dois eixos acionando dois hélices de três pás cada. A velocidade máxima era de 13,5 nós na superfície e de 8.5 nós em imersão. O raio de ação era de 800 milhas náuticas na superfície a 13,5 nós e de 1.600 milhas a 8,5 nós.
Submersos, eles podiam navegar 18 milhas a 8,5 nós ou 100 milhas a 4 nós. A profundidade máxima de mergulho era de 40 metros em testes.
O armamento consistia de 2 tubos de torpedos de 18 polegadas na proa, e a capacidade total de torpedos (tipo Whitehead) era de 4 unidades. A tripulação era de 23 homens, sendo 2 oficiais e 21 praças.
Denominados F1, F3 e F5, os submarinos classe “F” dedicavam-se basicamente ao adestramento da tripulação no manuseio e manutenção dos equipamentos, operando na maioria das vezes dentro da Baía de Guanabara. Foram realizadas também algumas comissões na Baía da Ilha Grande, e nas áreas de Cabo Frio e São Sebastião, sempre com o apoio de navios de superfície. Ao que se sabe, o único porto visitado fora dessa área foi o de Santos-SP.
Em 26 de setembro de 1917, com a declaração do estado de guerra contra o Império Alemão, proclamada pelo presidente Wenceslau Brás, os submarinos classe “F” tomaram parte em comissões de vigilância e patrulhamento nas proximidades do porto do Rio de Janeiro.
VEJA NO PRÓXIMO POST: A Flotilha de Submarinos, o Novo Programa Naval e os submarinos classe “T”
Que bacana!
Parabéns pela matéria!
Muito boa.
Parabéns pela matéria!
Excelente! Aguardando as continuações
O que se percebe na história brasileira é a eterna falta de verbas para concretizar os sonhos de uma marinha compatível com o país!
Essas são as únicas fotos? Existem diagramas ou desenhos internos desses submarinos?